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Você fatalmente pode estar errado

Você fatalmente pode estar errado
Emerson Wolaniuk
ago. 6 - 6 min de leitura
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"Nas semanas seguintes eu estava arrasado. Experimentei pela primeira vez a vergonha insalubre que existe em nossa cultura de medicina; eu me senti sozinho, isolado. Não sentia esse tipo de vergonha saudável que as pessoas sentem, porque não se pode falar com seus colegas sobre isso. Sabem, a vergonha saudável é aquela de quando você expõe um segredo que um bom amigo fez você prometer que jamais revalaria. Aí você se arrebenta, e aí seu amigo cobra você. E vocês têm discussões terríveis, mas no fim toda aquela sensação ruim guia você. E você diz: nunca mais cometerei esse erro. Então você faz correções e nunca mais comete o erro. Esse tipo de vergonha é como um professor. A vergonha insalubre que falo é aquela que deixa você doente por dentro. Ela não diz que o que você fez foi ruim, mas que VOCÊ é ruim. E era o que eu estava sentindo."
- Brian Goldman, médico.

Brian Goldman é médico e trabalha no Canadá com medicina de emergência. Ele relatou no TED a experiência de ter errado um diagnóstico que levou o paciente a morte. Mandou para casa com medicação uma paciente com falência cardíaca congestiva, que teve uma síncope em casa e voltou ao hospital. Mas já era tarde, o choque cardiogênico havia suprimido a perfusão cerebral e causado sérios danos, que levaram-na à morte após 8 dias na UTI. E termina sua brilhante apresentação da seguinte maneira:

"Eles (os médicos) querem contar suas histórias, querem compartilhar suas histórias e serem capazes de dizer: olhe, não cometa o mesmo erro que eu! O que precisam é do ambiente para serem capazes de fazer isso. O que precisam é de uma cultura médica redefinida. E começa com um médico de cada vez."

O que esse médico desabafou publicamente no vídeo, que hoje tem mais de 1 milhão de visualizações, é a necessidade de falarmos a respeito dos nossos erros. Tanto a classe médica quanto a sociedade, em maior âmbito, recriminam e endemonizam o erro médico. Enquanto somos estudantes no internato ou mesmo na residência médica, esse pavor nos impede, muitas vezes, em tomar uma atitude que é benéfica para o paciente.

Já presenciei casos recorrentes de bons internos do sexto ano de medicina com medo de prescrever cetoprofeno intramuscular ou dipirona endovenosa para alívio da dor em pacientes que não eram complicados, não tinham histórico para alergia, nem problemas gástricos ou renais que impedissem a administração de medicamentos. E o paciente continuou com dor até o preceptor chegar. Por medo de errar.

O princípio básico do juramento de Hipócrates "primeiro de tudo não causar dano" soma-se à crescente fonte de renda que é advogar contra um erro médico. Muitos têm processos e outros têm seguro contra processos. O médico não deve errar, e eu reafirmo que isso seria o ideal, sim. Porém, ao contratar os serviços de um ser humano, deve-se saber que, obviamente, ele não está imune a falhas. E a melhor maneira de evitar que falhas aconteçam é, com certeza, a tríade de estudo, experiência e atenção. Mas cada pessoa é distinta, cada paciente conta sua história de maneira diferente, cada médico tem uma maneira de interpretar essas histórias. Portanto, a medicina é fatalmente uma profissão em que o erro existe e isso é inexorável.

Entrevistamos um médico recém-formado que está trabalhando com PSF, ainda na primeira semana de trabalho, a respeito disso:

Academia Médica: O que vêm à sua cabeça quando você pensa que pode ter errado o diagnóstico?

Médico: Eu penso que meu erro vai estragar a vida da pessoa e a minha vida também, sem ordem definida. As duas coisas andam juntas.

Quando decidimos fazer o vestibular para medicina, aceitamos, talvez sem perceber, o desafio de que precisamos ser excelentes em uma ciência absurdamente ampla no prazo de seis anos. Temos pouca - para não dizer nenhuma - chance de errar. Temos o respaldo do professor durante a faculdade e de um dia para o outro estamos com um carimbo na mão, com pouca experiência e muita responsabilidade.

Na medicina, cometer um erro vai além, porque você não pode simplesmente esconder seu erro. Ele aparece na UTI, ou na sala de emergência e pode encerrar no morgue, junto com a sua carreira e sua autoestima. Segundo Kathryn Schulz, criadora da ciência que estuda o erro, a errologia, assumir que cometemos um erro significa que há algo de errado conosco.

Para combater isso, insistimos em nossas razões e convicções para mostrarmos que somos responsáveis e inteligentes. Kathryn completa que confiar cegamente na sensação de que estamos certos pode ser muito perigoso. "Às vezes precisamos parar e dizer eu não sei, talvez eu esteja errado."

E é por perseguir a cultura da excelência, da soberania sobre as certezas, por saber que o erro aqui significa dor e sofrimento, talvez até a morte de alguém, é que nos iludimos cada vez, achando que estamos seguros do que fazemos. E nem sempre é estamos, não é? Temos que mostrar segurança, porque não estar seguro já é uma falha e não podemos falhar. E assim ficamos cada vez mais propensos a errar.

É preciso mudar a maneira como consultamos os colegas, os professores, a maneira com que tiramos dúvidas e respondemos a questionamentos. Essa vergonha insalubre pode - e precisa - ser curada. Alguns seres humanos precisam ser médicos, e ainda não criaram um robô infalível para atuar nessa profissão.

 

Veja o vídeo de Brian Goldman no TED: Médicos cometem enganos. Podemos falar sobre isso?

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