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Não me deixe sentir dor

Não me deixe sentir dor
Naiara Costa Balderramas
ago. 20 - 4 min de leitura
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Experimente ficar parado na posição em que você está agora por duas horas, movendo apenas os olhos, os dedos das mãos e dos pés e minimamente o pescoço. Você não tem força suficiente para conseguir levantar o quadril, mudar de lado ou mesmo mudar um membro inteiro de posição. Em alguns minutos começa a ficar desconfortável. Depois começa a dor...

Quantos são os pacientes que diariamente vemos restritos ao leito, sejam crianças ou idosos com graves quadros neurológicos ou pacientes com doenças crônicas avançadas e síndromes consumptivas? Alguns conseguem se queixar da dor por meio de gemidos, choro ou agitação. Outros somente conseguem exibir faces de dor: sobrancelhas franzidas, dentes cerrados, contração dos músculos da face... Fatores indiretos também podem ser observados, como aumento da frequência cardíaca, do esforço respiratório, da pressão arterial, dificuldade para dormir e irritabilidade.

Quantas vezes nos preocupamos mais com medicações específicas como antibióticos e anti-hipertensivos, deixando de lado os analgésicos ou colocando subdoses, horários sem cobertura e drogas com mecanismos de ação inadequados para aquele tipo de dor?

Os EUA passam por uma crise de consumo excessivo de opioides. Uma hipótese aventada para tal crise foi o lobby realizado pelas indústrias farmacêuticas desde o começo da década de 90 de que o uso de opioides apresenta baixo risco e está associado à efetividade e manejo fácil, principalmente em situações de dor crônica (1). Porém, sabemos que a dor não possui apenas componentes físicos.

O conceito de dor total, que envolve aspectos físicos, psicológicos, sociais, espirituais e emocionais, vem sendo discutido desde os anos 60 por Cicely Saunders (2). A análise de cada aspecto associada ao controle dos estímulos físicos, reduz o risco de abuso de substâncias, bem como atua na indicação correta dos opioides, assim como no uso adequado de outras medicações associadas.

Para conseguirmos otimizar o tratamento da dor total, é preciso identificar as características da dor, como localização, intensidade, fatores que intensificam e aliviam, além de possíveis causas. Importante também identificar o impacto que a dor causa na qualidade de vida do paciente, como restrições motoras e suas implicações nas atividades do dia a dia e relações familiares, prejuízo nas funções fisiológicas como sono, hábito intestinal, atividade sexual, tratamentos já utilizados para o controle da dor, bem como possíveis transtornos psiquiátricos prévios - uso de álcool/drogas, depressão, ansiedade, distúrbios de personalidade...

O papel da equipe multiprofissional, nesse caso, é fundamental! Psicólogos identificando os aspectos psicoemocionais, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais auxiliando na relação entre o corpo do paciente e o ambiente, além de reabilitação físicomental, serviço social otimizando as relações do paciente com a sociedade, médicos e farmacêuticos buscando controlar os efeitos colaterais e interações medicamentosas, e várias outras áreas a depender do quadro clínico de cada paciente.

Sempre que estiver diante de um paciente é importante buscar entender a dor que o incomoda, por meio da anamnese, do exame físico, do diálogo e da empatia. Ao nos colocarmos no lugar do outro podemos antecipar situações futuras, observando mecanismos que nem foram referidos pelo paciente, mas que causam desconforto e podem ser amenizados, como, por exemplo, uma dose de analgésico antes da fisioterapia que ele recusou a fazer antes.

Analisar cuidadosamente o quadro clínico-emocional-social do paciente é o caminho mais preciso para identificar o tratamento certo para sua dor, minimizando abusos de substâncias e aliviando seu sofrimento. Não deixemos ninguém sentir dor desnecessariamente.

(1) Lembke A.  Drug dealer, MD: how doctors were duped, patients got hooked, and why it's so hard to stop.  Johns Hopkins University Press, Baltimore, MD; 2016

(2) Clark, D. "Total pain: the work of Cicely Saunders and the hospice movement". American Pain Society Bulletin. 10 (4): 13–15; 2000.

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