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Você sabe como funciona a circulação fetal? e quais as cardiopatias congênitas associadas?

Você sabe como funciona a circulação fetal? e quais as cardiopatias congênitas associadas?
Laura Maria Voss Spricigo
dez. 10 - 10 min de leitura
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As cardiopatias congênitas estão presentes em 1% de todos os nascidos vivos, sendo consideradas como o grupo de malformações mais frequente e que geram maior morbimortalidade no ser humano. 

Costumam ser diagnosticadas entre a 1ª semana de vida (40% a 50% dos casos) e o 1º mês (50% a 60%), podendo ser de etiologia simples com resolução espontânea ou incompatíveis a vida. Vale lembrar que quanto mais precoce a doença se manifestar mais grave tende a ser o quadro do recém-nascido.

Para melhor compressão das cardiopatias congênitas é necessário recordar de como funciona a circulação fetal (Figura 1) e alterações neonatais que levam a clínica dessas doenças.

No feto, existem três estruturas no sistema circulatório capazes de garantir sua sobrevivência intra-útero. São elas: ducto venoso, forame oval e canal arterial. Eles são responsáveis por executarem shunts – desvios de sangue – conforme suas localizações no sistema.

A circulação fetal se inicia com o sangue vindo da placenta materna, que passa para o feto por meio da veia umbilical. Esse primeiro sangue possui concentração de oxigênio de 86%, sendo o sangue mais oxigenado que irá circular pelo corpo do feto. A veia umbilical ascende em direção ao fígado se ramificando em duas: veia porta, responsável pela nutrição do fígado e ducto venoso, responsável por desviar o sangue bem oxigenado à veia cava inferior (VCI).

Na VCI ocorre a mistura do sangue do ducto venoso com o sangue do retorno venoso hepático, totalizando uma saturação de oxigênio de 70%. O sangue da VCI segue em direção ao coração, que ao desembocar no átrio direito para diretamente ao átrio esquerdo por meio do forame oval.

No coração direito ocorre à chegada de outra estrutura, a veia cava superior, que traz o sangue proveniente do retorno venoso sistêmico, possuindo concentração de oxigênio em torno de 45%. Esse sangue não é desviado pelo forame oval, seguindo trajeto normal para o ventrículo direito (VD).

O sangue do VD segue pela artéria pulmonar, que é atrofiada no feto devido a grande resistência vascular pulmonar.  Como caminho alternativo, o sangue da artéria pulmonar é desviado pelo canal arterial, levando o volume sanguíneo a aorta. Nesse momento da circulação ocorre uma mistura de sangue arterial com sangue venoso, gerando um sangue misto de concentração de oxigênio próxima de 60%.

Cerca de 90% do volume da artéria pulmonar passa pelo canal arterial. Os 10% restantes são responsáveis pela nutrição do pulmão do feto. O sangue recebido pelo pulmão não sofre hematose, já que as trocas gasosas ocorrem pela placenta materna. Assim, seguindo o trajeto da circulação, o sangue chega ao átrio esquerdo, pelas veias pulmonares, como um sangue desoxigenado.

O átrio esquerdo recebe pelo desvio do forame oval um sangue com boa oferta de oxigênio, reduzindo em muito pouco a concentração total de O2 quando misturado com a chegada de sangue dos pulmões inativos. Assim, o sangue segue para o ventrículo esquerdo, que bombeia para a aorta e que leva o sangue para o restante do corpo fetal. Por fim, o sangue retorna a placenta via artérias ilíacas e umbilicais.

Como o canal arterial desemboca na aorta antes do ramo da artéria subclávia esquerda, os ramos que irrigam o membro superior direito, fígado, coração, cabeça e pescoço recebem sangue com saturação de oxigênio de 70%. O restante do corpo recebe sangue com uma oxigenação menor. Devido a isso, dividimos a circulação fetal e pré-ductal e pós-ductal.

Fígado, coração, MSD e cabeça: pré-ductal (antes do CA).

Resto do corpo: pós-ductal (depois do CA).

Figura 1 – Circulação Fetal

Fonte: Moore & Persaud (2008)

Ao nascimento ocorre a expansão pulmonar do bebê, aumentando a pressão de oxigênio dos pulmões e, consequentemente, a resistência vascular pulmonar. Esse fenômeno se completa durante a primeira semana de vida.

Simultaneamente, com a retirada da placenta, ocorre um aumento da resistência vascular sistêmica, aumentando a pressão do lado esquerdo do coração. Essas duas alterações do período neonatal propiciam o fechamento do forame oval. O aumento progressivo da pressão de oxigênio e a retirada da placenta que diminui os níveis circulantes de prostaglandinas levam ao fechamento do canal arterial.

Logo, após fecharem os shunts fetais, forma-se uma circulação em série no recém-nascido, onde as circulações pulmonares e sistêmicas passam a estar interligadas. Isso é diferente do que acontecia na circulação fetal, em que se tinham as duas circulações e paralelo. Nesse momento, se existir alguma alteração no coração do bebê os sintomas podem surgir. Resumindo, o que mantém as cardiopatias silenciadas durante a via intrauterina são os shunts da circulação fetal.

Entre os defeitos congênitos podemos diferenciá-los em:

  • Aquele em que o sangue passa do lado esquerdo para o direto (shunt aórtico-pulmonar): aumenta a pressão do coração, gerando clínica de insuficiência cardíaca.
  • Aquele em que o sangue passa do lado direito para o esquerdo (shunt pulmonar-aórtico): mistura sangue venoso na circulação arterial, gerando clínica de cianose nos pacientes.

Entrando em definitivo no assunto das cardiopatias congênitas, diversas classificações foram elaboradas para o melhor entendimento desse grupo de doenças. Aqui vamos dividi-las com base na presença ou não de cianose no bebê, sendo então estudadas como cardiopatias acianóticas x cardiopatias cianóticas.

Cardiopatias acianóticas

Nesse grupo, a oxigenação pulmonar do recém-nascido está preservada, não levando ao quadro de cianose. Existem dois subtipos de cardiopatias acianóticas: as de hiperfluxo e hipofluxo pulmonar.

  1. Hiperfluxo

São condições patológicas que geram sobrecarga de volume pulmonar. O débito pulmonar é muito mais que o débito volêmico sistêmico. Isso ocorre devido a comunicação das circulações por algum defeito anatômico, possibilitando a ocorrência um shunt aórtico-pulmonar.

Principais exemplos: defeito do septo atrioventricular (DSAV), comunicação interatrial (CIA), comunicação interventricular (CIV), persistência do canal arterial (PCA) e janela aorto-pulmonar.

O principal achado clínico nesses pacientes é a taquidispneia, já que o aumento do fluxo pulmonar desencadeia o aumento da frequência respiratória, para tentar fazer a hematose de todo o sangue que está chegando aos pulmões. Outro achado característico das acianóticas é o baixo ganho de peso do bebê, devido a dificuldade de mamar.

Se o defeito congênito não for corrigido ocorrerá uma dilatação progressiva do ventrículo direito e consequentemente do átrio direito, na tentativa de acomodar o alto fluxo de sangue circulante. A dilatação é seguida do aumento da resistência do lado direito do coração, ocasionando, em longo prazo, uma inversão do shunt cardíaco, levando a uma comunicação pulmonar-aórtica. A essa condição damos o nome de Fisiologia de Eisenmenger.

  1. Hipofluxo

São condições patológicas que geram uma sobrecarga de pressão pulmonar, causando uma dificuldade de saída do fluxo sanguíneo do coração e, com isso, um hipofluxo circulatório.

Exemplos: Estenose Aórtica, Estenose Pulmonar e a Coartação da Aorta.

O aumento da pressão no coração leva a hipertrofia da cavidade cardíaca que sofre a obstrução, na tentativa de vencê-la e ejetar sangue para as artérias. Se hipertrofia for de grau leve tem-se poucos sintomas. Porém, se hipertrofia for grave, os sintomas costumam aparecer precocemente, podendo ocorrer casos de choque cardiogênico – cursa com hepatoesplenomegalia, baixo débito cardíaco com baixa perfusão, oligúria, congestão retrógrada que gera crepitação pulmonar e hipotensão.

Cardiopatias cianóticas

Nessa condição tem-se a dessaturação do sangue arterial pelo desvio de sangue venoso, gerando a clínica de cianose nos pacientes. Dividem-se nos mesmos subtipos das acianóticas, em hipofluxo e hiperfluxo.

1.Hiperfluxo

Como principal representante desse grupo temos a Transposição de Grandes Artérias (TGA), que é a cardiopatia mais prevalente ao nascimento. Na TGA (Figura 2), ocorre uma inversão da saída da aorta, que passa a sair do ventrículo direito, e da artéria pulmonar, que sai do ventrículo esquerdo. Com isso, é estabelecido duas circulações em paralelo, sem comunicação. Se não houver uma comunicação para misturar o sangue e poder oxigenar os tecidos esse defeito torna-se incompatível com a vida.

Outro exemplo de cianóticas com hiperfluxo é o Truncus Arteriosus. Nesse defeito é formado um tronco único entre a aorta e artéria pulmonar, por um erro embriológico de separação. Essa cardiopatia cursa com CIV, caso contrário ocorre morte intraútero.

Figura 2 – Transposição simples de Grandes Artérias

Fonte: Tratado de pediatria (2017)

2.Hipofluxo

São cardiopatias que encontram resistência para levar sangue a circulação pulmonar, gerando uma diminuição do débito pulmonar.

O exemplo mais famoso desse subgrupo é a Tetralogia de Fallot (Figura 3), cardiopatia congênita que apresenta quatro defeitos cardíacos: estenose da artéria pulmonar, hipertrofia de ventrículo direito, comunicação interventricular e cavalgamento da valva aórtica.

Na Tetralogia de Fallot, o ventrículo direito estará hipertrofiado devido a obstrução na sua via de saída (a estenose pulmonar). Quando a obstrução é discreta ocorre passagem de sangue do coração esquerdo para o direito. Porém, se a obstrução é importante, a pressão do lado direito aumenta muito, levando a passagem do sangue da direita para esquerda, ocorrendo a mistura de sangue e posterior cianose. Quanto a alteração da aorta, é gerada pelo desvio da junção do septo infundibular com o septo apical do coração. Com isso o septo apical “puxa” a aorta, fazendo com que a mesma cavalgue sobre o septo.

O cavalgamento da valva aórtica quando passa de 50% passa a ser denominado dupla via de saída de ventrículo direito.

Figura 3 – Tetralogia de Fallot

Fonte: Tratado de Pediatria (2017)

 

Referências

Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria, 4ª edição, Barueri, SP: Manole,2017.

MOORE, K.L. & PERSAUD, T.V.N. Embriologia Clínica. 8ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

 

 


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