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Será que estamos fazendo as perguntas erradas para a manutenção da Dignidade Médica?

Será que estamos fazendo as perguntas erradas para a manutenção da Dignidade Médica?
Fernando Carbonieri
jul. 7 - 8 min de leitura
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Será que estamos fazendo as perguntas erradas para a manutenção da Dignidade Médica?

Houve um grande interesse quando publicamos o post "Por que ser médico se transformou em uma das profissões mais miseráveis?". Lá foi demonstrada a frustração dos médicos que atendem em hospitais primários e secundários dos Estados Unidos. Coincidentemente , as frustrações dos americanos são muito semelhantes às nossas. Elas são inerentes tanto médicos que atendem ao SUS quanto aos que atendem planos de saúde suplementar. A dignidade médica está em constante ataque.

Aquele artigo demonstrava que por volta de 300 médicos americanos cometem suicídio ao ano e 9 em cada 10 médicos não indicariam aos mais jovens seguir na carreira médica. Ainda eu me pergunto quantos são os médicos brasileiros que vão pelo mesmo caminho (pesquisa interessante para quem quiser...)

"É importante  discutir a dessatisfação dos médicos... Médicos desmotivados não estão em posição de cuidar dos pacientes", foi a declaração dada pelo Dr Kevin Pho (kevinmd.com), no mesmo artigo que causou tanta repercussão no mundo inteiro.

Stephen C. Schimpff, especialista em medicina interna e autor do livro The Future of Health-Care Delivery: Why It Must Change and How It Will Affect You, confirma que os médicos da atenção primária estão frustrados. A maioria dos médicos entrevistados por ele disseram que não há tempo para atender cada paciente. Não há tempo para ouvir, não há tempo para pensar e não há tempo para desenvolver atividades críticas. Não há portanto, dignidade médica. Por quê? Porque nós temos que ver muitos pacientes por dia para conseguir bater metas ou ter um salário digno. Alguns dos entrevistados já abandonaram a prática clínica, outros indicam que estão prestes a fazer algo que melhore suas situações

 O ponto é que os pacientes estão frustrados também. Eles sabem que esperarão um bom tempo para serem atendidos para ficar apenas alguns minutos com seu médico. Eles observam que o médico os interrompem com apenas alguns momentos após o início da consulta, nunca os deixam contar sua história por completo, não os estão ouvindo adequadamente, os indicam para um especialista ou fornece uma receita que nunca foi explicada adequadamente. Os pacientes sabem o quento pagam pelos planos de saúde. Você também sabe o quanto isto custa. Acredito que devem ser poucos os colegas que estão lendo este texto que não paguem saúde suplementar. Por isso mesmo os pacientes não se sentem solidários conosco, ainda mais porque todos acham que nossos salários são sempre elevados.

A resposta usual da sociedade médica a este problema é historicamente a mesma:  o longo tempo de formação básica e especializada, os altos empréstimos feitos para pagar a faculdade, as inúmeras aulas de trabalho e os plantões noturnos. "Os outros ganham mais"- pensamos. Há ainda a burocracia da documentação nos moldes que a empresa de saúde suplementar deseja, as glosas, e horas de ligações telefônicas improdutivas. Essas responsabilidades são altas e o que pode ser mais importante que a saúde de seu paciente? Tudo isso é verdade, mas como fazer alguém que ganha menos que 30 mil reais por ano e paga 10 % disso em contas com os planos de saúde? Difícil, não?

Outro grande problema é que uma pessoa comum, normalmente não sabe o que significa um bom médico realmente "bom" (aquele que possui tempo para esmiuçar a vida do paciente) pode fazer pela sua saúde ao longo do tempo. Todos nós da classe médica não temos feito um bom trabalho em explicar o valor da atenção primária ou como utilizar corretamente o sistema de saúde.

Então vamos reformular a questão da frustração!

Como os pacientes podem ter acesso a um cuidado adequado, por médicos energizados e satisfeitos com suas profissões a um custo razoável, em busca não apenas do tratamento, mas sim na prevenção de doenças e na manutenção do bem estar? E se isso puder ser atingido, mais estudantes podem escolher seguir a carreira da atenção primária?

É improvável que os governos possam solucionar este problema (como bem vemos aqui no Brasil). Ou mesmo, é improvável que os planos de saúde sejam ativos neste processo. Caberá a nós, e aos pacientes sensibilizados por nós, quebrar este paradigma. Médicos devem tomar a iniciativa para educar o público e fazer lobby para que as mudanças sejam produtivas.

Há algumas opções ( a maioria direciona sua carreira ao atendimento particular).Uma delas é o atendimento primário direto, que possui vários formatos, entre eles o pagamento por visita no consultório, no domicílio e um pagamento mensal de uma fidelidade. Os dois últimos devido a limitação do número de pacientes são muitas vezes consideradas como apenas para a elite ou os ricos, mas as práticas baseados em assinaturas  não precisam ser caras.

Em vias de tentar educar a população americana para melhorar a visão dos pacientes sobre a atenção primária a Primare Care Progress, uma das novas organizações alinhadas em dar suporte a essa prática produziu uma animação de 2 minutos, que você pode conferir a seguir.

No futuro, quem sabe, as empresas decidam descubram que é mais lógico investir na atenção primária. O custo rapidamente será pago por muitas vezes. Da mesma forma, empregadores podem fazer o mesmo levando a uma força de trabalho mais saudável com uma maior produtividade (menos gastos laboratoriais por paciente, por exemplo) reduzindo os gastos com a atenção à saúde. Parece radical, mas na verdade é lógico. Pacientes terão uma atenção melhorada e se manterão mais saudáveis. Médicos serão os verdadeiros "curadores" que sempre almejaram ser.  Os custos totais devem cair. E talvez, mais estudantes escolham seguir na atenção primária. Esta é uma relação do tipo Ganha-Ganha.

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Obviamente o conteúdo deste texto visa o mercado americano, no qual possui um sistema de saúde não universal. Aqui no Brasil, acredito que a valorização do médico da atenção primária só será possível com a educação da população, mudança na rotina da atenção primária, carreira de Estado para os médicos da atenção primária e mudança na visão política que prefeituras estado e união possuem da atenção primária.

    • Como médico que já trabalhou para planos de saúde empresariais, vejo que as contratantes visam apenas que os pacientes não faltem ao trabalho, sem pensar no seu processo de adoecimento.
    • Como médico da atenção secundária em um pequeno município, posso perceber a ignorância da população quanto a como usar o sistema de saúde municipal. Puericultura e acompanhamento da pressão arterial são ações comuns de serem desenvolvidas nestes hospitais. Isso tem aumentado devido a falta de resolutividade das unidades básicas de saúde, principalmente após a demissão em massa de médicos brasileiros para a incorporação dos médicos estrangeiros.

Como você pode perceber, o tema é muito complicado. Acredito firmemente que estamos fazendo as perguntas erradas, ou gritando de forma descoordenada as mazelas que atingem a profissão médica no Brasil.

O que você acha sobre o assunto? Quais são as verdadeiras perguntas que devem ser feitas aqui no Brasil para melhorarmos a nossa imagem como médico, nossa profissão e consequentemente nossa satisfação profissional que culmina em melhor saúde a toda população? Comente logo abaixo.

Leia o Artigo "Por que ser médico se transformou em uma das profissões mais miseráveis?"


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