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Vacina de mRNA para COVID-19: alternativa de cura?

Vacina de mRNA para COVID-19: alternativa de cura?
Gabriel Couto
jul. 23 - 9 min de leitura
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Olá, amigo(a) leitor(a), hoje vamos falar sobre o próximo passo contra a COVID-19: a busca por uma vacina eficaz.

O artigo tomado como base para a produção desta publicação foi produzido por JACKSON L.A et al. e publicado na renomada revista The New England Journal of Medicine, com o título "Uma vacina de mRNA contra SARS-CoV-2 - Relatório Preliminar" (tradução livre). Para refrescar nossa memória, o mRNA é uma sigla para designar o RNA mensageiro, que é o típico RNA produzido após a transcrição do DNA celular. 

Em linhas gerais, Jackson e sua equipe desenvolveram uma vacina (vamos chamar ela de mRNA-1273) de mRNA encapsulado em nanopartículas lipídicas, produzida como base na glicoproteína S (S-2P) que codifica a espícula viral (espículas são aquelas "pontas" que você vê na representação do vírus na TV ou em notícias). Basicamente, essa glicoproteína é responsável pelo acoplamento do vírus na célula a qual ele vai infectar.

Essa pesquisa pode ser considerada "coisa nova"?

A resposta é não, já que muitos cientistas já vem trabalhando também exatamente em cima da mesma glicoproteína (1-4). O estudo em questão conduziu em humanos um ensaio clínico, em adultos saudáveis para avaliar a segurança e imunogenicidade da mRNA-1273. 

 

Mas antes, um pouco sobre a vacina...

A mRNA-1273 codifica o antígeno S-2P, que basicamente consiste na glicoproteína da espícula viral do SARS-CoV-2 que causa a COVID-19, como visto antes. Com o antígeno sendo apresentado ao nosso organismo por meio dessa vacina em desenvolvimento, assim como toda vacina, pode-se induzir a produção de anticorpos contra essa doença que já ultrapassou os 15 milhões de infectados (quase a população total do Zimbábue).

Como o estudo foi feito?

Foram usados pacientes saudáveis de 18 a 55 anos e que receberiam um esquema de vacinação com duas doses com intervalo de 28 dias entre cada dose. Eles foram separados em três grupos, sendo que um grupo iria receber doses com 25 microgramas, outro com 100 microgramas e um terceiro com 250 microgramas da vacina.

A vacina foi aplicada em volume de 0,5ml e o músculo deltoide foi a vítima, quer dizer, sítio da aplicação. A primeira aplicação foi realizada no "dia 1" e a segunda no dia 29, sendo que também foram agendadas visitas para esses pacientes nos dias 7, 14, 57; além dos dias 119, 209 e 394 para futuro acompanhamento da resposta imune induzida pela vacina, bem como, para avaliar o estado geral de saúde das pessoas.

Os pacientes tomaram nota de rações adversas da vacina para os sete dias subsequentes à vacinação. Por motivo de segurança e autenticidade do estudo, os pacientes não foram aconselhados a ingerirem acetominofeno ou qualquer tipo de analgésico ou antipiréticos antes ou depois da vacinação. Outra medicação que tomassem deviam anotar para avaliar possíveis interferências.

Mas a pergunta que surge é: se os indivíduos são saudáveis, como avaliar a maneira que os anticorpos deles reagiriam frente à presença do Novo Coronavírus, já que não se pode injetar o vírus autêntico nos sujeitos da pesquisa?

Vamos lá, como a resposta da vacina foi avaliada...

A ligação entre anticorpo contra a S-2P e o domínio do receptor viral foi analisada pela nossa velha amiga ELISA  (do inglês Enzyme-Linked Immunosorbent Assay). A atividade de neutralização foi avaliada com o uso do que os cientistas chamaram de lentivirus pseudotipado em um ensaio denominado PsVNA.

Basicamente, eles adotaram um vírus para "se passar" pelo Coronavírus em questão (por isso pseudotipado, um tipo falso), para avaliar como o organismo responderia na presença do vírus real. Lembra do tempo em que você fazia simulado para prova, é bem parecido com isso.

Tanto ELISA quanto PsVNA foram executados nos dias 1, 15, 29, 36, 43 e 57. É crucial fazer essas duas avaliações, pois ligar anticorpo em um domínio é uma coisa, neutralizar eficientemente depois de ligado já é outra história e bastante importante também.

Quais foram os resultados?

Foram feitos três grupos que iriam receber doses de 25, 100 e 250 microgramas diluídos em 0,5ml de conteúdo da vacina. Foram colocados 15 indivíduos em cada um deles, correspondendo 45 indivíduos ao todo.

Depois da primeira vacinação 5 participantes do grupo de 25, 10 do de 100 e 8 integrantes do grupo de 250 microgramas relataram efeitos adversos leves ou moderados. Os efeitos adversos foram mais comuns após a segunda vacinação.

Entre a primeira e a segunda dose da vacina, três pacientes foram eliminados: dois do grupo de 25 e um indivíduo do de 250 microgramas- por apresentarem urticária em ambas as pernas (provavelmente por reação a algum componente da vacina). Desta forma, após a segunda dose, amentaram o número de relatos dos efeitos adversos. 

É vital citar que nenhum dos pesquisados teve febre após a primeira vacinação. Após a segunda, entretanto, 6 do grupo de 100 microgramas relataram e 8 membros do grupo de 250 microgramas disseram ter tido febre. Mas, desses 14, apenas 1 teve febre em maior grau.

Já os efeitos gerados no local de aplicação, quando presentes, eram relatados como leves ou moderados por eles.

Como foi a ligação do anticorpo?

O índice de ligação IgG conta a glicorpoteína S-2P (lembra, aquela que codifica a proteína da espícula viral) aumentou rapidamente após a primeira aplicação. Algo muito interessante que Jackson e sua equipe colocaram em seu artigo é que todos os pacientes estavam soroconvertidos após o dia 15.

Como foi a resposta de neutralização no ensaio?

Obviamente, nenhum dos pacientes possuía resposta para neutralização (medida pelo ensaio PsVNA) do vírus antes do estudo. Após a primeira dose, menos da metade apresentou resposta pelo PsVNA, mas após a segunda dose todos os sujeitos da pesquisa apresentaram resposta.

Por isso foi necessário um esquema de dupla dose. Garantir que ela ligue é uma coisa, mas certificar-se de que há neutralização eficiente é outra coisa muito importante também. Dessa forma, há necessidade de um reforço para aumentar a eficiência da vacina.

Interessante destacar, além disso, que o grupo de menor resposta pelo ensaio foi o grupo de 25 microgramas de dose. A resposta nos grupos de 100 e 250 foram maiores e bastante similares entre si.

Considerações finais 

- Na publicação notamos também que outras pesquisas usaram mRNA-1273 em ratos e que surtiram efeitos positivos, como a capacidade de barrar a replicação viral nos pulmões e nariz (locais mais afetados), além de não desenvolver nenhuma patologia imune nesses animais (5).

- O artigo destaca (e prova) algo que chama a atenção: vacinas que normalmente demoram anos a serem produzidas por outras técnicas, no caso da produção de vacinas através do mRNA, durariam cerca de dois meses(6), ou seja, um ganho de tempo importante para o sistema de saúde e, óbvio, para as pessoas. 

Como sabemos, a rapidez na resolução de um problema de saúde pública é crucial, pois envolve a contensão da doença (fator mais importante), desafogmento do sistema público e privado de saúde, retorno da economia e tantas outras coisas.

A busca por uma vacina deve ser a mais ágil e eficiente possível, mas sempre respeitando os valores éticos que todo comitê ou pesquisa devem exigir. Por fim, mais importante que achar a vacina, é garantir que todos, independente de classe social, tenham acesso a ela.

 

Até breve!

 


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REFERÊNCIAS:

Artigo principal: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2022483

1. Callaway E. The race for coronavirus vaccines: a graphical guide. Nature 2020;580: 576-7.
2. Zhu F-C, Li Y-H, Guan X-H, et al. Safety, tolerability, and immunogenicity of a recombinant adenovirus type-5 vectored COVID-19 vaccine: a dose-escalation, openlabel, non-randomised, first-in-human trial. Lancet 2020; 395: 1845-54.
3.  Mulligan MJ, Lyke KE, Kitchin N, et al. Phase 1/2 study to describe the safety and immunogenicity of a COVID-19 RNA vaccine candidate (BNT162b1) in adults 18 to 55 years of age: interim report. July 1, 2020 (https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.06.30.20142570v1).
4. Smith TRF, Patel A, Ramos S, et al. Immunogenicity of a DNA vaccine candidate for COVID-19. Nat Commun 2020; 11: 2601.

5. Corbett KS, Edwards D, Leist SR, et al. SARS-CoV-2 mRNA vaccine development enabled by prototype pathogen preparedness. June 11, 2020. (https://www.biorxiv.org/ content/10.1101/2020.06.11.145920v1)

6. Pronker ES, Weenen TC, Commandeur H, Claassen EHJHM, Osterhaus ADME. Risk in vaccine research and development quantified. PLoS One 2013; 8(3): e57755.


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