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Medicina humana, Medicina com amor

Medicina humana, Medicina com amor
Leonardo Cardoso
out. 14 - 4 min de leitura
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José* entrou no consultório e ao ver três estudantes de branco congelou no colo da mãe. Tinha um ano e nove meses na época.

Como quem não quer nada, peguei Benjamim (o boneco que carrego para que as crianças possam reproduzir nele os exames e procedimentos que serão feitos com elas no momento do atendimento) e o coloquei em cima da maca, sentado e olhando para o pequeno. José não percebeu pois brincava com um carimbo e uma folha que uma das minhas companheiras do estágio prático ofereceram. Até que seu olhar cruzou com o de Benjamim.

-Olha o nenê!

Ao ouvir sua frase o chamei para conhecer o boneco.

Ele desceu do colo da mãe, veio até a maca, o peguei no colo, ele pegou Benjamim e ameaçou chorar. Coloquei-o no chão e falei para ele mostrar para a mãe o nenê. Ele foi. Esperei alguns minutos para voltar a me aproximar.

Aos poucos e com calma fui chegando perto do pequeno. Abaixei-me para ficar a sua altura e ofereci o estetoscópio de brinquedo para ele auscultar o coração de Benjamim. Ele não gostou muito (não dá pra agradar em tudo), mas amou a injeção que o boneco precisava receber. Ele ainda se mostrava resistente à tentativa de auscultarmos seu coração. Dei a ele um palito colorido, o qual foi mastigado e besuntado de baba até o fim da consulta.

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Aos poucos, o exame físico foi sendo realizado. Com ele em pé, ora com o boneco na mão, ora com a injeção de brinquedo na mão. Sozinho subiu na balança. Chorou apenas quando fomos medir sua estatura e examinar seus ouvidos.

De volta ao chão ele brincava cada hora com uma coisa (sem desgrudar do palito que mastigava com gosto). Ele sentava na balança e levantava. E a cada momento falava para mim:

-Senta, tio. Levanta, tio.

Sim, eu sentava e levantava.

Sozinho, ele esticou a mão até meu bolso, pegou a caneta amarela que nele estava, e disse:

-Amarelo.

Segundo a mãe foi a primeira vez que ele falou o nome da cor.

Para concluir seu exame físico, mostrei um vídeo do Baby Shark (ele estava com uma bermuda estampada com o desenho). Cantei a música e ele imitava com as mãos a boca do tubarão. Depois dançou a música do pintinho amarelinho. E enquanto a mãe recebia as orientações finais de minha outra companheira de estágio prático, meu pequeno paciente gargalhava quando eu falava “que chulé!” (sim, ele tirou os dois tênis e me dava para cheirar ao mesmo tempo que gargalhava enquanto eu pegava os sapatos).

E, qual não foi a surpresa, quando ao ouvir que iria embora ele sentou novamente na balança e disse que não queria. Meu coração transbordou de alegria. A confiança de José havia sido conquistada.

Pedi a ele que me mostrasse a motinho que havia deixado do lado de fora do consultório. Colocamos os sapatos e ele foi todo risonho me mostrar. Do lado de fora, os pacientes que aguardava na sala de espera olhavam para o pequeno e para mim.

Ajudei-o a entrar na motinho, recebi um abraço, um beijo e um tchau tão eufórico dele que me fez ter a certeza de que eu estava no lugar certo e no momento certo.

Não, o caminho não é nada fácil. Mas esses pequenos momentos fazem valer muito a pena.  E, se por um lado precisamos tocar nossos pacientes, por outro precisamos compreender a importância de estarmos abertos e de permitir que sejamos tocados por eles. É algo único, mágico e que palavras, por melhores que sejam, não conseguem expressar.

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*Por questões éticas o nome citado não corresponde à realidade.


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