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Dinheiro para Emergency Response

Dinheiro para Emergency Response
Eduardo Costa
abr. 20 - 13 min de leitura
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Médicos e estudantes sempre se queixam de que governo e empresários brasileiros raramente dão dinheiro para pesquisas. Que bom se o Brasil tivesse uma instituição como o NIH, que distribui grants com grande liberalidade! Essas pessoas não entendem um princípio básico da Economia, expresso por Ismail Kandarés nos seguintes termos: "Falta de dinheiro nunca foi problema para o sucesso de um projeto, o único problema é falta de talento".

Além disso, não é apenas para americanos que o National Institute of Health dá dinheiro. Com uma pequena demonstração de talento, brasileiros, nigerianos e canadenses podem conseguir grants facilmente. Sei que vocês estão duvidando, então basta visitar a página dos NIH Awards by Location and Organization.

Observe que o Institute of Human Virology, de Abuja, na Nigéria, África, recebeu mais de 1 milhão de dólares. A International Agency for Research on Cancer, na França, recebeu mais de 3.5 milhões de dólares. Deixo para você verificar que a Fundação Oswaldo Cruz também pediu e recebeu dinheiro.

 

La Mort de Marat

A solução que estamos propondo para o problema de estudar e monitorar airborne infections é antiga e simples. De fato, o chamado Schlieren method foi utilizado em 1864 por Toepler para estudar o ar movendo-se em velocidade supersônica em volta de objetos. O problema de Toepler é o mesmo que encontramos ao pesquisar airborne infections: visualizar  coisas invisíveis, como ar e gotículas de Wells. Toepler utilizou uma técnica inventada pelo famosíssimo médico francês Jean Paul Marat. Mostramos abaixo o ar aquecido pela chama de uma vela.

 

A técnica de Marat-Toepler é muito utilizada por engenheiros aeronáuticos para visualizar o ar em torno de aviões e foguetes supersônicos.

Mas é claro que podemos usar a técnica para estudar droplets em hospitais:

Uma nota histórica: Jean-Paul Marat foi um jornalista e médico francês que morreu assassinado em 1793 por Chalotte Corday. Marat é mais conhecido por seu papel de líder do partido jacobino, durante a Revolução Francesa. Charlotte pertencia à facção girondina e, segundo ela, matou o jacobino Marat para salvar as vidas de milhares de pessoa, que o político radical certamente mandaria guilhotinar. O juiz não aceitou essa ideia e condenou Charlotte Corday à morte. A foto acima do título deste artigo mostra o famoso quadro de Jacques-Louis David sobre o assassinato de Marat.

Nota do editor: a imagem está disponível por este link de domínio público.

National Institute of Health - NIH

Vamos aprender a navegar no NIH (link para a página).

O orçamento total do NIH é de 31 bilhões de dólares, pouco maior do que o orçamento de nosso ministério da saúde. Lembre-se, contudo, que o NIH é apenas um dos institutos do U.S. Health and Human Services, que tem um orçamento de mais de 1.3 trilhões de dólares, ou seja, 70% do PIB brasileiro.

Se você clicar na tab Grants & Contracts, vai encontrar quatro colunas de opções. A primeira coluna vai ajudá-lo a localizar oportunidades de custeio. Quem pede um grant deve ter à mão um protótipo pronto da proposta. Assim, meus estudantes conseguiram acesso a um Atomic Force Microscope (AFM) para determinar  isoelectric point de vírus pelo single particle method. Além disso, montaram um sistema de visão robótica para reconhecer pessoas e objetos, de modo a detectar clinical procedures que produzem aerosols (Wells' droplets) que trazem risco de infecção por COVID-19.

Você dirá: "Está tudo pronto. Por que pedir dinheiro?" Não posso medir isoelectric point de vírus perigoso na minha sala de jantar, pois seria preso e internado no Elizabeth Arkham Asylum for the Criminally Insane. Se quiser caracterizar o COVID-19 pelo single particle method, precisarei de uma biohazard room. Além disso, para simular droplets, usei cigarros eletrônicos com propylene glycol e glycerine, mas sem nicotina. Nenhuma revista aceitará resultados tão precários. Por isso, na versão final, precisarei de uma câmera de alta velocidade que custa mais do que eu ganho em um ano.

 

Negociação

Enfim, falta de dinheiro é uma preocupação que não deveria existir. Americanos, franceses, chineses, alemães e russos alocam bilhões de dólares para pesquisar  Response to Emerging Rapidly Evolving Situation (Resposta para Situação Emergente e em Rápida Evolução). Porém, as agências de fomento não distribuem dinheiro à vontade. Na terceira coluna da opção "Grants & Contracts", há uma "Negotiation & Initial Award". Haverá, portanto, uma negociação, onde quero dinheiro para desenvolver um sistema de "Response to Emerging Rapidly Evolving Situation", e o dinheiro oferecido mal dá para fabricar máscaras N95. Aqui, vale sua habilidade de negociador. Se pedir demais, o grant pode ser negado, se aceitar muito pouco, a empreitada fracassará.

 

Custo da instalação

Quanto custará instalar um sistema desses em um hospital? Pretendemos instalar o primeiro protótipo no St. Michael's Hospital, de Toronto. Aliás, a ideia do projeto partiu de Steve Lin, diretor médico do Department of Advanced Cardiac Life Support do St. Michael e professor na Division of Emergency Medicine da University of Toronto. O sistema final não precisará da Phantom Camera, que só é necessária para estudar os aerossóis. Entretanto, o sistema precisará de computadores massivamente paralelos para receber a Artificial Intelligence (AI) e o sistema de visão robótica que supervisionará os procedimentos clínicos indicados por Steve Lin.

Para dar suporte à AI, precisaremos de um sistema com 640 tensor cores para processar a matriz de deep learning que vai aprender a reconhecer pessoas e objetos. Cada tensor core realiza 64 point fused Multiply Add operations per clock. Don't Panic, vou explicar tudo isso mais adiante. Por enquanto, vamos nos concentrar nas compras. O conjunto de tensor cores pode realizar 7.4 trilhões de cálculos aritméticos por segundo. Preço? Mais ou menos 12 mil dólares. Precisaremos também de contratar estudantes para montar a coisa toda. Esses estudantes receberão 2 mil dólares por montagem. Vejamos agora como a AI funciona.

Artificial Intelligence

A existência dos Neurônios foi descoberta por Ramón y Cajal, o que deu o prêmio Nobel ao médico espanhol. Hodgkin e Huxley também ganharam o prêmio Nobel, desta vez por estudar o axônio que controla o sistema de propulsão a jato das lulas. Esse axônio foi escolhido por ser visível a olho nu, o que  facilitou o estudo.

O neurônio pode estar em dois estados possíveis: excitado ou inibido. O neurônio excitado envia estímulos pelo axônio a outros neurônios que estão ligados a ele por sinapses, enquanto o neurônio inibido não envia sinais.

Como um neurônio fica excitado? Ele recebe os sinais dos outros neurônios, multiplica cada sinal por um peso, soma os produtos e passa o resultado por uma função chamada sigmoide. A máquina de 12 mil dólares que simula a área do cérebro responsável pela visão tem 640 tensor cores capazes de fazer trilhões dessas combinações de somas e multiplicações. Para entendermos melhor o problema, imaginemos um verme de dois neurônios, o Tico e o Teco. Para calcular um sinal y, Tico  recebe um sinal x de Teco, multiplica por w (weight) e soma com b, uma constante, onde a, b, w, x e y são vetores. Eis a equação de y:

y = w . x + b

Se estou bem lembrado do curso secundário, isso é uma equação de uma hiperreta. Então, Tico nada mais faz do que traçar retas e hiperretas que classificam coisas. O valor de w determina a inclinação da hiperreta. Isso significa que o aprendizado se resume a mudar a inclinação da hiperreta. Na figura abaixo, Tico aprendeu a classificar pontos, separando-os por uma hiperreta.

O grande cientista americano Marvin Minsky percebeu que esse sistema não podia funcionar na prática. De fato, Minsky e o educador sulafricano Seymour Papert escreveram um livro intitulado "Perceptron", onde provam que esse modelo de aprendizado era insuficiente para explicar a visão. A figura abaixo mostra como a classificação só poderia ser feita com figuras mais complicadas do que hiperretas.

 

Artificial Unintelligence

Ao ver que apenas neurônios não podem explicar a visão, Minsky, Joshua Lederberg, John McCarthy, Herbert Simon, Douglas Lenat e outros cientistas começaram a procurar um mecanismo que complementasse o aprendizado neuronal. Esse mecanismo é a evolução das espécies por seleção natural. Os cientistas, contudo, perceberam que não era possível simular a evolução das espécies, pois levaria tempo demais para produzir resultados.

A noção de uma seleção natural lenta é falsa. A biosfera é um computador massivamente paralelo que faria os 640 tensor flow cores de minha proposta parecerem brinquedos em comparação. Só de bactérias, há 5 milhões de trilhões de trilhões. O cientista americano Leonard Adleman usou DNA para fazer computações para resolver problemas combinatórios e conseguiu velocidades milhões de vezes mais altas do que em computadores comuns.

Então, para conseguir AI, teremos de trabalhar por séculos, como os antigos construtores de catedrais. Teremos de fabricar máquinas com tensor cores para imitar os neurônios, além de substituir a evolução pelo trabalho de milhares de cientistas. Isso mesmo, não adianta querer imitar a evolução, temos que retomar o trabalho no ponto em que ela parou e, com o esforço desses cientistas,  montar as estruturas que farão inteligência emergir dos neurônios artificiais.

Experimentos como o de Leonard Adleman mostram que a natureza não é lenta, comparada aos computadores. Leonard Adleman, famoso por desenvolver os algoritmos de criptografia que protegem nossa privacidade e contas bancárias, abriu um novo campo para a AI, que é a DNA-computing. Mas vamos imaginar que os computadores modernos sejam 1000 vezes mais rápidos do que a natureza, que levou 4 bilhões de anos para criar as espécies atuais. Então, esse computador hipotético levaria 4 milhões de anos para produzir resultados.

O surgimento da AI precisará de, pelo menos, 300 anos de trabalho duro e muito dinheiro. Felizmente, depois de quase meio século de evolução dirigida, o CyC já atingiu um estágio de desenvolvimento suficiente para ser útil ao sistema proposto por Dr. Steve Lin para o St. Michael's Hospital, como já está sendo útil para produzir as drogas da Glaxo e projetar cirurgias cardíacas da Cleveland Clinic.

Aqui ocorreu um fenômeno social interessante. As pessoas esperavam que pequenos programas, escritos em Python ou em outra linguagem da moda, aprendessem a fazer diagnósticos médicos  e  investimentos. Há até gente que teme perder seus empregos para essa paródia de inteligência. O perigo, porém, é outro.

Empresas começaram a usar essa "falsa" AI para, de fato, substituir médicos e analistas financeiros, mas não por algo mais eficaz do que os profissionais humanos, mas por diagnósticos errados e orientações falhas. Isso está causando mortes, prejuízos e muito sofrimento. A falsa AI, muitas vezes, recusa-se a pagar cirurgias para segurados sem qualquer explicação razoável, enquanto recusa empréstimos de gente honrada e faz acusações falsas para trabalhadores honestos. Há também casos de acidentes aéreos devido a erros dessa falsa AI.

Três mulheres estudaram esse problema. Sugiro que o leitor consulte os seguintes livros, se quiserem saber mais sobre o assunto:

  • "Weapons of Math Destruction", de Cathy O'Neil
  • "Artificial Unintelligence", de Meredith Broussard
  • "Digital Woes", de Lauren Ruth Wiener

Já que estou recomendando livros, sugiro que leiam também "The Turing Option", de Marvin Minski e Harry Hausen. O jovem pesquisador Brian Delaney, que trabalhava com AI, é vítima de um atentado e tem parte do cérebro destruído por um tiro. A neurocirurgiã Erin Snaresbrook reconstrói a parte do cérebro danificado de Brian com os neurônios artificiais que ele mesmo tinha desenvolvido. Uma metáfora para a tese de que a AI é um complemento, não um substituto, para a inteligência humana.

A mente humana

Marvin Minski me contou uma história sobre sua filha Margaret Minski, professora no MIT, que aparentemente nem mesmo Margaret se lembra. A história mostra que a inteligência não pode ser explicada com certo ou errado, sim ou não, ganhou ou perdeu e verdadeiro ou falso. Marvin estava jogando xadrez com Margaret, quando a menina cometeu um erro. O pai indicou o erro e pediu à filha que corrigisse o movimento. Margaret se recusou a fazer a correção. Marvin, paciente, explicou-lhe que, se fizesse a correção indicada por ele, ganharia o jogo. "Eu não quero ganhar," retrucou Margaret, "quero continuar jogando".

 

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