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Novos insights sobre pneumonia aspirativa

Novos insights sobre pneumonia aspirativa
Roberta Fittipaldi
mai. 10 - 7 min de leitura
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É fundamental a prevenção e atenção aos fatores que podem precipitar a aspiração. A seguir compartilho com vocês um artigo de revisão sobre pneumonia aspirativa publicado em 2019 no "New England Journal of Medicine."

Novos insights sobre pneumonia aspirativa

Com os avanços em pesquisa e descobertas realizadas pelo "The Humam Microbiome Project", iniciativa do sistema de saúde americano em identificar o microbioma humamo e correlacioná-lo com o processo de saúde e doença, foram identificadas diversas bactérias que participam do processos de defesa pulmonar, contribuindo para o fim do conceito de "pulmão estéril".

Essas bactérias estão estritamente envolvidas nos processos de infecção x inflamação após a ocorrência de macro ou microaspirações - principais substratos para o desenvolvimento de pneumonias, tanto adquiridas na comunidade, como as adquiridas no contexto hospitalar. 

Estes estudos também identificaram uma mudança na flora bacteriana da cavidade oral de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) prévio, nos mostrando 29 novas bactérias como possíveis causadoras de pneumonias. Além disso, hoje os principais germes envolvidos no desenvolvimento da pneumonia aspirativa são gram negativos entéricos aeróbios, sendo que os anaeróbios correspondem a uma minoria. Conceito que foi difundido nos anos 70 e permaneceu imutável até as novas publicações nos anos 2000.

Além disso, nas últimas décadas, é inegável o aumento de idosos na população, e consequentemente patologias associadas ao envelhecimento. Portanto, condições como: doenças esofágicas que causam disfagia (ex: cancer), DPOC, doenças neurológicas (ex: Parkinson, Alzheimer, AVC), uso de sedativos e psicotrópicos, doença do refluxo e gastrostomia correspondem aos principais fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias aspirativas. Observe que a maior parte dessas condições estão associadas à redução do reflexo de deglutição e consequentemente proteção débil da via aérea.

O conceito de pneumonia aspirativa e pneumonite química também está melhor definido nos dias de hoje. Correspondendo a pneumonia aspirativa a todo episódio de macroaspiração de conteúdo gastro-intestinal que contém bactérias, ou seja possui pH básico, pois em pHs ácidos existe a inibição do crescimento bacteriano.

Por outro lado a pneumonite química é definida como a aspiração maciça de conteúdo gastro-intestinal em grande volume com pH ácidos em torno de 1-2, levando ao processo inflamatório intra-pulmonar que inicialmente é estéril, mas posteriormente pode vir a ser contaminado por bactérias, criando um desbalanço entre infecção x inflamação. Logo, a neutralização do pH gástrico reduz o risco de pneumonite química, mas não de crescimento de bactérias caso o paciente em uso desta medicação broncoaspire.

Em geral, a suspeita clínica de pneumonia aspirativa é realizada após a anamnese, com a presença de condições predisponentes e o relato do episódio de broncoaspiração. Ao exame, o paciente pode apresentar desde tosse, com início agudo de horas a alguns dias, broncoespasmo, até graus variados de insuficiência respiratória.

Ao exame de imagem consolidações em regiões dependentes dos lobos inferiores são bem vistas em pacientes acamados ou que aspiraram deitados, ao passo que pacientes que aspiram em posição supina as opacidades tendem a estar presentes nos seguimentos superiores do lobos inferiores e em seguimento posteriores do lobos superiores. Também pode ser observada a formação de abscessos ou de pneumonia necrotizante, sugerindo uma etiologia anaeróbia concomitante.

Na pneumonite química podemos observar opacidades difusas associadas a consolidações. Entretanto em pneumonias aspirativas a radiografia de tórax inicial pode não apresentar alterações. Para a definição da etiologia microbiana pode ser realizado cultura de escarro e/ou broncofibroscopia com lavado broncoalveolar.

Com a mudança das principais bactérias no processo etiológico da infecção na pneumonia aspirativa, os regimes surgidos para tratamento também obtiveram mudanças. A principal hoje é a utilização da clindamicina SOMENTE para pacientes com pneumonia necrotizante, abcesso pulmonar ou má conservação dentária documentada.

Em geral, pneumonias aspirativas em pacientes da comunidade que não utilizaram antibióticos nos 90 dias prévios e que não não foram hospitalizados por pelo menos 5 dias neste período, os esquemas podem ser realizados com: ampicilina-sulbactam, ertapenem, ou fluorquinolonas (moxifloxacino ou levofloxacino). Esses regimes também são aceitáveis em pneumonias aspirativas adquiridas no contexto hospitalar porém em locais onde não há evidencias ou riscos de bactérias multi-resistentes.

Caso exista a possibilidade de germes resistentes, o esquema utilizado pode ser piperacilina-tazobactam, cefepime, levofloxacino, meropenem ou imipenem, sozinhos ou em associações que contemplem aminoglicosídeos, ou colistina ou em caso de suspeita ou confirmação de colonização de S. aureus meticilina resistente associar vancomicina ou linezolida.

Tanto para pneumonias na comunidade ou hospitalares o tempo de tratamento pode ser de 5 -7 dias, em pacientes que se apresentem com boa resposta clínica e sem evidências de infecção extra-pulmonar. Porém em casos de pneumonia necrotizante, abcesso pulmonar ou empiema o esquema pode ser prolongado. Não é recomendado associar glicocorticoides no tratamento de pneumonias aspirativas.

Quanto ao tratamento da pneumonite química, é recomendado inicialmente medidas de suporte, manter SpO2 > 90% e status hemodinâmico, aspiração, broncoscopia higiênica se necessária e ventilação mecânica em casos de insuficiência respiratória grave. No geral não está recomendado o uso de antibioticoterapia em casos leves a moderados mesmo havendo alterações radiográficas, porém em casos graves podemos iniciar esquemas antibióticos empíricos e avaliar diariamente o paciente.

Como prevenção das pneumonias aspirativas recomenda-se sempre a avaliação do reflexo de deglutição em pacientes suscetíveis como pós-extubação ou com sequelas de AVC. Cuidados odontológicos periódicos. Alimentar pacientes após AVC em posição semi-reclinados, controle pressórico de preferência com inibidores de ECA com pacientes com sequelas de AVC (há a inibição da substância P, provocando tosse), após anestesia geral jejum de 8h e alimentação com líquidos claros após 2h dependendo da orientação cirúrgica. Ainda precisam de mais evidências a recomendação de exercícios de deglutição em pacientes após AVC e o uso de clorexidina para higiene oral em pacientes sob risco de aspiração.

Sendo assim, o diagnóstico de pneumonia aspirativa deve ser sempre considerado em pacientes com quadros clínicos e fatores de risco compatíveis. A avaliação por exames de imagens e microbiológicos são fundamentais na suspeita clínica e para o correto direcionamento da terapêutica antibiótica.  


Referência: Aspiration Pneumonia - Lionel Mandell and Michael Niederman NEJM 2019. 380: 651-63

 


 

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Roberta Fittipaldi é colaboradora da Academia Médica e professora do curso Ventilação Mecânica Online, uma um curso para se manter atualizado e ainda aprender de vez Ventilação Mecânica, com o intuito de melhorar a qualidade e segurança do paciente, intensivo ou não, que necessita de suporte ventilatório. 
É também doutora em Ventilação Mecânica pela FMUSP, especialista em Educação Medica pela Harvard TH Chan e médica das UTIs respiratórias do HIAE e Incor.

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