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O futuro da medicina está em seu smartphone

O futuro da medicina está em seu smartphone
Fernando Carbonieri
jan. 21 - 17 min de leitura
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Há muito já vislumbramos uma mudança na relação médico paciente causada pela revolução da informação e da distribuição em massa de smartphones, que permitem o conhecimento instantâneo sobre qualquer coisa, inclusive doenças.

A internet das coisas foi o assunto mais comentado durante a maior feira de tecnologia do mundo - a CES 2015. A quantidade de dados sobre o indivíduo aponta para uma revolução dentro da medicina : A medicina personalizada.

Para contextualizar, trago aqui a tradução de um artigo feito pelo Eric Topol (um dos maiores especialistas no assunto) publicado primeiramente The Wall Street Journal. Bem vindo a era em que seu paciente pode saber mais do que você sobre o agravo que o acomete.

O artigo original em Inglês pode ser lido AQUI. A tradução a seguir do texto do Dr. Eric Topol é livre, e foi feita por Fernando Carbonieri. O texto é longo, mas vale a pena lê-lo para poder vislumbrar as mudanças que transformarão de uma vez a medicina, e em pouco tempo

O futuro da medicina está em seu smartphone.

Durante a última década, os smartphones mudaram radicalmente muitos aspectos de sua vida diária, de bancos, compras e entretenimento. A medicina é a próxima. Com tecnologias digitais inovativas, nuvem de dados e inteligência artificial, o smartphone medicalizado irá mudar todos os aspectos da atenção à saúde. O resultado será que, você - o paciente - tomará o as decisões pela primeira vez.

Com a revolução dos smartphones, uma poderosa coleção de ferramentas - de acessórios que podem diagnosticar uma infecção otológica ou verificar seu ritmo cardíaco a um aplicativo que monitora sua saúde mental. Isso pode reduzir a procura por médicos, cortar custos, melhorar a velocidade da atenção à saúde e dar mais poder aos pacientes. Avatares digitais não irão repor os médicos, mas a relação entre eles e seus pacientes irá terminantemente e, radicalmente, alterar.

Tudo isso levanta uma série de dúvidas sobre a quebra da privacidade individual, que ainda não foram abordadas - e com a acurácia que ainda merecem serem estudadas. As pessoas também têm razão em se preocupar que a relação médico-paciente poderia ser corroída, diminuindo o toque humano na medicina. Mas a transformação já está em andamento.

Vamos dizer que você apresente uma mancha que merece ser examinada. Hoje você pode tirar uma foto com seu smartphone e baixar um app que processa a imagem. Em alguns minutos, um algorítimo irá analisar a foto e te informar um possível diagnóstico. No resultado ele pode te indicar os próximos passos tais como uma pomada tópica ou o agendamento de uma consulta com o dermatologista para uma atenção profissional.

Os Smartphones já podem ser usados para aferir a pressão ou até para performar um eletrocardiograma. Aplicativos de ECG já foram aprovados pelo U.S. Food and Drug Administration para os consumidores e foram validados em muitos estudos clínicos. Os dados dos aplicativos são imediatamente analisados, "graficalizados", mostrados na tela atualizados com novas medidas, armazenados e (prevalecendo a discrição individual) compartilhados. Eu pensei que eu tinha visto tudo em minha prática de décadas como cardiologista, mas, recentemente, pela primeira vez, eu tinha um ECG enviado a mim por um paciente, com o assunto: "Eu estou em fibrilação atrial, agora o que que eu faço? "Eu soube imediatamente que o mundo tinha mudado. O telefone do paciente não tinha apenas acabado de gravar os dados; tinha os interpretado.

Agora, a qualquer momento do dia ou da noite, você pode procurar e agendar uma consulta online pelo seu smartphone ( proibido ainda no Brasil) pelo mesmo preço de uma consulta compartilhada (aquela que divide o valor com o empregador). Pode parecer exótico neste momento, mas alguns planos de saúde americanos já preveem que isso sera normal em breve. Uma delas diz que pelo menos uma em 6 consultas feitas em 2014 já foram virtuais.  Em muitas cidades americanas você já pode solicitar uma consulta médica em seu domicílio, na qual ele pode, além de obviamente consultá-lo, realizar procedimentos como um sutura simples, o que normalmente necessitaria a uma cara visita à sala de emergência.

Muitos estudos já demonstram que a maioria dos consumidores querem ter informações sobre os custos reais sobre seu cuidado de saúde de seus médicos, porém não conseguem. Indo além, "o quanto custa" deixará de ser um paradigma: Aplicativos que tratam da transparência dos custos já existem e estão sendo rapidamente expandidos para cobrir testes laboratoriais, imagem, procedimentos, visitas ao hospital e ao consultório médico.

Mudanças maiores ainda estão para ocorrer. Ao usar sensores vestíveis para gerar seus próprios dados médicos, tais como a saturação de oxigênio, glicemia, pressão arterial e ritmo cardíaco. E se você está preocupado com uma infecção de ouvido em sua criança, você pode fazer um exame com um acessório que diagnostique o problema, sem precisar ir a um pediatra.

Essas inovações estão apenas começando. Nos próximos 2 anos (dependendo da aprovação do FDA), muitos americanos terão a disposição sensores que capturam continuamente e passivamente a pressão arterial e outros sinais vitais a cada batida do coração, sem mesmo um botão para iniciar as medidas.

Esses dispositivos podem trazer um benefício enorme. A partir do momento que tivermos esses monitores presentes no pulso dos pacientes e excetuando as UTIs, salas cirúrgicas e salas de emergência, os hospitais do futuro podem parecer um centro de vigia do paciente monitorado remotamente.

Outros dispositivos vestíveis estão sendo desenvolvidos, incluindo colares que podem monitorar sua função cardíaca e checar a quantidade de fluidos dentro dos pulmões, lentes de contato que podem aferir a glicose ou a pressão ocular (para ajudar a manejar o glaucoma), e "bandanas" que capturam as ondas cerebrais. Algum dia, meias e sapatos devem analisar a marcha, para quem sabe, dizer a um paciente com parkinson se a medicação está fazendo efeito ou dizer a um cuidador onde cada paciente senil está e o risco de queda que ele apresenta.

Nós sabemos que a saúde sofre grandes influências do meio, o que até então era difícil de quantificar. Mas os sensores que estarão presentes nos smartphones estão em desenvolvimento e serão capazes de monitorar a sua exposição à radiação, poluição do ar e até a presença de pesticidas na comida. As instruções de uso das medicações serão digitalizadas, promovendo alarmes que asseguram que você as tomou exatamente como o prescrito.

Não é apenas nos hospitais que essas evoluções acontecem. Isso ocorre também nos laboratórios. Alguns acessórios dos smartphones poderão realizar alguns testes de rotina diretamente do seu telefone. Eletrólitos, marcadores de função hepática, tireoideana e renal, poderão ser analisados a partir de uma pequena quantidade de fluidos que será pingado no seu aparelho. E você poderá realizar seus próprios testes de rotina a uma fração do preço atual.

Os "selfies" também estão na mira, mas ainda os exames físicos pelo smartphone recém começaram. A habilidade de fazer o diagnóstico de uma infecção de ouvido é apenas o primeiro passo. Aplicativos estão sendo desenvolvidos para cuidar de todos os aspectos do olho, da boca, garganta, dos pulmões e do coração. Enquanto isso, praticamente todos os dispositivos caríssimos de imagem estão sendo miniaturizados: Ultra-som portátil já estão disponíveis, e algumas escolas já o estão o utilizando ao invés do velho estetoscópio. Os aparelhos de Ressonância magnética não estão muito longe de sofrer tal revolução e engenheiros da UCLA apareceram com um aparelho que pode fazer raios X, do tamanho de um telefone. Não está longe o momento que você pode tirar um X-ay Selfie para verificar se você pode ter quebrado um osso.

Na próxima década, você - sob algumas circunstâncias especiais que envolvem o risco e a necessidade médica - será capaz de monitorar quase todos os sistemas, sem importar o quanto é difícil acessá-los, assim que a indústria começar a produzir os nanosensores. Esses sensores microscópicos pode percorrer a sua circulação ou serem fixados a um micro stent em algum pequeno vaso sanguíneo. Você será capaz de manter o seu corpo sob constante vigilância para o primeiro sinal de um câncer, ataque auto-imune sobre órgãos vitais ou pequenos defeitos nas paredes das artérias que podem promover um infarto.

Com todas essas novas ferramentas, não é surpresa nenhuma que falemos em uma medicina "doctorless". Não cheguemos a tanto... Você ainda terá que consultar-se com um médico, porém com um controle muito maior.

Essa mudança está há muito atrasada. A medicina sempre foi vista como uma classe sacerdotal, que começou com Imhotep, o primeiro médico (e sacerdote), no Egito, há mais de 4600 anos. As coisas mudaram muito tempos depois com Hipócrates, conhecido amplamente como o pai da medicina, que preconizou que as informações médicas deveriam ser ocultos ao paciente.

Os sentimentos paternalistas de Hipócrates sobrevivem até hoje em nossa cultura que mantém o senso comum de que o médico sabe mais. Médicos obviamente também pensam da mesma maneira, e o sentimento é reforçado pela maneira que a informação médica segue, de cima para baixo. A grande maioria dos médicos é relutante em encaminhar a seus pacientes seus prontuários. Ter uma cópia do relatório após um teste laboratorial ou um exame de imagem parece impossível - e nem pense em obter as imagens propriamente ditas - Isso está prestes de mudar.

Sempre nos foi dito que os Estados Unidos enfrenta uma iminente escassez de médicos. A expansão do faça você mesmo em medicina certamente desafia esse cenário: podemos terminar não conhecendo esta escassez anunciada.

Mas uma disciplina já tem uma escassez inequívoca de profissionais de saúde: a saúde mental, que é uma das maiores causas de incapacidade laboral nos Estados Unidos e em muitos outros países desenvolvidos. Os smartphones podem ser particularmente úteis aqui. Novos aplicativos quantificam seu estado da mente com um dados compostos em tempo real: tom e inflexão da voz, expressão facial, padrão respiratório, frequência cardíaca, mudança no padrão elétrico da pele ( altera com o humor), pressão arterial, e até a frequência e conteúdo de seus emails e mensagens.

Em breve podemos até dar um passo maior, graças as vantagens inesperadas de um psiquiatra virtual. Estudos recentes, incluindo um estudo de Gale Lucas e colaboradores, publicado ano passado, no Journal of Computers and Human Behavior, demonstraram que pessoas são mais abertas a um avatar computadorizado, ou humano virtualizado, do que a uma pessoa real. Com as máquinas trabalhando em quantificar o humor, e até oferecendo um conselho virtual para ajudar o status atual de diminuição dos profissionais de saúde mental, nós podemos vislumbrar uma nova abordagem na melhora da saúde mental.

Essas ideias são inebriantes, mas essa visão da medicina também levanta algumas preocupações sérias. Todas essas ferramentas deves ser validadas e estudadas sob critérios clínicos a ponto de sabermos se elas realmente preservam a saúde e diminuem os custos. Sem esta validação, toda a promessa da medicina digital será uma loucura.

Além disso, enquanto achamos casos que há uma facilitação em contar algo para um avatar digital, não podemos contar com avatares como médicos, ajudados com exames do tipo "faça você mesmo". Essas novas ferramentas High Tech podem fornecer informações médicas úteis de forma direta, rápida e barata para os pacientes. Porém uma visita física ao médico para questões importantes e sérias nunca será substituída, pois requerem uma conversa cara-a-cara, e sem teclados.

Mesmo que estejamos fazendo grandes conquistas na captura das informações médicas pessoais, nós estamos longe de entender a enxurrada de informações. Nós fizemos muito pouco em proteger a nossa preciosa privacidade de dados médicos, que são vendidas que são vendidos a terceiros ou ainda inseguras de quebra. Nós também ainda somos patéticos na análise dos dados: temos a tendencia de gerar uma enormidade de dados, porém fizemos muito pouco em retirar informações realmente interessantes deles. Para complicar um pouco mais, o uso dos novos dispositivos que geram dados a partir do paciente - de sensores, testes laboratoriais, auto-exames, sequenciamento genético e auto imagens - não estão seguindo a linha tradicional, na qual médicos identificam seu uso.

Acho que todos estes problemas podem ser manejados, mas exigirá muito trabalho. E estes obstáculos não podem nos dissuadir de aprender com os processos que ja estão à nossa mão.

A real revolução não está em possuir à sua própria segurança, seus dados médicos armazenados no seu smartphone. Ela está nas núvens, onde podemos combinar cada uma das informações individuais.

Quando essa enxurrada de informações puderem ser reunidas. integradas e analisadas, poderemos encontrar um enorme e novo potencial em dois níveis - o indivíduo e a população como um todo. Quando todos os dados relevantes são obtidos e processados mecanicamente para detectar as tendências e interações complexas que ninguém poderia detectar sozinho, nós seremos capazes de prever muitas doenças.

Pegue a agudização da asma como exemplo. Um adolescente que está propenso a sibilância numa aula de ginástica poderia obter dados abrangentes sobre as exposições ambientais, como a qualidade do ar e contagem de pólen, juntamente com os dados sobre atividade física, a concentração de oxigênio no sangue, sinais vitais e movimento no peito; sua função pulmonar poderá ser avaliada através de microfone do smartphone, e os seus níveis de óxido nítrico podem ser analisados através de sua respiração. Então toda essa informação pode ser combinada com os dados de todos os outros pacientes com asma - e disparar um aviso, comunicado por texto ou voz, no telefone do adolescente, que uma agudização está prestes a acontecer, e dizer a ele qual a bombinha que deve utilizar para a prevenção.

O mesmo tipo de procedimento pode prevenir ataques cardíacos, convulsões, depressão severa e agudização de doenças auto-imunes. Isso pode salvar inúmeras vidas.

Finalmente, nós simplesmente não pode imaginar o que vamos aprender com o admirável mundo novo da medicina: enormes recursos de informação on-line que reúnem dados de milhares e, eventualmente, bilhões de milhões de indivíduos. Pense da capacidade do Facebook para obter dados sociais de mais de um bilhão de pessoas, mas agora imagine reunir informação médica nunca antes agregadas ou mesmo adquiridas. Uma pessoa que desenvolve uma nova doença poderia usar um recurso da medicina aberta para encontrar o seu "vizinho" mais próximo -o indivíduo que mais se assemelha a sua condição para ajudar a determinar o melhor tratamento.

Colocando centenas de sensores em carros e fornecendo um requintado sistema de computador para dar suporte de navegação não apenas para produzir carros autônomos, mas também fazer carros mais seguros do que os carros de baixa tecnologia conduzidos por seres humanos. A mesma combinação de sensores e poder de computação está prestes a fazer algo semelhante com a medicina. Transformará a atual e fraca medicina baseada em evidências a uma ciência de dados, com pessoas empoderadas no centro do palco.

Quanto mais dados médicos gerados pelos pacientes e processados pelos computadores, muitos aspectos da medicina diagnóstica e "monitorada" irão afastar os pacientes de médicos como eu. O paciente "doctorless" continuará a mudar, dirigindo-se a médicos, principalmente para o tratamento, orientação, sabedoria, experiência, empatia e o toque humano. Esses médicos não vão escrever ordens; eles vão oferecer conselhos.

Assim como ocorreu com a imprensa e a informação democratizada, o smartphone medicalizado vai democratizar cuidados de saúde. Em qualquer lugar você pode conseguir um sinal de celular, você terá novas formas de praticar a medicina guiada por dados. Os pacientes não só terão poderes; eles serão emancipados.

Dr. Topol é cardiologista e diretor do Scripps Translational Science Institute in La Jolla, California. Ele é autor do recente "O paciente irá vê-lo agora: O futuro da medicina está em suas mãos" publicados pela Basic Books. Ele é consultor da Google, AT&t, Walgreens, Quanttus and Sotera Wireless em muitos assuntos e é membro do quadro de diretores da Dexcom.

 


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