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O Filósofo e o Psiquiatra

O Filósofo e o Psiquiatra
Medicina em Crônicas - Elomar R. Moura
ago. 2 - 3 min de leitura
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— Doutor, ainda me sinto deslocado.
— Ainda sente a palpitação no peito, ou aquele suor excessivo nas mãos? Indagou o psiquiatra.
— Faz meses que não, o senhor sabe disso. Sinto que não tenho amigos no departamento de filosofia, apenas colegas.
— Não há medicação para isso, suas crenças não podem ser medicadas, por mais dolorosas e doentias que sejam em qualquer aspecto.
— É mais uma sensação, uma percepção, não sei dizer se a problemática está em mim ou lá fora.
O psiquiatra olhou para o chão em porcelanato bege e as paredes brancas do consultório, buscando alguma argumentação. Algo que não coubesse em uma receita de medicamento, mas que pudesse acalentar o professor universitário de quem era médico por mais de 5 anos.

— Quantos amigos você têm Félix? Perguntou desconfiado o analista.
— Vários. Entretanto, nenhum no departamento de filosofia da universidade.
— Esses “vários”, são de fato amigos? Ou seriam colegas?
— Por amizade, eu entendo o termo grego Philia, que no ocidente foi traduzido ao vocábulo amizade, todavia, pode-se entender como um vínculo de união ou de interesse entre indivíduos, seja por simpatia, seja por vantagens financeiras, por exemplo.
— Belíssimo. Se eu fosse seu aluno de filosofia clássica eu iria adorar suas explanações. Porém, não foi que perguntei, esse talvez seja o conceito platônico, eu diferentemente, quero a sua definição pessoal. Félix, o que é um amigo?
— Por exemplo, minha esposa é minha grande amiga, doutor.
— É por ser sua esposa que ela é sua amiga? Creio que não. Para tornar-se esposa, ela anteriormente, houve de ser sua amiga. Então retornarmos, Félix o que é um amigo?
— Mas porque essa insistência? 
— Meu caro Félix, sou médico e aprendi que meu exercício é cuidar das dores. Independemente da estratégia, sendo farmacológica ou não, minha função é tentar aliviar o sofrimento. Sofres ao dizer que não tem amigos, dessa forma, quero descobrir se sabe o que é a amizade. Para ajudá-lo me apropriei do seu método, e agora eu faço as perguntas. Logo, o que é um amigo Félix?
— Não sei dizer.
— Então sente falta de algo que não sabe definir. Em comparação, você deseja a limonada, mas não sabe reconhecer um limão.
— Existem três amigos a quem posso ligar em plena madrugada para pedir socorro e serei socorrido doutor. Sem dúvidas, uma prova de amizade.
— Devem ser três médicos, eu suponho, está mais parecendo uma prova de serviços de emergência do SAMU, do que uma amizade. Novamente, o que é um amigo?
— Tenho 87 anos, os amigos estão se despedindo, o último partiu faz 5 anos.
— Porque ele era seu amigo Félix? Como era sua amizade com ele?
— Se me obrigassem a dizer porque o amava seria: porque era ele, porque era eu. Almas entrosadas, confundindo-se uma à outra. Por vezes, era difícil perceber a linha de demarcação de nós como dois indivíduos. Desejávamos o melhor um ao outro, sem esperar contrapartidas financeiras ou benesses futuras. Por que era meu amigo? Porque era ele, porque era eu.

O psiquiatra contemplou os olhos úmidos e rútilos do seu paciente. Aguardou que Félix se recuperar e disse:
— Um belo limão, até a próxima consulta.


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