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18 de Outubro: Ser ou Estar Médico?

18 de Outubro: Ser ou Estar Médico?
Leonardo Cardoso
out. 18 - 13 min de leitura
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Dia do Médico - Um sonho de infância!O Dia do Médico é comemorado em 18 de outubro no Brasil, a partir da instituição da data por Eurico Branco Ribeiro, médico paranaense, não existindo, no entanto, informações exatas sobre o estabelecimento da data no país. E a data foi escolhida por ser também o dia dedicado, na cultura católica, a São Lucas, santo protetor dos médicos. Lucas foi autor de um dos quatro evangelhos bíblicos, tendo ele se inspirado no relato de pessoas que conviveram com Cristo, já que Lucas não tenha convivido de forma pessoal com Ele. Taylor Caldwell aborda em “Médico de Homens e de Almas” a história de São Lucas. Mas, sua história é assunto para outro texto.

Sempre quis ser médico. E quando digo sempre, é sempre mesmo...

Um dos prazeres da infância é que sentimos as coisas mais do que as compreendemos. Há grandes lacunas em minha memória consciente, acontecimentos dos quais não me recordo perfeitamente, mas que ressurgem como fragmentos emocionais. Assim, há muitas coiss em minha infância que não posso explicar, coisas que ficaram grudadas na memória sem que eu tivesse pensado muito a respeito. Eis uma delas: sempre quis ser médico. Ainda na escola primária, enquanto outros garotos sonhavam em ser bombeiros, caubóis ou detetives, eu só queria ser médico. Jamais me questionei nem conversei com ninguém sobre isso. Nunca cogitei outra coisa. Não foi uma sugestão de meus pais, mas acho que eles também presumiriam que seria assim. Não houve um único dia em que eu considerasse fazer outra coisa. Era um sentimento, não uma decisão consciente. Simplesmente dei por certo que seria médico. Antes mesmo de saber que tinha um futuro à frente, eu sabia o que faria dele, e ponto final.” (O segredo dos corpos – Dr. Vicent Di Maio & Ron Franscell)

Minhas primeiras lembranças me levam aos 3 anos de idade quando passei por um internamento após contrair meningite bacteriana. Não sei se foi nessa época que decidi qual seria meu caminho profissional, mas lembro que minha brincadeira favorita quando criança era com meus instrumentos médicos de brinquedo. Adorava consultar meus bichos de pelúcia e as bonecas de minha irmã, escrever uma receita, dar as orientações, ... Lembro também que o primeiro livro que ganhei de presente se chamava “Quando crescer quero ser médico...” Tinha a certeza de que seria médico. E dentro da medicina a pediatria mexia comigo.

E se durante a infância eu brincava de ser médico, na adolescência foi o momento de mergulhar nos livros que retratavam esse universo. Conheci Augusto Cury e Marco Polo em "O Futuro da Humanidade", Noah Gordon e Rob Cole em o "O físico", Drauzio Varella e sua forma única de contar histórias. Me apaixonei pela história do ex-presidente JK quando descobri que antes de ocupar o Planalto Central ele fez um longo caminho para se tornar médico. Mirei em Patch Adams o exemplo do profissional que queria ser um dia. E tinha a certeza de que seria médico. E dentro da medicina a pediatria podia até mexer comigo, mas a oncologia começava a falar alto também.

No último ano do ensino médio, em 2013, iniciei o cursinho pré-vestibular. Lembro como fiquei aquém naquele ano em meus resultados. Mais dois anos de cursinho foram necessários e alguns nãos até que eu pudesse iniciar um novo capítulo em minha história. 18 nãos para ser mais específico.

O número 18 marca o dia da profissão que escolhi, marca o número de vezes que não fui aprovado nos vestibulares e marca também o dia em que minha história mudou. Foi no dia 18 de fevereiro de 2016, quando sentado em meu quarto a noite descobri ao abrir meu e-mail que havia conquistado minha vaga na faculdade. Nesse dia tive a certeza de que dali a 6 anos eu me formaria médico.

Quase seis anos depois aqui estou. Cursando o último período da graduação, colunista de dois portais médicos, representante de grupo do internato médico, trabalhos apresentados em eventos, capítulos de livros publicados, monitorias, cursos, palestras realizadas, e um lattes que deixando a modéstia de lado pode se dizer considerável para quem está apenas terminando o curso de medicina. Mas, não é sobre isso que quero falar aqui. Eu estaria me deixando de lado com essa apresentação e não estaria sendo quem sou em minha essência. Embora seja comum em nosso meio nos apresentarmos por nossos títulos, acredito que eles servem apenas se colocados a serviço dos nossos pacientes.

“Nunca alguém tão grande se fez tão pequeno para tornar os pequenos grandes.” (O mestre da sensibilidade – Augusto Cury, sobre Jesus)

A frase acima sintetiza meu pensamento sobre os títulos que recebemos e sobre o currículo que construímos ao longo de nossa carreira. É preciso nos despir de nossa apresentação social e nos fazermos pequenos diante de nossos pacientes para torna-los grandes. Por isso, vou tomar a liberdade de me apresentar do meu jeito favorito aqui.

Sou alguém que sonha com uma saúde mais humana, justa, social e que acredita veementemente no poder transformador da educação (e que é prova disso). Alguém que ama ler, escrever e registrar as histórias que vive com seus pacientes. Alguém que gosta de tricotar, cozinhar e comer. Alguém que tem a certeza que o mais importante nessa vida é viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.

A medicina é linda. Uma ciência que mescla técnica e arte e que nos dá a chance de participar da vida de nossos pacientes. Nos permite tocá-los e sermos tocados. Ao longo dos últimos 5 anos conheci muita gente nessa caminhada. E guardo com carinho muitas delas em minhas lembranças. Algumas foram além e eternizam histórias em meu caderninho de bolso e no que algum dia será livro.

Fazem parte de minhas lembranças e histórias Dona Hortência* e seu desabafo sobre ser a única para cuidar de sua casa, Padre Alberto* e sua forma única de me consolar, Dona Jussara* e sua forma de exercitar a paciência, Larissa* e seu pai e como deixaram claro minha paixão pela medicina de família e comunidade (a especialidade que decidi seguir) dentro de uma central de teleatendimentos, Sônia* e seu medo de perder sua cachorrinha, Dona Ester* e a perda precoce de um filho, Dona Abigail* e uma pergunta que me fez conhecer um outro lado seu, Dona Joana* e o drama de ver como ela precisava de um suporte emocional, Lindamir* e a suspeita de uma neoplasia, Joaquim* e o nascimento de Benjamim (o boneco que me acompanha nos atendimentos pediátricos), Margarida* e a necessidade por um psicólogo dita logo ao entrar no consultório, Francisca* que fez eu me apaixonar pelo mundo das visitas domiciliares, Paulo* que me convidou para comermos pinhão, Ana* que teve um mal estar enquanto eu esperava um ônibus para voltar para casa, Luana*, Lucineia* e Flora* que me fizeram compreender um outro lado da pandemia, e tantos outros que conheci e eu me permitiram fazer parte de suas histórias. Alguns se tornaram estrelas no céu, mas permanecem vivos em minha memória.

Dia 18 de outubro. Dia do médico. Dia em que lembro com carinho dessas histórias. E se por um lado a medicina nos permite viver boas histórias, por outro é preciso desmitificar a imagem de sacerdócio que ela passa. Precisamos urgentemente tirar de cima do médico o peso de super-herói da saúde. Seja por ele não trabalhar sozinho, seja por tal fato ser um fardo. O médico precisa ser atencioso, humano, empático e compassivo e ter o compromisso de ajudar seus pacientes, nem que seja apenas ouvindo suas queixas e se colocando disposição para tal. Jung nos ensina isso quando diz

“Conheça todas as técnicas, domine todas as teorias, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.

A gente precisa, contudo, enxergar que por trás do profissional que veste o jaleco existe um ser humano. E para que possa tocar uma alma humana e se permitir ser tocado, esse ser humano precisa ser valorizado. Precisa ter tempo para estudar, para respirar, para descansar, para viver.

Num mundo em que cada vez mais se valoriza uma rotina workaholic, é preciso pisar no freio e ter calma. É preciso lembrar que temos, antes de tudo, um compromisso conosco mesmos. De amor. De cuidado. De preservação. De buscar ser melhores a cada dia. De dizer não quando algo não nos faz bem. De saber nossos limites. De sabermos a hora de falar e a hora de calar. De saber reconhecer as lutas que valem a pena ser guerreadas e aquelas que devemos deixar de lado. De compreender que a vida é um presente que nos é dado uma única vez e que a medicina faz dela e não ao contrário. É preciso humanizar nossa relação conosco mesmos, com nossos colegas, com nossos pacientes, com a vida. Aproveitar cada momento como se fosse único e lembrar, a cada dia, os motivos que nos levaram a um dia escolher a medicina como nossa profissão.

18 é um número especial. É o dia da profissão que escolhi, foi o número de vezes que ganhei não até entrar na faculdade, foi o dia em que descobri que começaria a realizar o sonho de infância, e agora é o número que vai marcar o meu primeiro dia como médico daqui 2 meses. Colo grau no próximo dia 17 de dezembro e dia 18 será o primeiro dia em que poderei, de forma oficial, dizer que estou médico. Estarei medico, porquê estar é diferente de ser. Todos aqueles que cursam medicina e concluem o curso estão aptos a estarem médicos. Mas, ser... Ser médico vai além. É algo que os livros não ensinam, as aulas não preparam, os congressos não atualizam, ... Ser médico é aquele algo a mais, aquele "Q" de mágica que nossa profissão tem e que conseguimos identificar em alguns profissionais. Todos aqueles que concluem o curso de medicina estão médicos. Mas, ser vai mais além. Alguns atingem esse estágio durante a faculdade, outros durante os primeiros anos, alguns mais adiante e alguns apenas ficam estando médico mesmo. Estar médico dá a plena condição de ser um bom profissional. Mas, ser médico... É atingir aquele ponto quem alguns chamam de dom.

Feliz 18 de outubro a todos os médicos, quase médicos, e estudantes em início de curso. Ao longo desse caminho o dia 18 de outubro sempre foi especial pra mim. Mas, esse ano, confesso que a sensação é diferente e especial. É o último dia 18 de outubro como aluno da graduação. E se pudesse fazer um pedido nesse dia, seria apenas para que eu pudesse seguir sendo tocado por meus pacientes e suas histórias. Embora muitos deles pensem que eu os ajudo, na verdade são eles que me ajudam. Assim como aconteceu há algumas semanas, quando tive a chance de ao atender uma senhora na casa dos 70 anos, conversar sobre uma questão pessoal sobre a qual imaginei que nunca trataria com um paciente e que a fez sair do consultório mais feliz por compreender melhor através disso seu neto. Mas, isso é história pra outro texto.

E como disse Walt Disney:

“If you can dream it, you can do it. Always remembre that this whole thing started with a dream and mouse.

Feliz Dia do Médico!

*Por questões éticas, os nomes citados não correspondem a realidade, mas as histórias vividas tiveram seus dados preservados.

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