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Uma lição silenciosa

Uma lição silenciosa
Leonardo Cardoso
abr. 6 - 4 min de leitura
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Desejando renovar a receita da medicação que utilizava para dormir, Dona Lindamir* contou que estava há quase duas horas esperando pelo atendimento. Pedi desculpas pela demora, mas a paciente disse que não tinha problema; o importante era ter médico.

Antes de renovar sua receita, aproveitei para perguntar se existia alguma outra queixa que quisesse me contar. D. Lindamir relatou que vários caroços haviam aparecido pelo seu corpo e que já havia tratado, num hospital oncológico, um deles que estava instalado em seu seio. Rindo, conversando bem e adorando aquele momento em que tinha dois estudantes de medicina lhe dedicando toda a atenção do mundo, minha paciente dava uma aula de força, vitalidade, bom humor e conhecimento sobre a importância da prevenção na saúde.

Fomos examinar os nódulos apresentados por ela. Sempre que terminávamos o exame físico era preciso preencher no sistema o campo que levava nossa hipótese diagnóstica. Só assim poderíamos gerar os documentos necessários para dar prosseguimento e finalização na consulta. Impossível esquecer o momento em que nossa professora, depois de ter ouvido o caso, levantou-se, foi até meu lado e digitou – sem nada dizer – a suspeita de neoplasia com metástases.

Minha paciente era bem esclarecida e, por já ter feito tratamento oncológico, conhecia bem os termos relacionados ao câncer. Nossa professora, ao digitar em silêncio, estava querendo poupá-la de uma preocupação, visto que ainda não tínhamos certeza.

Naquele momento, também em silêncio, aprendi uma das lições mais importantes enquanto estudante de medicina: saber o que, como e quando contar sobre determinados pontos ao meu paciente.

É fato que precisamos trazer o paciente para nosso atendimento, afinal ele é a pessoa mais importante dessa história. Mas isso não significa que devemos escancarar todas as nossas suspeitas logo no primeiro encontro. É preciso ir com calma, paciência, tranquilidade. É preciso colocar sempre em prática o altruísmo. É preciso enxergar o ser humano que está diante de você.

Encaminhamos D. Lindamir para um oncologista. Por mais que o prognóstico não fosse dos melhores, minha torcida foi intensa para que nossa suspeita estivesse errada. Era difícil, mas não impossível. Dentro de mim, a fé falava mais alto.

Passados 15 dias, qual não foi minha surpresa, quando ao ver o nome do próximo paciente no sistema encontrei o de D. Lindamir. Disposta, feliz e com o assunto de 15 dias para colocar em dia. Chegou ao consultório falando que havia esperado pelo dia em que eu e minha colega voltaríamos à Unidade para que ela pudesse passar pela consulta. Ouvir coisas assim de meus pacientes me faz perceber que vale a pena todo o esforço e correria!

D. Lindamir nos disse, logo no início, que um dos motivos da consulta naquele dia é que havia caído pela manhã e estava sentindo um pouco de dor. Ao questionarmos como foi a queda recebemos uma surpresa: como precisava limpar a janela, D. Lindamir contou que havia subido na mesa de sua cozinha e que foi andando e limpando até que não percebeu que a mesa havia acabado. Quando se deu conta, estava no chão. Relatou sangramento no dedo indicador direito, um pouco de dor, porém não havia batido a cabeça.

Contou-nos ainda que havia ido até o oncologista e que ele havia descartado qualquer malignidade, e que na próxima consulta iria agendar a retida dos nódulos. Que felicidade senti quando ela falou que os nódulos não eram malignos. Que felicidade senti ao descobrirmos que estávamos enganados quanto à sua suspeita. Que felicidade senti naquele momento!

Após realizar o exame físico e preencher o prontuário, chegou a hora de dar tchau para D. Lindamir. Não sei se algum dia vou cruzar com ela novamente, mas, se isso acontecer, com certeza ficarei muito feliz. Alguns pacientes nos marcam de forma especial. D. Lindamir foi um deles.

 

*Por questões éticas, os nomes citados não correspondem à realidade.

          


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