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Dona Abigail

Dona Abigail
Leonardo Cardoso
jun. 28 - 4 min de leitura
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Foi através da coleta do PCA-Tool (Primary Care Assessment Tool), uma ferramenta de auxílio para a Atenção Primária à Saúde que visa medir a qualidade dos serviços de saúde oferecidos aos usuários, que conheci Dona Abigail. Com a cara um pouco fechada e certa resistência ela me respondeu as perguntas sobre os serviços ofertados pela Unidade.

A falta de médico na sua área de abrangência era um dos motivos que a deixavam brava. Naquele momento nem passava pela minha cabeça a ideia de que logo mais eu iria ter a chance de consultá-la e mudar a imagem que ela tinha da US.

Fui chamado por minha professora para fazer um atendimento. Ao olhar no sistema vi o nome de Dona Abigail. Confesso que senti um frio na barriga, afinal, eu já havia conversado com ela e tinha percebido que ela não estava para muitos amigos naquele dia. Respirei fundo, organizei rapidamente o consultório e chamei minha paciente.

Reclamando inicialmente de uma tontura, D. Abigail fez outras queixas durante nossa conversa no consultório. Tratava-se uma paciente poliqueixosa. Eu sabia que havia algo a mais. Uns chamam de feeling, outros de sexto sentido, e outros ainda dizem ser intuição. Não sei o que é, mas alguma coisa me disse, naquele momento, que tinha algo que Abigail ainda não havia me contado.

Nesse momento minha professora entrou no consultório para conhecer o caso.

Expliquei para Dona Abigail que iria passar o caso para minha professora e que em seguida voltaríamos a conversar, porém gostaria de lhe fazer uma pergunta antes. Foi a deixa para que eu pudesse chegar em seu emocional.

“Nos últimos dias a senhora passou por alguma situação de estresse ou nervosismo?”

Era o que precisava ser dito para que ela estabelecesse um elo de confiança e pudesse se abrir. Suas lágrimas surgiram no mesmo instante. Abigail enfrentava situações estressantes em casa e possuía uma cicatriz em seu corpo, a qual ela achava que tal marca lhe deixava horrorosa.

Desde o início da graduação em medicina tenho em mente que quando procura atendimento médico o paciente precisa mais do que um simples medicamento ou exame complementar. É necessário apoio, suporte, carinho, afeto, dedicação. É nossa função compreendermos que não cuidamos de doenças, mas de pessoas que estão doentes.

Com Dona Abigail, não foi diferente. Após acalmá-la e conversarmos sobre os problemas pessoais, disse que estava ali para ajudá-la. Ao comentar que teríamos como resolver essa questão da cicatriz um sorriso inundou seu rosto. Segui com meu atendimento.

Eram inúmeros os medicamentos utilizados por ela (fato que veria muitas outras vezes em meus atendimentos). Minha alegria foi quando pude retirar um dos medicamentos (uma de suas queixas era justamente a de que tomava muitos remédios).

Naquela ocasião não sabia nada sobre diabetes, hipertensão, medicamentos que são melhores para determinados grupos de pessoas... Mas, com a ajuda de minha professora, pude montar um novo receituário. Solicitei novos exames e agendei o retorno dela para dali alguns dias.

Ao chegar em casa naquele dia fui estudar seu caso. Procurei sobre as comorbidades apresentadas, os medicamentos que utilizava, um plano terapêutico que fosse mais viável. Não via a hora de poder reencontrá-la. Abigail retornou, no entanto, em um dia que não estava na Unidade e não consegui vê-la novamente.

Mas, sempre que lembro de seu caso, de como estava fechada e da forma como se abriu, das pequenas mudanças que fizemos e de seu sorriso ao final daquele atendimento sou inundado por uma paz única. Paz essa que me faz todos os dias, ao colocar minha cabeça no travesseiro, olhar para o alto e dizer:

“Obrigado Senhor! Tem valido a pena!”


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