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Ócio: coligado à produção

Ócio: coligado à produção
Bárbara Figueiredo
mai. 13 - 11 min de leitura
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O que dentro da Idade Contemporânea é visto, muitas das vezes, com olhos negativos, como procrastinação e improdutividade, para filósofos gregos, como Aristóteles, o ócio era entendido como o estado de um indivíduo livre da necessidade de trabalhar. Para eles, o trabalho era muitas vezes visto como expressão da miséria humana, e por isso era desprezado pela elite, deixando o ócio como um dado marcante na vida da elite grega.

“A perfeição do cidadão não qualifica o homem livre, mas só aquele que é isento das tarefas necessárias das quais se incumbem servos, artesãos e trabalhadores não especializados; estes últimos não serão cidadãos, se a constituição conceder os cargos públicos à virtude e ao mérito, pois não se pode praticar a virtude levando-se uma vida de um trabalhador braçal.” Aristóteles

Desse modo, a atividade dos homens livres era o ócio produtivo, que os permitia refletir sobre a sociedade e o mundo, além de participarem da vida política, apresentando o ócio como um trabalho intelectual necessário para a sociedade. Enquanto isso, como havia uma elite livre para não trabalhar, quem fazia o trabalho braçal eram os escravos, inferiores a qualquer outra parcela da população dentro da hierarquia.

Atualmente, diante desta visão pejorativa em relação ao tempo ocioso, o que nota-se é que os indivíduos que se destacam em todos os âmbitos são aqueles que conseguem equacionar de maneira inteligente a atividade profissional e o lazer, evitando, assim, uma sobrecarga mental.

 

Ócio: parar é um ato produtivo e ajuda a manter a qualidade do trabalho cerebral

Muito se tem falado sobre como aumentar a produtividade no trabalho e administrar o tempo para conseguir realizar mais tarefas. Essa sobrecarga, porém, é prejudicial para a saúde mental, pois o cérebro precisa cessar as atividades em alguns momentos do dia, até mesmo para ser mais criativo.

Essa conclusão veio a partir de pesquisas científicas e da teoria do neurocientista Andrew Smart, ‘’Auto-pilot: the Art and Science of Doing Nothing’’ ("Piloto-Automático: a arte e a ciência de não fazer nada"), mostrando que fazer longas pausas é essencial para que o cérebro estabeleça novas conexões que podem levar à criatividade e autoconhecimento.

Os momentos de ócio fazem com que o cérebro ative determinadas regiões e, consequentemente, fique mais atento. Essas áreas formam uma nova rede neuronal importante para manter a qualidade do trabalho cerebral.

Os cientistas perceberam que o consumo de energia do cérebro é quase o mesmo durante uma atividade complexa e um período de descanso, com uma variação mínima de 5%. Isso mostra que o cérebro não desliga quando repousamos, ao contrário, é neste momento que obtemos mais "insights", epifanias nos ideias e nos tornamos mais criativos.

Em entrevista ao portal EXAME, Andrew fala sobre o incômodo das pessoas com o ócio. ‘’Há uma reação cerebral nos momentos de ócio: o efeito negativo. Isso acontece porque o subconsciente pode trazer à tona informações ou pensamentos que não são prazerosos, o que causa desconforto’’, afirma.

De acordo com o neurocientista, a solução está em mudar a maneira como trabalhamos. ‘’Outro ponto é o sentimento de culpa que surge com o ócio. Estamos tão acostumados a nos encher de atividades que, quando paramos, temos a sensação de que estamos perdendo algo. Esse fator pode gerar estresse’’, conta.

 

A cultura da pressa

Um dos maiores defensores da teoria de que o cérebro precisa de uma pausa para funcionar bem é o sociólogo italiano Domenico De Masi, que elaborou o conceito de ócio criativo. Segundo ele, é possível estabelecer uma rotina equilibrada e fazer com que o trabalho, o estudo e o lazer se cruzem de maneira tão harmoniosa que a pessoa praticamente não consiga distinguir de qual deles está se ocupando em determinado momento. Ou seja, de acordo com De Masi, o ócio não é caracterizado por momentos inertes, mas justamente pela ocupação do tempo de forma gratificante e criativa.

O nosso organismo se ressente do excesso de estímulos. Diversos estudos já comprovaram que, quando há momentos de relaxamento na rotina, o sistema imunológico funciona muito melhor. Isso acontece, entre outras razões, porque há uma diminuição da quantidade de algumas substâncias na circulação, principalmente a adrenalina e o cortisol – os hormônios do estresse. 

“Senão, há um aumento nas chances de infecções virais, alterações de humor, dificuldade de adaptação a mudanças, comprometimento do funcionamento do intestino e do apetite, além de cansaço extremo e fadiga crônica”, conta Luís Fernando Correia, clínico geral, coordenador de Relações Institucionais do Hospital Samaritano do Rio de Janeiro e comentarista de saúde da TV Globo, GloboNews e Rádio CBN.

Quem passa por muitas situações de estresse tem mais tendência para ficar doente. Pesquisas evidenciaram o grande número de infartos entre os mais tensos. Um estudo realizado pelo International Stress Management Association (ISMA) com "workaholics" norte-americanos mostrou que pessoas viciadas em trabalho e ansiosas apresentam 45% mais chance de padecer de males cardíacos, 35% de ter câncer e 24% de sofrer derrame cerebral.

 

Como colocar o ócio produtivo em prática?

Estimulação cognitiva ou ginástica cerebral são atividades que tiram o cérebro da ‘’zona de conforto’’ quando praticada constantemente. O cérebro precisa se adaptar às necessidades do dia a dia, por isso, buscamos mais foco e concentração. Com a ginástica cerebral é possível aprimorar tais habilidades e ganhar qualidade de vida.

Ainda que o cérebro apresente certos padrões de funcionamento, algumas pessoas reagem de maneira distinta a certos estímulos. Por isso, é preciso testar formas diferentes de descansar a mente, e assim encontrar a opção que mais oferece benefícios a cada um. Veja alguns exemplos:

 

Meditação

Durante algum tempo, a meditação foi associada somente a certas práticas religiosas ou esotéricas. Com o passar dos anos, no entanto, a ciência começou a confirmar os benefícios neurológicos dessa técnica, que hoje encontra grande respaldo no meio acadêmico e científico devido a suas comprovadas alterações no funcionamento cerebral.

Como resultado disso, algumas empresas passaram a investir em programas de meditação com o objetivo de aumentar a produtividade e concentração de seus funcionários. Dessa forma conseguiram elevar seus rendimentos financeiros e melhorar sua posição no mercado, como afirma o artigo publicado na revista Harvard Business Review. Os benefícios dessa prática podem se estender a todos que buscam uma melhora na concentração e qualidade de vida, e certamente também se aplicam aos estudantes que precisam se dedicar ao aprendizado diário.

 

Jogos

Quando são bem escolhidos e usados durante o tempo adequado, alguns jogos podem favorecer a concentração, o raciocínio lógico, integrar os conhecimentos de áreas distintas e auxiliar no desenvolvimento do pensamento estratégico. Como todo aprendizado pode ser utilizado em outros contextos, os conhecimentos adquiridos através de jogos podem estimular o bom funcionamento do cérebro e ainda permitir um momento de descanso das atividades diárias.

 

Músicas

Aprender a tocar um instrumento ou apenas apreciar uma boa música possuem efeitos incríveis no cérebro. Um deles é a intensificação da plasticidade neural, um fenômeno caracterizado pela formação de novas conexões entre os neurônios, favorecendo o aprendizado e a assimilação de conteúdos diferentes. A plasticidade é tão poderosa que pode ajudar na reabilitação de lesões neurológicas e até na prevenção de doenças degenerativas, como a demência.

 

Como saber a hora de descansar?

Reservar um período para atividades agradáveis no cotidiano

Segundo o neurologista Deusvenir de Souza Carvalho, o que de fato importa é deixar um espaço de tempo entre uma atividade e outra. “Do contrário, temos a impressão de que se trata de uma ação contínua, o que gera cansaço no final do dia”, afirma Reservar um período para alguma atividade agradável, mesmo que sejam apenas quinze minutos para ler um livro ou assistir ao seu programa de televisão favorito.

 

Fazer uma lista de prioridades

O ideal é fazer uma lista de prioridades e encaixá-las nas 24 horas do dia, sem deixar de lado os momentos de lazer. É melhor trabalhar menos horas com a cabeça descansada e focada no que está fazendo do que ficar muito tempo com os olhos fixos na tela do computador.

 

Não deixar as preocupações com o trabalho atrapalharem

Mesmo sendo grandes aliados, a internet e o telefone celular contribuem bastante para roubar o sossego das pessoas. Afinal, eles também permitem que mensagens, ligações relacionadas a trabalho e preocupações invadam a nossa vida a qualquer momento do dia e da noite, muitas vezes comprometendo um fator importantíssimo ao nosso rendimento: o sono.

 

Recuperar-se das pressões

“Cada pessoa terá de encontrar o seu modo saudável de viver sem perder de vista a importância de reservar um tempo para o descanso, permitindo que o corpo e o cérebro se recuperem das pressões”, explica a psiquiatra Rita Cecília Ferreira. “Precisamos deixar um espaço entre uma atividade e outra. Do contrário, temos a impressão de que se trata de uma ação contínua, o que gera cansaço no final do dia”, acrescenta o neurologista Deusvenir de Souza Carvalho.

 

Portanto...

Encontrar o equilíbrio entre produtividade no trabalho e manter a saúde mental é o principal desafio da sociedade atual, bem como driblar o estresse mediante os cenários adjacentes ao trabalho.

A evolução dos tempos nos leva a muitas possibilidades de compreensão do ócio. A centralidade do tempo contemporâneo, ainda no tempo de trabalho, dá vez a um sujeito longe de sua liberdade, criação e desejo, convocando a continuidade da atenção em um tempo a ser conquistado para a expressão das subjetividades contemporâneas diluídas em tempos de vazio.

 

Referências:

1- Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho - Revista Mal Estar e Subjetividade: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000200013

2- Ócio: ficar sem fazer nada também estimula a produtividade - ABRIL: https://casa.abril.com.br/bem-estar/ocio-ficar-sem-fazer-nada-tambem-estimula-a-produtividade/

3- Mascarenhas, F. (2005). Entre o ócio e o negócio: teses acerca da anatomia do lazer. Tese (doutorado) - Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, SP: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=2642782&pid=S1518-6148200700020001300022&lng=pt

4- O ócio ajuda a manter a qualidade do trabalho cerebral: https://metodosupera.com.br/ocio-mantem-a-qualidade-do-trabalho-cerebral/

5- Ócio produtivo: entenda o que é e como tirar proveito disso: https://blog.mepassaai.com.br/ocio-produtivo-entenda-o-que-e-e-como-tirar-proveito-disso/

 


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