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Os miseráveis de jaleco branco

Os miseráveis de jaleco branco
Maximiano Muniz Aguiar Lima Ventura
dez. 13 - 5 min de leitura
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É sério que você espera que eu seja humano?

Como pode exigir de mim aquilo que não me oferece?

Sociedade nojenta e egoísta! Trata os seus com dolorosos açoites e espera que eles sejam humanos?

Eles sonham, planejam, se alegram e comemoram cada passo rumo a concretização de seu sonho infantil. Pobres miseráveis! Sim, isso mesmo, você não leu errado, pobres miseráveis rumo ao abate. Quando eles pensavam que estavam em um sonho, se depararam com o pior dos seus pesadelos.

Era a famosa cerimônia do jaleco, estavam todos sorrindo, ainda consigo lembrar do rostinho inocente de cada um e do brilho no olhar de seus familiares. Um a um eles eram chamados, recebiam um jaleco branco da mão de alguém que muito ama, depois dava um abraço. Aquele abraço é tão marcante, que eles jamais esquecem. Mal sabiam que o jaleco era seu grilhão e o abraço era de despedida.

Ninguém os avisou que pouco a pouco seriam separados daqueles que lhes entragava o jaleco, que sua juventude seria roubada, que estariam condenados a perder pelo menos dez anos de suas vidas, que não teriam tempo pra comer, pra sorrir e para amar.

Que passariam dias e noites de solidão, na companhia de longos textos, palavras difíceis e milhares de receptores e mecanismos pra aprender; depois se dariam o direito de por um dia encher a cara de cachaça, drogas ou psicotrópicos, sorrir, cantar, comemorar e acordar no outro dia se sentindo um solitário inútil que tem mais um longo e exaustivo dia na faculdade.

Que por muitas vezes iriam chorar sozinhos e desolados sem ter uma viva alma que lhes dê um abraço igual ao daquele dia; e depois teria que colocar mais um sorriso falso no rosto para atender o próximo moribundo.

Que toda vez que encontrasse aquele parente inconveniente ou o ex-colega da escola que nem lembra mais o nome, falaria empolgado das maravilhas que está aprendendo, do sonho que está vivendo e da felicidade que permeia sua vida; e que depois pararia por um minuto com o olhar perdido no tempo, enquanto pensa que merda de vida farsante é essa que só existe nessas conversas.

Que pouco a pouco a conversa de 40 minutos por dia com a mãe ao telefone se resumiria a no máximo 2 minutos por semana, tempo suficiente pra dizer: “está tudo bem mãe, preciso ir, tenho que estudar, a gente se fala.” Os amigos se vão um por um e o namorado do mês sempre toma outro rumo mais fácil na vida.

Que alguns não vão chegar até o fim e ficarão eternizados in memória nas placas de formatura expostas nos corredores sombrios daquele mausoléu que vocês chamam de faculdade.

E quando esses dez anos terríveis acabarem, vocês irão os enxergar como mercenários e burgueses que ganham rios de dinheiro, se dão o luxo de comer, beber água e ir ao banheiro pelos menos uma vez em 24 horas. “Porcos selvagens! Não tem um pingo de amor pelo que fazem! Não são humanos!” Brada a sociedade selvagem que os massacrou.

É sério que você espera que eu seja humano? Olha só tudo isso que passamos!

Você jamais saberá se eu estava ou não chorando enquanto escrevia isso, na verdade você nem se importa se estou ou não chorando enquanto escrevo isso. Talvez esteja inclusive me julgando: “que carinha otário, post mais ridículo, devia ter feito outra coisa da vida então.”

Enquanto continuarem a nos tratar assim, não espere encontrar facilmente o tipo de médico que desejas; e digo sem medo de errar, aquele médico que você ficou encantado passa por tudo isso e com um sorriso no rosto e um ambiente aconchegante, encenou com muita dificuldade pra satisfazer teu egoísmo.

Estou lutando arduamente com todas as minhas forçar pra não perder a minha essência, a não esquecer quem eu sou e de onde eu vim. Na verdade continuo em vão nessa luta, nem lembro mais de mim, quem eu era e de onde vim, mas continuo com o velho hábito de lutar; não se preocupe, não vou desistir de lutar, mesmo sem saber pelo que. Mas não posso deixar de questionar: “É sério que você espera que eu seja humano?”

Do editor: Muito obrigado pelas palavras Max, acredito que muitos se identificarão com elas. Em um outro texto, num passado não tão distante, trouxe uma tradução do texto "Medicina, a mais miserável das profissões" que você pode acompanhar AQUI.

Não deixe de se CADASTRAR e expandir seus horizontes no Academia Médica. Mande pra gente as suas percepções de mundo e o que a faculdade de medicina esqueceu de te contar.

 


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