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Raridades na faculdade de medicina - Cirurgia de Jatene

Raridades na faculdade de medicina - Cirurgia de Jatene
Fernando Carbonieri
nov. 17 - 8 min de leitura
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Raridades na faculdade de medicina - Cirurgia de Jatene

Infelizmente, na semana da pátria de 2014 perdemos o maior nome da medicina nacional. Adib Jatene, expoente da cirurgia cardíaca mundial se junta a seu grande professor, o Doutor Zerbini. Deixou um legado que jamais será esquecido. Foi teórico e executor de procedimentos de altíssima complexidade, que hoje são padrão ouro para a correção de anomalias congênitas e essa é uma das maneiras que o Academia Médica encontrou para homenagear a vida deste grande médico.

Com intuito de valorizar este Grande Mestre, trazemos aqui uma das poucas cirurgias que levam o nome de médicos brasileiros mundialmente, inclusive nos EUA, onde normalmente há a valorização apenas dos seus.

A cirurgia de Jatene é um procedimento realizado em pouquíssimos hospitais do mundo, ou seja, são raros os estudantes de medicina que acompanharam tal procedimento durante a faculdade. Conheça um pouco mais da técnica logo abaixo:

A cirurgia de Jatene, ou desvio arterial, é uma cirurgia cardíaca aberta que corrige a destro transposição das grandes artérias. Foi pioneiramente imaginada pelo cirurgião cardíaco Willian Mustard e primeiramente realizada com sucessos pelo Brasileiro MD, Cirurgião Cardíaco Adib Jatene. Foi o primeiro procedimento que reparava a destro transposição das grandes artérias  (d-TGA).

Esta cirurgia pode ser realizada em combinação com outros procedimentos para corrigir alguns casos de dupla saída do ventrículo direito nos casos em que as grandes artéria ( coronárias) estão destro transpostas.

Quando

O procedimento de Jatene é idealmente realizado na segunda semana de vida, antes do ajustamento do ventrículo esquerdo à baixa pressão pulmonar e consequente incapacidade de suportar a circulação sistêmica. Na possibilidade de um diagnóstico tardio, a utilização de uma banda na artéria pulmonar, combinada com o shunt, pode ser usado para melhorar a massa ventricular, suficientemente para possibilitar o shunt arterial tardiamente.

Prognóstico

O sucesso deste procedimento depende muito das tecnologias presentes no estabelecimento onde será realizado, da experiência e habilidade do cirurgião, e o estado geral do paciente. Nas condições ideias, esta cirurgia apresenta sucesso de 96% ou mais, comparando a taxa de sobrevivência em 5 anos. Aproximadamente 10% dos pacientes desenvolverão estenose pulmonar residual, que pode levar à falência do coração direito se permanecer não tratada. Este tratamento normalmente envolve o uso de stents ou de tecidos heterólogos.

Procedimentos básicos:

  • Anestesia geral, Circulação extra corpórea em máquina coração-pulmão
  • A aorta e a artéria pulmonar são desconectadas de seus vasos originais e reconectadas na raiz oposta;
  • Assim, o tranco pulmonar se "transforma" na nova aorta, e o arco aórtico se transforma na nova artéria pulmonar.
  • As artéria pulmonares são transplantadas da aorta/neo-artéria-pulmonar para artéria pulmonar/neo-aorta
  • A duração total do procedimento é de 6 a 8 horas, desde a indução anestésica.

O vídeo a seguir, do Children's Hospital of Philadelphia demonstra como funciona esta cirurgia. Após assista a cirurgia real, em um vídeo do Miami Children's Hospital

 

Procedimento

O coração é acessado por esternotomia mediana; utilização de heparina para prevenir a coagulação. Um pedaço generoso do pericárdio é retirado e esterilizado com glutaraldeído; a anatomia dos grandes vasos da base é analisada. O ducto arterioso o tronco pulmonar direito e o hilo pulmonar direito são dissecados para permitir maior mobilidade dos vasos. Suturas de seda são utilizadas para marcar o tronco pulmonar e as comissuras da aorta para a neo-aorta (este procedimento pode ser realizado em outro momento da cirurgia, dependendo do cirurgião)

O by-pass cardiopulmonar é iniciado com a inserção de uma cânula na aorta ascendente, o mais distalmente possível da raiz aórtica. Outra cânula é inserida no átrio direito; um "respiro" é realizado na veia pulmonar superior direita. Com o início do bypass, lentamente o sangue é resfriado a 20ºC para a necessária parada circulatória total, necessária para a realização do procedimento.

Enquanto o paciente esta sendo resfriado, o ducto arterioso é ligado ao óstio aórtico e pulmonar, posteriormente ele é seccionado a partir de seu centro; o ramo pulmonar esquerdo, no hilo do do pulmão esquerdo é separado do tecido subjacente; e a aorta é marcada no local onde ela será seccionada, logo abaixo da bifurcação, próximo de onde será seccionada.

Quando o paciente está totalmente resfriado, a aorta ascendente é clampeada o mais proximal possível da cánula da máquina coração-pulmão, e a criocardiplegia é atingida com a passagem de sangue gelado pelo coração por via retrógada.  A aorta é seccionada e marcada, assim como o tronco pulmonar, alguns milímetros abaixo da bifurcação. Os vasos novamente são examinados afim de procurar uma obstrução no escoamento do ventrículo esquerdo. Se um defeito no septo ventricular é encontrado, ele deve ser reparado, via valva aórtica ou pulmonar ( pode ser reparado em um momento posterior da cirurgia).

Os grandes vasos, usualmente são rearranjados utilizando a manobra de Lecompte, utilizando um clamp para segurar a artéria pulmonar para a aorta ascendente; tal procedimento as vezes não é possível, assim as artéria serão transplantadas na posição não anatômica.

As coronárias são então examinadas a procura de qualquer ramo infundibular (se existente). O óstio coronariano em conjunto com um grande patch da parede aórtica é retirado bem no seio de Valsalva; as porções proximais das coronárias são separadas da superfície do coração, o que previne a tensão e a torção após a anastomose na nova aorta. Ramos infundibulares, as vezes não são passíveis de separação, mas a frequência deste tipo de anatomia é baixa.

A aorta é então transplantada para a raiz pulmonar, utilizando sutura contínua absorvível ou permanente. O clamp aórtico é temporariamente removido, enquanto pequenas seções da neo-aorta são retiradas para acomodar os óstios coronarianos. Assim suturas contínuas absorvíveis são utilizadas para anastomose de cada botão no espaço previamente preparado. Na maioria dos casos, a implantação das coronárias ocorrerão à direita e à esquerda, anteriormente,  na base da nova aorta. Algumas variações anatômicas exigem a modificação da técnica, implantando a artéria circunflexa na aorta original.

A parada circulatória total é realizada com o descligamento da máquina coração-pulmão. A cânula atrial é removida e a partir da incisão do átrio direito, ocorre a correção dos defeitos do septo atrial presentes.  A incisão atrial então é suturada, e a cânula da máquina é re-inserida para a volta da atividade da máquina coração-pulmão. o "respiro" (vent) é utilizado para eliminar todas as bolhas de ar presentes no ventrículo esquerdo. O clamp aórtico é retirado para o re-estabelecimento da circulação e aquecimento do paciente. Neste momento a pressão deve permanecer sob restrito controle. Os patches de pericardio anteriormente retirados são utilizados para fechar os sítios coronários prévios, e para plastia do novo tronco pulmonar, o que permite a anastomose da artéria pulmonar sem tensão residual; a artéria pulmonar, então, é transplantada ao novo tronco pulmonar.

Esse procedimento que acabamos de descrever foi realizado com sucesso pela primeira vez pelo Cirurgião Brasileiro  Adib Jatene em 1975, em uma criança de 42 dias. Esta cirurgia ficou mundialmente como Jatene's Procedure, um dos feitos que colocaram a medicina brasileira como uma das mais avançadas do mundo naquele momento.

Expoentes como Adib Jatene, jamais podem ser esquecidos. Eles são a medicina brasileira que deu certo, que inspira e deve inspirar uma legião de médicos brasileiros, já formados, ou que ainda estão em formação.

Compartilhe esta história com seus colegas, e nos ajude a valorizar a medicina brasileira junto aos nossos pares. O legado de Adib Jatene e de todos os Brasileiros MD merecem ser propagados a todos nós que fazemos parte da medicina do futuro.


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