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Medicina de Família e Comunidade e a Saúde Suplementar

Medicina de Família e Comunidade e a Saúde Suplementar
Leonardo Cardoso
out. 28 - 9 min de leitura
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MFC. Uma sigla pequena que carrega consigo um universo de possibilidades. Da primeira consulta do recém-nascido aos cuidados de fim de vida, a Medicina de Família e Comunidade (MFC) é a especialidade médica responsável, como seus atuantes mesmo dizem, por “cuidar de gente”. Muitas pessoas enxergam o médico de família e comunidade como aquele que passou seis anos na faculdade, dois na residência e fez sei lá mais o quê para trabalhar no postinho. Em alguns momentos isso vira até mesmo motivo de chacota. Esquecem-se, no entanto, que a atuação do médico de família vai muito além, podendo esse atuar, além da Unidade de Saúde, no domicílio do paciente, em escolas, empresas, ambientes privados e outros níveis de atenção à saúde. E é justamente por esse fato que nos últimos anos vem crescendo o ingresso de médicos de família no sistema privado.

Com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988 e com a posterior criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, por meio das Leis 8.080 e 8.142, viu-se a chance de termos um sistema de saúde público que trouxesse a descentralização desse, a municipalização, participação popular e apoio à Atenção Primária à Saúde (APS). Quatro anos depois, em 1994, foi criado o PSF, Programa de Saúde da Família, a partir do qual a atenção básica passou por uma expansão no País. Expansão essa que trouxe a criação de cursos, especializações, polos de capacitação, entre outros voltados a essa área, nem sempre com a qualidade desejada.

Ao longo do tempo, verificaram-se diversas dificuldades para que ocorresse o avanço da APS em nosso País, dentre as quais pode ser citada a necessidade de médicos para as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) com formação em MFC. Para tentar solucionar esse quadro, lançou-se mão de diversas políticas, como o PROVAB e o Mais Médicos (políticas de provimento emergencial de mão de obra, investimento na graduação médica e ações visando a residência médica). Na época de seus lançamentos, imaginou-se que a situação seria de fato resolvida, pois a APS foi colocada como centro da política nacional. No entanto, políticas desse tipo causam certa dependência e com isso podem não gerar o efeito desejado.

No tocante à graduação, essas políticas levaram a uma nova orientação para os currículos das escolas médicas a partir de 2014 com a publicação das Diretrizes Nacionais Curriculares (DCNs), que trouxe, por exemplo, um tempo mínimo de passagem pela MFC durante o internato médico. Contudo, aqui também encontrou-se uma dificuldade, como a necessidade de professores e preceptores em MFC que realmente possuam atuação na área e que possam transmitir ao aluno o que essa representa na essência do sistema de saúde.

O terceiro pilar dessas políticas era voltado às residências médicas, em que se defendeu a universalização e expansão das vagas em MFC, sem que se perdesse a qualidade, ponto de extrema importância quando falamos de formação humana. Assim como mencionado nos pontos anteriores, aqui também encontram-se dificuldades como o incremento no número de vagas e a ocupação dessas vagas, que muitas vezes se encontram em municípios menores, mais afastados dos grandes centros urbanos. Nota-se, nesse ponto de nossa conversa, que para fortalecer o SUS é preciso fortalecer a APS, investindo, dessa forma, na ESF, para que por meio dela possamos, de fato, ter um sistema público de saúde em que a qualidade chegue até a ponta em nosso paciente.

Enquanto isso não ocorre, a MFC vem ganhando cada vez mais força na saúde suplementar. Isso se deve ao fato de que cada vez mais os planos de saúde precisam colocar não a doença, mas sim a saúde no centro de suas atenções. Um dos motivos que levaram a essa mudança de visão pode ser vista a partir de 2014, quando muitas pessoas que possuíam planos de saúde passaram a abrir mão desse por motivos econômicos. Com isso, prestadoras de serviço e profissionais passaram a sentir, no bolso, os impactos da menor adesão populacional aos planos de saúde. A partir disso, foi questão de tempo para que as grandes operadoras enxergassem na APS a chance de reequilibrar o sistema de saúde privado e com isso voltar a ganhar espaço em sua atuação.

São muitos os exemplos de grandes empresas que adotaram o modelo de APS e que vêm apresentando resultados positivos, como SulAmerica, Bradesco, Unimed e Amil, por exemplo. Modelo esse que investe, mesmo dentro do ambiente privado, na coordenação do cuidado (grande responsável pela diminuição do desperdício de recursos no sistema). Sendo o médico de família capaz de resolver até 80% das demandas de saúde e responsável por facilitar e qualificar o acesso do paciente ao sistema de saúde; tê-lo na saúde suplementar é para as operadoras de saúde um ótimo negócio que vem sendo traduzido como economia de recursos no fim do mês, visto que tal medida evita desperdícios ao longo do caminho percorrido pelo paciente. Isso ocorre pelo fato do paciente ser atendido e receber cuidados iniciais antes de ser encaminhado a um especialista focal, quando necessário (lembremos que no modelo tradicional o paciente já iria direto a esse especialista, muitas vezes com baixa efetividade e pedidos de exames desnecessários).

Um dos desafios da saúde suplementar nessa transição é justamente criar mecanismos para que o médico de família conheça o paciente, seus histórico e com isso possa indicar as melhores condutas. Quando pensamos nessa transição, não é possível imaginar que a cada consulta o paciente passará por um profissional diferente ou que terá de esperar o mesmo tempo que esperava por uma consulta com o especialista para ser atendido pelo médico de família. É necessário que esses pontos sejam vistos e que o paciente sempre passe em atendimento com o mesmo médico de família, justamente para que seja mantido os objetivos e princípios da APS, mesmo que no ambiente privado.

Além disso, é preciso mudar a visão que muitos pacientes possuem de que o hospital é o melhor lugar para a resolução de suas queixas, sendo necessário que ele compreenda que muitas vezes ele não precisa estar ali. Outro ponto importante é que mesmo com o incremento de políticas públicas ainda é pequeno o número de médicos de família em nosso País, o que demonstra uma insuficiência na ocupação das vagas, seja no sistema público, seja no sistema privado.

Embora os desafios sejam muitos, podemos ver essa entrada da APS, e consequentemente da MFC , na saúde suplementar como uma forma de podermos nos aproximar mais dos modelos europeus, com o médico recebendo maior autonomia, número adequado de pacientes, melhores salários, além de experiências de vínculo de trabalho por contrato específico, o que pode nos fazer obter visões para no futuro melhorar o sistema público de saúde.

E você já passou por alguma experiência, como profissional ou paciente, relacionada a MFC na saúde suplementar? Conta aqui pra gente nos comentários. Aproveita e conta pra gente sobre outros temas que gostaria de ver por aqui.

 


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Referências:

SAURO VICTORINO MACHADO, Humberto; ALVES MELO, Eduardo; GUIMARÃES NUNES DE PAULA, Luciana. Medicina de Família e Comunidade na saúde suplementar do Brasil: implicações para o Sistema Único de Saúde e para os médicos. Cadernos de Saúde Pública, [s. l.], v. 35, ed. 11, p. 1-5, 2019.

GOMES TRINDADE, Thiago; RODRIGUES BATISTA, Sandro. Medicina de Família e Comunidade: agora mais do que nunca!. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 21, ed. 9, p. 2667-2669, 2016

https://www.sbmfc.org.br/historia/ (Acesso em 25 de outubro de 2020).

https://www.sonhoseguro.com.br/2019/04/doente-o-setor-de-saude-suplementar-busca-a-cura-no-medico-da-familia/ (Acesso em 25 de outubro de 2020).

https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2018/12/medicina-da-familia-e-aposta-de-planos-de-saude-para-reduzir-custos.shtml (Acesso em 25 de outubro de 2020).

https://6minutos.uol.com.br/minhas-financas/operadoras-de-saude-recorrem-a-medico-de-familia-para-baratear-plano/ (Acesso em 25 de outubro de 2020).

https://www.sbmfc.org.br/noticias/sbmfc-entrevista-andre-cassias-vamos-falar-sobre-o-mfc-na-saude-suplementar/ (Acesso em 25 de outubro de 2020).


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