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Hipócrates e o “Assassinato de Reputação”

Hipócrates e o “Assassinato de Reputação”
Hélio Angotti Neto
ago. 28 - 4 min de leitura
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Um dos mais comuns discursos da bioética é a falta de validade da ética hipocrática por causa de seu forte paternalismo.

Na prática, hoje em dia, um artigo elogioso à tradição hipocrática enfrentará mil obstáculos para encontrar o caminho até a mão do leitor brasileiro, pois há uma verdadeira ojeriza contra o velho médico.

Mesmo entre os melhores bioeticistas há um forte rancor, o que parece impedir uma análise adequada de certos trechos, sempre interpretados em prol de uma visão ideológica pré-determinada.

Como diria Tom Koch, o Juramento de Hipócrates (e eu ousaria dizer toda a tradição hipocrática junto com a tradição cristã) continua a ser o espinho na carne da bioética contemporânea.[1] Alguém conhece coisa mais politicamente incorreta do que o famoso Juramento?

Contrariando os desejos do beautiful people - e o discurso de muitos bioeticistas anti-hipocráticos - a tradição hipocrático-cristã proíbe terminantemente ao médico que saia por aí matando gente, seja por meio do aborto, da eutanásia ou do suicídio assistido. Por mais que tentem torcer o texto ou recortá-lo, a coisa toda é de uma clareza ofuscante. Não se deve matar bebês e idosos, ponto.

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É claro que, para uma numerosa hoste, tais pensamentos são puro obscurantismo e estão completamente fora de moda, meras recordações de um passado “terrível”. Nem todos recordam que recorrer ao extermínio de bebês indesejados é algo antiquíssimo, pré-cristão.

Fica a pergunta: o problema com a obra hipocrática – o que escandaliza tantos círculos acadêmicos - é o suposto paternalismo médico exagerado ou a revolucionária defesa da vida humana?

O discurso corrente, talvez com o intuito consciente ou semiconsciente de autoafirmação, irá sempre apontar o dedo para a ética médica tradicional (aquela, de mais de dois mil anos de idade) e dirá que o médico era opressor, que o paciente obedecia cegamente, que ninguém poderia discutir o que havia sido ordenado. Serão essas acusações corretas?[2]

Não. 3153853Talvez a figura do médico autoritário e prepotente seja algo mais prevalente e identificável inclusive na época moderna do que no passado.

Um livro que aborda justamente essa questão de como a medicina é e de como ela foi e deveria ser, partindo de bases hipocráticas, é Hippocrates Shadow, de David Newman, com a sugestiva chamada: o que os médicos não sabem e não contam e como a verdade pode reparar a relação médico-paciente.[3]

Muitas das acusações contra a tradição médica hipocrática ocidental evocam a figura de um médico paternalista que tudo sabia, oprimindo o paciente que deveria obedecer cegamente. Tal imagem está completamente equivocada, desfocada e deslocada no tempo. Essa arrogância de alguns colegas talvez seja fruto justamente das maravilhas conquistadas na modernidade, aliadas à perda do conteúdo humanístico original que levara tantos médicos a serem nobres exemplos de virtude no passado.

A medicina não é uma ciência no sentido moderno; a medicina é uma Arte que usa a ciência, entre outros elementos, profundamente humana, ocasionalmente bem sucedida e intrinsecamente moral.

Bibliografia citada:

Hippocrates' Shadow: Secrets from the House of Medicine (English Edition) - David H. Newman - R$ 58,75   na Amazon (Link AQUI)

 

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity em 2016, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6394379738440524

SEFAM: www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br

Mirabilia Medicinæ: http://www.revistamirabilia.com/medicinae

Academia Médica: https://academiamedica.com.br/author/helioangotti/

 

[1] KOCH, Tom. ‘The Hippocratic Thorn in Bioethics’ Hide: Cults, Sects, and Strangeness’. Journal of Medicine and Philosophy, vol 39, 2014, p. 75–88. doi:10.1093/jmp/jht056

[2] Há um artigo saindo do forno sobre esse assunto escrito por mim e pelo filósofo James Marcum. Prometo informar aos leitores quando da publicação. E muitas outras novidades vêm por aí.

[3] NEWMAN, David H. Hippocrates Shadow. New York: Scribner, 2008.


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