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O Bom Paciente

O Bom Paciente
Medicina em Crônicas - Elomar R. Moura
dez. 12 - 5 min de leitura
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As luzes do consultório ainda estavam fortemente acesas. Ao fim do corredor, à direita, uma porta de vidro transparecia aquela claridade ofuscante. O branco acético das luzes, do piso, das cadeiras, das roupas dos funcionários talvez fossem uma mensagem escura do que estaria por vir.

— Seu José! Anunciou a recepcionista.

Saudaram-se mutuamente.

— Nome completo, por favor.

— José K. Plzeň.

— Pelo sobrenome, o senhor não deve ser desta cidade, disse a funcionária.

— De fato, meus pais foram imigrantes tchecos.

Sentou-se angustiado, o envelope grampeado revelava o exame ainda intocado. José K. apesar de não ser da área da saúde, sempre deu muito respaldo e credibilidade aos médicos que se consultou, nunca questionava os diagnósticos e prognósticos, um bom paciente. Dessa vez, tratava-se de uma situação atípica. Um médico desconhecido, o único especialista que o plano lhe ofertara.

Ansioso. Pressionava com o polegar e o indicador as folhas de papel uma contra a outra, produzindo um ruído próprio. As batidas dos pés marcavam os segundos que se passavam a espera do encontro com o novo médico, não havia mais ninguém naquela sala, já era tarde, talvez fosse o último paciente.

Uma penca de chaves tilintaram quase que de forma inaudível. — José K!

Havia chegado a hora, entrou de cabeça baixa, recebeu um cumprimento de uma mão fria e calejada, nem sequer olhou para a face do médico. Prontamente deixou o exame em cima da mesa e aguardou a análise.

De relance, viu um senhor calvo, de olheiras profundas e com uma pele enrugada. Dois sons se confrontavam, o som do ar condicionado e a respiração pesada do profissional. Durante um minuto inteiro permaneceu-se assim, o médico com olhar fixo ao papel, compenetrado e com a expressão de um jogador de pôquer. José, friccionava a unha do indicador com a unha do polegar da mão direita.

O calvo apoiou as costas no recosto da cadeira e ela rinchou. José aguardava a sentença.

— Seu José, sente-se bem? Alguma dor? Febre, talvez?

— De forma nenhuma doutor, minha saúde anda bem, na medida do possível, acontecera algo?

— Não posso dizer que sua saúde esteja bem, o caso em questão é grave.

José sentiu as pernas formigarem e ficou em apneia por alguns instantes. Questionou o médico acerca do problema, afinal do que se tratava? Nunca houvera tido problemas de saúde mais sérios.

— José, em seu favor, preciso que saia hoje mesmo direto para o hospital aqui do lado.

Assim foi feito. Entre a descida do prédio e o internamento hospitalar não se demorou mais que uma hora. Por volta das onze da noite, reaparece o médico de José K.

— Doutor, desculpe-me pela ignorância, sempre tento ser um paciente obediente, taciturno, que não questiona as condutas do profissional que me dá assistência, um bom paciente acima de tudo. Por favor, qual o meu diagnóstico?

— É grave. Será necessária uma cirurgia e exames complementares pela manhã, depois poderei fornecer mais detalhes. Ainda tem alguma pergunta?

— Não doutor. Muito obrigado pela atenção.

Assim foi feito, perfuraram as veias de José, cateteres, sondas, exames incômodos que provocavam ânsia de vômito e enjoo. Por fim, abriram-no. Em determinado momento estava na maca, fez uma contagem regressiva e quando se deu conta já estava na sua acomodação, ainda dentro do hospital.

O branco acético do hospital era semelhante ao do consultório. Incômodo acima de tudo. Tudo refletia com força, os olhos embaçavam e a vista deteriorava-se rapidamente. O ladrilho branco que compunha a parede ornava o ambiente e reforçava o efeito.

Duas batidas secas na porta e um rinchar.

— Senhor José K. Bom dia, como vai o senhor?

— Um pouco angustiado doutor. Porém, acredito que todo aquele susto tenha passado. Tem alguma novidade para mim?

— Creio que iniciaremos em alguma horas uma quimioterapia, afirmou o médico enquanto folheava uma prancheta.

José sentiu-se febril, sua vida degringolara nas últimas 12 horas, como nunca houvera acontecido em toda sua vida.

— Doutor, mais uma vez, entendo a sua abordagem, tento ser o melhor paciente que posso, mas a minha saúde está sendo sentenciada e condenada de hora em hora e sou incapaz de saber o que está acontecendo. Estou doente? É um câncer? Havia um tumor em mim? O que está acontecendo comigo, onde errei?

Houve um ululante silêncio da outra parte. A prancheta foi deixada em cima de uma cadeira e o médico caminhou em direção a José, com a típica calvície brilhante e os olhos arregalados circunscritos por olheiras. Apoiou as duas mãos e nas barras de ferro do leito do paciente e olhou-o fixamente frente a frente.

José se comprimiu contra o colchão, trêmulo, aquela figura aterradora que pela primeira vez olhara por completo era assustadora e foi a ele que entregou cegamente a sua saúde. De forma quase que inconsciente reagiu.

— Doutor o que fiz para merecer isso? Disse virando o rosto para o lado contrário daquela figura abjeta, angustiado e se debatendo.

— Foste um ótimo paciente José, um ótimo paciente.


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