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A Solidão e o Estudante

A Solidão e o Estudante
Medicina em Crônicas - Elomar R. Moura
jan. 2 - 4 min de leitura
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Em meio a todo o contexto de isolamento social, não é incomum ouvirmos dos colegas a ânsia pela volta ao convívio diário, a angústia pelo claustro domiciliado, o incômodo pela falta das companhias que nem sequer as vídeo-chamadas são capazes de suplantar.

Por mais que tenhamos nossos afazeres cotidianos, frutos de uma rotina repetitiva e regrada, há sempre um momento em que somos pegos sozinhos. Historicamente, as piores penas para o ser humano envolvem a solidão: a masmorra, a solitária, o abandono de quem se ama.

Em algum espaço entre os anos 384 – 322 a.C., o tutor de Alexandre Magno (O Grande), Aristóteles, afirmava que a solidão criava deuses e bestas. Algum tempo depois, a bíblia prescreve em Gênesis (2, 18): Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda. Posteriormente, nos idos de 1788-1860, o polonês Arthur Schopenhauer nos presenteia com a metáfora do “dilema do porco espinho”, a qual projeta a partir da dinâmica da aproximação e do afastamento de uma família de porcos-espinhos em um dia de inverno, os motivos pelos quais nos reunimos e nos afastamos, visto que, a proximidade excessiva causar dor, em virtude dos espinhos, e o afastamento causa o frio. Segundo o filósofo, o fator que reúne a todos é a solidão e a monotonia.

A situação atual é conflituosa. Existem solidão e monotonia, porém, devido ao isolamento social, não há como nos aconchegarmos como bons porcos-espinhos. Eis que surge a grande questão, com quem estamos quando estamos sozinhos?

Este momento tão particular provém uma luz a algo que costumamos deixar sempre embaixo do tapete ou atrás do armário, a convivência consigo mesmo. A inquietude vivida por parte de nós em não poder sair de casa - além de outras questões - reflete a incapacidade de convivermos com o próprio eu.

Um fato que já seria até caricato por si próprio, já que a maioria de todos investe horas e horas a fio nos estudos frente a imponentes tratados e manuscritos. O estudante tem por natureza a convivência com a solidão, o uso dela em fruto do seu próprio benefício, a capacidade de permanecer-se em silencio tendo apenas a voz do seu fluxo de consciência narrando cada linha do livro. A isso, em verdade, damos o nome de solitude. Então, estaríamos de fato sozinhos?

Desta vez, o fluxo de consciência narra a nossas próprias sensações e emoções. O desconhecimento de como administrar as angústias nos faz reprimir esses sentimentos que retornam cada vez mais, em maior intensidade, em maiores volumes. A sensação de solidão nasce nesse momento, do afogamento nas próprias emoções, no medo que o momento traz, na incompreensão do que se sente. O estudante está acostumado a lidar com a solitude, através de uma prática produtiva do seu tempo afastado do convívio em face do estudo, mas não na utilização do ócio como plataforma do autoconhecimento.

Não há dúvidas que dias melhores estarão por vir. Contudo, haverá algo nesse contexto que nos acrescentará? Espero que sim. Espero que tenhamos maior noção do equilíbrio necessário acerca da distância moderada da convivência, nem tanto ao espinho, nem tanto ao frio. Como bons porcos-espinhos estejamos mais perto de aprender a importância do convívio social e do convívio consigo mesmo, para que a falta de um, não se torne a angústia do outro.

 


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