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Alívio da dor - Um tipo de magia

Alívio da dor - Um tipo de magia
Crônicas de Anestesia
out. 8 - 5 min de leitura
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Sedare dolorem opus divinus est. Esta frase em latim resume tudo. Resume o que nós médicos viemos fazer aqui. Um ideal de prática e de serviço. Traduzo: ALIVIAR A DOR É OBRA DIVINA. Exagero? Pergunte a alguém que esteja sentindo dor. Alívio. Bálsamo. Paz. São palavras que logo surgem após a dor ter ido embora.

Um dos maiores medos da humanidade é sentir dor. Quem nunca teve? Quem nunca terá? Por mais saudável que se seja ela sempre vem. Dor de cabeça. Dor de dente. Dor nas mãos. Dor nas costas e assim vai. Acaba com o sono, prejudica o intelecto, perturba a vida. O homem desde que teve consciência de si e dos outros luta contra a dor. A história da medicina se confunde e está entrelaçada com essa busca.

Papiros. Existem registros egípcios sobre o uso da casca do salgueiro para tratar dores e febres. Data aproximada: 1500 a.C. Sumérios, gregos, persas. Todos aqueles povos antigos que aprendemos na escola. Todos eles, sem exceção, tentaram aliviar a dor. Antes um tipo de magia. Cataplasmas, compressas quentes, compressas frias, extratos de raízes, sangrias. Hoje ciência, medicina. Analgésicos.

Vamos gastar mais latim. Papaver somniferum. Quem? Papoula! Sim, essa planta milagrosa de fato. Certo, mas o que ela tem de especial? Ópio. É dela que conseguimos extrair o ópio. Existem descrições dos Sumérios(de novo) datados de 5000 a.C. que já cultivavam a papoula e a chamavam carinhosamente de “planta da alegria”. Fantástico! A partir do ópio toda uma cascata de novos medicamentos iria se desenvolver chegando aos nossos atuais opióides. Morfina, codeína, oxicodona, fentanil, etc.

Resumindo. Voltamos àquela missão que citei no começo do texto. Aliviar a dor. Temos hoje ferramentas e drogas das mais adequadas para isso. O que falta então para muitos médicos e, permitam-me incluir aqui, os nossos colegas dentistas? O que falta? Enxergar. Valorizar. Ter como uma das metas de sua prática diminuir ou extinguir a dor dos seus pacientes.

Existem diferentes escalas de dor. Cada pessoa a sente de maneira diferente. É subjetiva. As escalas tentam uniformizar isso, nos dar um norte, mas a rigor cada um sabe a dor que está sentindo. Algumas pessoas são mais resistentes e outras menos. Um amplo espectro. Uma dor pequena em determinado indivíduo pode ser considerada mais forte em outro. Tudo influencia. Humor, gênero, idade, psique, tudo.

E nós com isso? Lembrem-se, nós temos as armas. Precisamos saber usá-las da melhor forma possível. Sem causar dano e nos colocando no lugar do paciente. Existe uma grande resistência por parte dos médicos em geral(e dos dentistas também) em usar medicamentos opióides. Por quê? “Ah, são medicamentos que viciam” “Intoxicam muito fácil” “Deixam os pacientes sonolentos”. Ou seja, desinformação. Enquanto isso os pacientes sentem dor. Toda medicação tem efeitos colaterais. Se alguém tomar uma quantidade excessiva do paracetamol de uma só vez pode destruir o fígado rapidamente. A diferença entre um remédio e um veneno é a dose(Paracelso).

Sabemos a dose recomendada de morfina para tratar as piores dores. Devemos usá-la. Prescrevê-la. Aprender a lidar com essa droga como sabemos lidar com o paracetamol, a dipirona. Por que não? Existem estratégias para isso. A chance de uma pessoa viciar em opióides quando usados corretamente é muito, muito baixa.

Paternalismo burro! “Não, não quero que você vicie então é melhor que você sinta dor!” Ignorância extrema e cruel. O Brasil está entre os países do mundo que o consumo de morfina é o mais baixo per capta. Portanto, além de todas as nossas mazelas, estamos entre os povos que mais sentem dor. Vergonha do 7x1? Não, isso que é uma verdadeira vergonha.

É claro que não estamos nos últimos dos mundos(apesar de eu pensar muitas vezes que sim). Existem centros de dor espalhados pelo país. Obviamente nem todos têm acesso a esses lugares e muito menos a esses especialistas(vários deles colegas anestesiologistas, inclusive). Então cabe ao médico generalista, ao clínico e de outras especialidades saber lidar com a dor. No mínimo, encaminhar para alguém que saiba.

Resumindo. Podemos ser divinos. Volto a citar: Sedare dolorem opus divinus est. Agora que sabemos disso podemos aliviar bastante aqueles que mais precisam e que estão em desespero.

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O autor recomenda

Revista Brasileira de Anestesiologia Vol 55, no. 1, Janeiro-Fevereiro 2005. Uma breve história do ópio e dos opióides.

DOR – Manual para o Clínico. Manoel Jacobsen Teixeira(livro excelente)

Nota do editor: publicado originalmente em 16/10/2019.


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