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A crise na saúde planetária

A crise na saúde planetária
Caroline Ahrens Ortolan
set. 29 - 7 min de leitura
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A degradação ambiental e seus impactos no bem-estar e saúde das populações humanas, em especial nas populações mais carentes e marginalizadas, tem ganho cada vez mais importância nas discussões no meio médico nos últimos anos. A pandemia da COVID-19 gerou uma crise nos sistemas de saúde a nível mundial, e veio acompanhada por crises econômicas e políticas que agravaram ainda mais a situação. A atual crise apenas reforça o que inúmeros pesquisadores e líderes vêm dito e demonstrado nos últimos anos: não podemos mais desassociar o meio ambiente das questões socioeconômicas e sobretudo de saúde.

Não é novidade que o atual modelo de desenvolvimento econômico, o chamado business as usual, lança na atmosfera mais gases de efeito estufa (GEEs) do que a Terra é capaz de absorver, degrada os ambientes naturais em ritmo acelerado, emite poluentes tóxicos e material particulado no ar, reduz a fertilidade do solo e a qualidade e disponibilidade de água, entre outros graves efeitos que aumentam exponencialmente o risco de doenças e os prejuízos à qualidade de vida das pessoas.

Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as mudanças climáticas têm impacto de 20 a 30 vezes maior nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos do que nos desenvolvidos. E esse dilema do aquecimento global é ainda mais preocupante se considerarmos que um quarto da população global de mais de 7 bilhões de pessoas (com estimativa de 10 bilhões em 2050) compõe-se de indivíduos muito pobres, exatamente aqueles que têm mais dificuldade de acesso a saúde, saneamento básico e água potável.

Ainda de acordo com a organização, a questão global mais relevante ligada à saúde mundial são as mudanças climáticas. As emissões de GEEs são seu principal propulsor e possuem efeitos locais diretos negativos como a degradação dos ecossistemas, pressões na produtividade agrícola, quebras de safras, secas, enchentes, fome e insegurança alimentar e repercussões suprarregionais como conflito por recursos e imigrações.

Neste contexto surgiu a Saúde Planetária, uma nova área de estudo que se concentra em caracterizar os impactos na saúde humana causados por desequilíbrios ambientais de fundo antropogênico. Ela analisa as maneiras pelas quais os seres humanos alteram o mundo natural e como a transgressão das fronteiras planetárias (mudanças climáticas, a poluição global, as alterações nos ciclos biogeoquímicos, a perda da biodiversidade, escassez de recursos, mudanças no uso da terra) diminuem a qualidade de vida humana e aumentam a incidência de diversas doenças. É a busca pelo mais alto padrão atingível de saúde, bem-estar e equidade no mundo através da atenção aos sistemas humanos (políticos, econômicos, sociais) que embasam o futuro da humanidade e dos sistemas naturais da Terra e que definem os limites seguros dentro dos quais a humanidade pode prosperar (os limites ou fronteiras planetárias).

A Saúde Planetária é, em última análise, uma nova abordagem da questão da sustentabilidade e da vida humana no planeta sob uma ótica cada vez mais integrativa, transdisciplinar e global, já que os problemas da crise planetária transpassam fronteiras geopolíticas, delimitações acadêmicas e afetam a humanidade como um todo. Os principais aspectos da deterioração do meio ambiente - aquecimento global, degradação dos solos, poluição dos ambientes aquáticos, desertificação, destruição dos ecossistemas e perda de biodiversidade – colocam em xeque o futuro da humanidade.

Ações sistêmicas são imprescindíveis para o enfrentamento de problemas tão complexos, e é natural que nos perguntemos o quanto ações locais e mudanças de consumo individual podem ou não fazer a diferença dentro do todo, sendo que estas são decisões intimamente sociais e políticas. A participação e envolvimento de pessoas, comunidades e todos os setores da sociedade são fundamentais para atingirmos mudanças significativas.

Além de tratar doenças, os profissionais da área podem ter um papel importante na promoção de saúde e prevenção de diversas doenças. Além do tratamento direto dos agravos, eles podem fazer recomendações a indivíduos por mudanças no comportamento que também beneficiem o meio ambiente. Por exemplo, podemos recomendar o aumento da atividade física mudando de transporte motorizado para transporte ativo, dietas mais saudáveis ​​com baixo impacto ambiental, incluindo pouca ou nenhuma carne vermelha e alta ingestão de frutas e vegetais e planejamento familiar.

Podemos, também, ajudar a introduzir conceitos de saúde planetária na educação e pesquisa usando currículos de treinamento e materiais educacionais profissionais. Os pacientes podem, por exemplo, receber educação sobre saúde pública e hábitos de vida diretamente dos profissionais de atenção primária.

Finalmente, os profissionais de saúde podem ter um papel importante na cooperação intersetorial da comunidade e órgãos governamentais, participar de grupos de ação da comunidade e/ou se comportar como modelos, por exemplo, liderando a redução na produção de lixo e reciclagem de resíduos ou adotando hábitos de vida melhores para si, para as outras pessoas e para o planeta.

 


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Referências

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