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Carta aberta aos candidatos ao Conselho Federal de Medicina - CFM

Carta aberta aos candidatos ao Conselho Federal de Medicina - CFM
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ago. 15 - 7 min de leitura
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Carta aberta aos candidatos ao Conselho Federal de Medicina - CFM

Prezados candidatos,

Muito me preocupa a forma como o CFM e o CREMESP têm lidado com a questão da Medicina online. Existe uma preocupação verdadeira e correta dos Conselhos com relação ao sigilo profissional e aos limites éticos das interações online. Mas o CFM nunca se preocupou em regulamentar como devem ocorrer as interações médico-paciente remotas no Brasil. E vejam que não estamos falando de nenhuma nova tecnologia. O telefone foi inventado no século XIX e mesmo assim não existem diretrizes claras do que um médico pode ou não pode falar com seu paciente ao telefone, ou por qualquer outro canal de comunicação. Milhares de médicos brasileiros trabalham diariamente numa zona cinzenta regulatória. Vocês sabiam que, em média, um pediatra gasta duas horas por dia realizando interações remotas com seus pacientes? (Na verdade, com as mães). A maioria dos pediatras conversa com seus pacientes via telefone, e-mail, SMS, Whatsapp e até mesmo Facebook. São mais de 700 horas/ano que cada pediatra dedica a essa atividade gratuitamente. Considerando os trinta e tantos mil pediatras no Brasil, estamos falando de mais de 20 milhões de horas-ano de um enorme serviço social prestado, considerando apenas pediatras. Não seria justo que esse trabalho fosse oficialmente reconhecido pelos reguladores da profissão, abrindo a oportunidade para a negociação de novas formas de remuneração médica?

Mas esses médicos fazem isso através de canais inseguros, porque o CFM nunca regulamentou a comunicação médico-paciente. Como vocês bem sabem, temos hoje uma legislação desenvolvida pelo CFM que protege informações de prontuário eletrônico. Mas não existe absolutamente nenhuma regulamentação que proteja o médico e o paciente em interações à distância, sejam comunicações "com" um paciente, ou discussões "sobre" um paciente. Em vez de regulamentar isso (como fizeram os EUA, através da HIPAA), o CFM e os CRMs preferem orientar os médicos a evitar qualquer tipo de interação à distância. Mas essa é uma orientação completamente dissociada da realidade do século XXI. A sociedade de hoje não aceita mais esse tipo de posicionamento, e a pressão sobre os médicos é enorme. Vivemos num mundo onde todos os tipos de comunicação acontecem online, campanhas para conselheiros do CFM são feitas online, passagens aéreas são compradas online, nossa vida bancária toda acontece online, táxis são solicitados online; enfim, médicos e pacientes de verdade vivem num mundo diferente do mundo dos conselheiros do CFM. Eu não consigo imaginar nada mais anti-ético, nos dias de hoje, do que me esquivar de manter um relacionamento online com meus pacientes. O risco para a saúde dos meus pacientes decorrentes da minha relutância em me comunicar remotamente com eles é algo que eu não posso aceitar. Eu prefiro o risco de ser penalizado pelo CFM do que o risco de um paciente meu seguir seu tratamento com o "Dr. Google", em vez de comigo!

Eu espero uma posicionamento mais moderno do novo conselho do CFM. Nós não podemos mais viver de meias respostas, regulamentações incompletas, palavras medidas e posicionamentos "politicamente éticos" (pra não dizer "politicamente corretos"), com um entendimento ultrapassado do que é e não é ético. Precisamos de mudança de verdade, uma mudança profunda do entendimento do que significa ser médico. Quando eu leio as resoluções do CFM, eu entendo que o CFM é a "polícia" e o médico é o "bandido". Está na hora do CFM abandonar sua postura policialesca e passar a ser um apoiador do desenvolvimento da Medicina, que está passando por uma profunda transformação histórica. Um bom exemplo é o caso dos sites de agendamento de consulta. Ao perceber o risco de haver médicos com falsas especialidades nesses sites, o que fez o CREMESP? Proibiu os médicos de se inscreverem! O que deveria ter feito o CREMESP? Deveria ter regulamentado e estabelecido a forma correta para esses sites validarem as especialidades dos seus membros. Mas o CREMESP preferiu o caminho mais fácil e mais policialesco. Está na hora dos nossos conselhos se tornarem um fomentador e facilitador do crescimento da profissão e não um limitador do escopo de atuação do médico. Ao limitar a participação de médicos no mundo online, o que o CFM está fazendo é simplesmente garantir que esse espaço seja ocupado por profissionais não médicos.

É importante contextualizar e alertar para uma mudança em andamento na Medicina mundial. Apenas em 2013, mais de $1b (um bilhão de dólares!) foram investidos no mundo em sistemas de medicina online (só 2013!). Nos EUA, o governo, através do Medicare, já paga os médicos para acompanharem seus pacientes online. Operadoras americanas de planos de saúde privados também já remuneram o médico por interações online, incluindo a UnitedHealth, maior seguradora de saúde do mundo e dona da brasileira Amil. Não é possível continuar vivendo com a impressão de que todo esse movimento não causará repercussões no Brasil. A consequência de tudo isso é que se tornou apenas de uma questão de tempo para que o Brasil comece a importar médicos virtuais. Se o CFM já precisou enfrentar uma cruzada contra o governo federal por conta da importação de 10 mil médicos cubanos (e perdeu!), que chance terá o CFM contra 100 mil ou mais médicos virtuais que entrarão impiedosamente no país, pois nem precisarão ter registro no Brasil? O CFM precisa acordar para esse novo mundo. O CFM precisa sair do seu entendimento de mundo idealizado e dissociado da realidade e passar a equipar os médicos brasileiros para essa nova realidade, construindo regulações que ajudem os médicos brasileiros a navegar e prevalecer nesse processo global de virtualização da Medicina.

Da minha parte, eu gostaria muito de apoiar oficialmente um conselho que estivesse consciente desses desafios e assumisse uma postura pró-ativa. Falo isso não apenas por mim, mas pelos mais de 20 mil médicos da nossa comunidade e outra dezenas de milhares de médicos que compartilham informações sensíveis de pacientes online. Infelizmente, não tenho encontrado em nenhum dos candidatos ao menos qualquer menção a essa realidade que se forma. Quem sabe alguma coisa mude em função deste carta. No mínimo, está na hora da Câmara Técnica de Telemedicina e Telessaúde do CREMESP sair do papel (onde tem estado pelos últimos dois anos).

Obrigado pela atenção e sucesso ao longo dos próximo quinquênio!

Daniel Branco - CREMESP -133670 
Médico pela UFRGS (2000)
Neurologista (2003) e Doutor em Neurociências pela PUCRS (2007)
Pós-Doutor em Planejamento Neurocirúrgico pela Harvard Medical School (2006)
Neuroimaginologista pela American Society of Neuroimaging (2005)
MBA pela Wharton Business School (2008)

O Texto acima foi publicado primeiramente no Facebook do Dr. Daniel Branco, e foi autorizado pelo autor para ser publicado no site Academia Médica


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