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Aprendizado médico: autores da formação e o objetivo crucial

Aprendizado médico: autores da formação e o objetivo crucial
João Elias de Godoi
fev. 12 - 5 min de leitura
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Quando pisei na faculdade de medicina pela primeira vez, logo pensei: “tenho que aprender muito porque, ao sair daqui como médico, serei o responsável pelos meus pacientes”. Até agora, com mais da metade do curso concluída, esse pensamento ainda persiste. Além disso, fazendo uma breve retrospectiva, reconheço que o que aprendi até hoje exigiu um investimento feito não só por mim, mas também pelos demais autores da minha formação.

No ciclo básico, o exemplo mais típico está naquela disciplina tão importante e tão temida, a anatomia. No primeiro contato com o cadáver, a experiência parece assustadoramente incomum e nos concentramos em superar nossas próprias limitações físicas e mentais para permanecer no laboratório. O tempo passa e passamos a nos preocupar não mais com o ambiente, mas com a quantidade de nomes e epônimos que precisamos ‘decorar’ para ir bem na prova. Mais adiante, quase que aleatoriamente surge à mente uma questão simples, porém provocante: “quem foram essas pessoas que hoje são nosso material de estudo?”. Alguns indigentes, outros doadores, mas o que importa é a prova material de que todos estão lá contribuindo para um objetivo em comum que, não se enganem, não é só de ensinar estudantes de medicina.

Além de cadáveres, o uso de animais para o ensino também é bem documentado. Com eles é possível observar a fisiologia em tempo real, além de aprender técnicas cirúrgicas obrigatórias para todo clínico. É óbvio que o bem-estar desses seres também está em jogo e precisa ser respeitado, o que envolve a redução dos procedimentos, o refinamento das técnicas anestésicas e a substituição por materiais sintéticos. Esta, por sua vez, não é possível na maioria das vezes e os animais ainda são usados pela sua autenticidade e, consequentemente, pela qualidade do ensino oferecido. Dessa forma, sapos, ratos, porcos e, no passado, cães também contribuem para aquele mesmo objetivo.

Seres humanos também estão envolvidos nessa jornada. Por se estar em um hospital-escola, nossa prática envolve contato repetitivo com os pacientes internados. No aprendizado da anamnese, alunos levam pelo menos quarenta minutos conversando, por vezes de forma mecânica e tediosa. Quando chega o momento do exame físico, estudantes inspecionam, auscultam, percutem, fazem procedimentos, tiram dúvidas e repetem várias vezes para ‘ter certeza’. Somando-se a quantidade de alunos dos muitos períodos que frequentam o hospital, sem contar os residentes, pode-se dizer que os pacientes dedicam a maior parte do seu tempo no hospital ensinando futuros médicos. Por esse motivo são grandes contribuintes para aquele importante objetivo.

Também são essenciais os professores formais, aqueles que não são pacientes. Sim, eles pegam pesado e alguns parecem ser secos e frios, mas quase todos nos ‘colocam debaixo do braço e ensinam tim-tim por tim-tim’. A maioria dos muitos exemplos dos quais me lembro não têm a profissão acadêmica como principal atividade financeira. Ao contrário: ensinam porque gostam. Não há dúvidas de que estão conscientemente dando o seu precioso tempo a favor daquele objetivo, o qual tanto valorizo.

Não posso esquecer da nossa parcela nessa realidade. Dedicamos tempo quase integral para mergulhar de cara nos livros e nas atividades presenteadas pelos citados acima. O preço pago por nós começa quando escolhemos a carreira, com os estudos para passar no vestibular, continua na faculdade e acredito que vai seguir pelo resto da vida. Especificamente na faculdade, consequências importantes, como depressão, redução da qualidade de vida e até burnout, vêm atingindo acadêmicos com mais frequência a cada dia. Ao meu ver, grande parte desses problemas são reflexos da incerteza: “vou conseguir aprender tudo pra lidar com tanta responsabilidade? E se eu não conseguir?”. Assim, uma nota ruim pode ser capaz de desestruturar os pensamentos do estudante. Tudo é reflexo da importância que damos, mesmo que inconscientemente, para aquele objetivo crucial.

Afinal, que objetivo é esse?

No meu segundo ano de faculdade, um paciente não queria ser examinado por nós alunos. Pacientemente, o professor explicou que, nos ensinando, o paciente não estaria fazendo um favor para nós alunos e sim para os pacientes que vamos atender no futuro. Dito isso, ele permitiu o exame. Mais tarde, quando fui ao leito de uma senhora para pedir permissão para examiná-la, ela repetiu o mesmo raciocínio: “Tudo bem, meu jovem, pode me examinar. Mesmo que você não faça nada para passar a minha dor, sei que já está aprendendo para atender alguém que tenha um problema igual ao meu”. Concluo que o preço pago por todos os autores da formação médica não é meramente para ensinar estudantes de medicina, vai além disso. O objetivo é ajudar aquele futuro paciente que certamente vai aparecer no caminho daquele futuro médico.

 


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