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Os robôs sociais: o que são, para que servem e o que dizem sobre nós.

Os robôs sociais: o que são, para que servem e o que dizem sobre nós.
Matheus Scalzilli
nov. 11 - 8 min de leitura
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A robótica é uma área ampla da pesquisa tecnológica que tem espaço no imaginário coletivo desde meados da década de 50, com os contos literários do escritor russo Isaac Asimov. Com o passar dos anos, nos tornamos familiarizados com suas diversas representações populares do papel icônico de Schwarzenegger na saga do Exterminador do Futuro e a babá eletrônica Rosie Jetson dos Jetsons. Atualmente, surge uma vertente da robótica, os robôs sociais, que aproxima cada vez mais a realidade da ficção científica. Seu papel no nosso cotidiano parece iminente e, embora um futuro promissor esteja a nosso alcance, algumas reflexões tornam-se extremamente necessárias.

Mas afinal, o que são os robôs sociais?

Em 2002, a International Federation of Robotics (IFR) e a United Nations Economic Commission for Europe (UNECE) fizeram uma declaração em conjunto na qual relatavam acerca do estado da pesquisa robótica atual e as expectativas para o futuro (1).  Dentre as propostas estava uma nova forma de classificar a pesquisa  robótica. A robótica seria dividida em três categorias:  a robótica industrial, a robótica de serviços profissionais e a robótica de serviços pessoais.

A robótica industrial seria a área de pesquisa mais tradicional, introduzida na década de 60 pela General Motors na fabricação de carros. Essa é a vertente da robótica voltada ao aumento de produtividade e empresas comerciais de produtos de alta demanda. A robótica de serviços profissionais, que ganha bastante espaço atualmente, seria caracterizada pelos sistemas robóticos utilizados para auxiliar ou propriamente realizar serviços rotineiros, por exemplo os sistemas de cirurgia robótica, como o DaVinici da Intuitive, ou os carros que dirigem sozinhos da Tesla, respectivamente.

A terceira classe, portanto, seria a robótica de serviços pessoais, a área de pesquisa voltada a atender as necessidades domésticas, de assistência e entretenimento: a Rosie dos Jetsons. Apesar de ser, possivelmente,  a área da robótica com a maior especulação na ficção cientifica ela é também a que se mostra mais difícil de inovar. Os robôs desenvolvidos nessa área de pesquisa são os chamados robôs sociais, eles possuem a capacidade de interagir com seres humanos, com os outros robôs e com o seu meio ambiente.

Vemos como características marcantes desse tipo de robô seu poder computacional extremamente elevado, sua interface amigável e um sistema de comunicação que deve, em tese, ser capaz de funcionar de uma forma socialmente aceitável ao interagir com outras pessoas. Embora essa vertente da robótica seja muito complexa, atualmente vemos alguns competidores surgindo no mercado e se mostrando eficazes na assistência pessoal.

Hoje, o que são capazes de fazer os robôs sociais ?

Atualmente, a robótica de serviços pessoais emprega os robôs sociais na área da neuropediatria, especificamente nas terapias de socialização de crianças no espectro de autismo (2,3,4). As crianças no espectro, que normalmente tem dificuldade em socializar com outras pessoas, parecem confortáveis a até mesmo atraídas pelo “terapeuta” automatizado, uma vez que associam-no com um brinquedo ao invés de um instrumento terapêutico. Após as sessões administradas pelo robô, os jovens demonstraram um aumento na capacidade de reconhecer gestos sociais, no número de perguntas feitas na sala de aula e no número de interações sociais (5,6,7).

Outra vertente da robótica de serviços pessoais que merece atenção é na assistência dietética voltada, especificamente, para a perda de peso por redução de hábitos alimentares considerados ruins. Em um estudo dirigido por Robinson e sua equipe foi desenvolvido uma espécie de “health coach” a partir de princípios corroborados por evidências científicas que seria implementado pelo robô Nao da Softbank. Em conjunto com o paciente, o “coach eletrônico” estimula discussões com a pessoa a cerca de comportamentos que ela quer mudar e ajuda  a desenvolver estratégias de como mudar esses hábitos. Ao final do estudo, foi relatado uma perda de peso média de 4.4kg e uma redução de mais de 50% na frequência de lanches com alto teor de açúcar e pouco valor nutricional (8). Um resultado mais significativo que o do grupo controle que teve um acompanhamento feito a partir de teleconsultas com profissionais da área. Um resultado que, embora promissor, esconde uma crítica sombria a nossa realidade atual.

O que os robôs sociais dizem sobre nós?

Ao final do estudo, muitos relataram que o que fez o sucesso da assistência robótica foi a possibilidade de, com o Nao, “ter uma conversa honesta” pois “não se sentiam julgados pelo robô”(8). Os desenvolvedores do programa vibraram com essa afirmação, e com razão, pois sua iniciativa foi um sucesso, mas acho que cabe a reflexão: por que as pessoas, nesse caso, se sentem mais a vontade para conversar honestamente com um robô com respostas programadas do que com outro ser humano? Não tenho a resposta e não me atrevo a tentar. O fato é que, de acordo com esse estudo,  uma pessoa em busca de ajuda se sentiu mais confortável para conversar abertamente com uma máquina do que com outro ser pensante. Isso é no mínimo assustador. Nas telas de cinema já vimos as máquinas tomarem nosso planeta por meio da força bruta, tomando o controle das nossas instituições e até se passando por outros seres humanos, mas nunca pela empatia.

 Os robôs sociais são uma ferramenta útil que merecem nossa atenção, sem dúvida. Vejo os robôs sociais também, todavia, como um análogo ao espelho mágico dos contos de fada: um utensílio que mostra à rainha o que ela procura e acredita que quer, mas que no fundo só está perdida dentro de si em meio a toda sua vaidade, soberba e insegurança.

 


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Referências

1. del Moral S, Pardo D, Angulo C. Social Robot Paradigms: An Overview [Internet]. SpringerLink. 2009 [cited 30 October 2020]. Available from: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-642-02478-8_97

2- P. Pennisi, A. Tonacci, G. Tartarisco, et al. Autism and social robotics: a systematic review. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research, 9 (2) (2016), pp. 165-183, 10.1002/aur.1527 (published online first: 2015/10/21)

3 - L.I. Ismail, T. Verhoeven, J. Dambre, et al.Leveraging robotics research for children with autism: a review Int. J. Soc. Robot., 11 (3) (2019), pp. 389-410, 10.1007/s12369-018-0508-1

4 - B. Scassellati, H. Admoni, M. Matari Robots for use in autism research Annu. Rev. Biomed. Eng., 14 (1) (2012), pp. 275-294, 10.1146/annurev-bioeng-071811-150036

5 - W.C. So, M.K. Wong, C.K. Lam, et al. Using a social robot to teach gestural recognition and production in children with autism spectrum disorders Disability and rehabilitation Assistive technology (2017), pp. 1-13, 10.1080/17483107.2017.1344886 (published online first: 2017/07/05)

6- C.A. Pop, R.E. Simut, S. Pintea, et al.Social robots vs. computer display: does the way social stories are delivered make a difference for their effectiveness on ASD children?

J. Educ. Comput. Res., 49 (3) (2013), pp. 381-401, 10.2190/EC.49.3.f

7 -  B. Huskens, R. Verschuur, J. Gillesen, et al.Promoting question-asking in school-aged children with autism spectrum disorders: effectiveness of a robot intervention compared to a human-trainer intervention Developmental Neurorehabilitation, 16 (5) (2013), pp. 345-356, 10.3109/17518423.2012.739212

8 - L. Robinson N, Connolly J, Hides L, J. Kavanagh D. Social robots as treatment agents: Pilot randomized controlled trial to deliver a behavior change intervention [Internet]. ScienceDirect. 2020 [cited 30 October 2020]. Available from:https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214782919301241?via%3Dihub


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