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Debulhando os milhos da incoerência: uma reflexão sobre educação nas escolas médicas

Debulhando os milhos da incoerência: uma reflexão sobre educação nas escolas médicas
Sérgio da Silva Castro
jan. 27 - 8 min de leitura
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O processo histórico da educação, mesmo com suas contradições temporais, decorrentes das intervenções ideológicas, econômicas, políticas e culturais, prestou-se a adjudicar aos indivíduos a possibilidade emancipatória de refletir criticamente sobre dado fato. O homem nasceu livre na sua forma de pensar e de viver, determinando o seu livre arbítrio. As fratrias e as cúrias inclinavam-se a desenvolver o processo educativo no próprio seio familiar. As famílias eram representativas e significavam ao mesmo tempo o início, o meio e o fim para qualquer indivíduo. O pátrio poder ostentava aquele que abdicava de sua própria vida em função do sustento e da educação de sua prole. Deles emergiam os comandos e os castigos. Era como o cajado que ditava as ordens e as sentenças aos corpos e as mentes impuras, que talvez se opunham à vontade e aos ensinamentos.

Posteriormente, a família foi destituída desse poder máximo, passando à Igreja, que representava a vontade plena de Deus. A oposição ardia na fogueira, como Copérnico, Joana D’Arc e tantos outros, simbolizando a penitência e a força suprema da égide eclesiástica. Tolheram a liberdade de pensar e de viver.

Mas os indivíduos, por sua natureza, nascem impuros e serão sempre assim. É o livre arbítrio que lhes impulsionam. A educação é um atributo da liberdade e deve ser sempre consentida. A força não vigerá ad eternum sobre a liberdade individual do pensar e do sentir. Assim, passou e pode ser reescrita pela história que a vivenciou – o rei déspota guilhotinado, o governo corrupto destituído e o professor presunçoso albergado a solidão do seu saber. A Reforma da Igreja, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, o Iluminismo buscaram simplesmente a liberdade: a liberdade do pensar e a liberdade do sentir.

A educação sempre foi vista como penitência e castigo, a história remonta todo esse processo, de surras, palmatórias, salas escuras e ajoelhados no milho. O educador era gente da família, mesmo que estranho, pois educar era inerente a trato da intimidade grupal. Logo, o professor era um substituto daqueles que detinham o poder de educar, por isso estavam aptos a ingressar na aplicação de regras e fazê-las serem cumpridas a todo custo, mesmo que sob açoites.

Os grandes expoentes da intelectualidade foram péssimos alunos, simplesmente por que não assentiam aos engodos e voraz mandamentos daqueles que detinham o cajado de educar. Por certo, a educação incorpora saberes e práticas da vida, porque simplesmente tudo é vida. Saber ensinar exige do educador certo grau de amadurecimento e flexibilização sob os auspícios das experiências. A reflexão encoraja o indivíduo e assim, fazia Sócrates, quando aplicava aos seus discentes a maiêutica. Ensinava-os a não aceitação da imposição de um único saber; todos compartilhavam seus saberes sobre determinado assunto, que por fim sofria um processo de modelagem. Todos aqueles que aquiesceram sobre aquela aprendizagem, diretamente construíram esse novo saber, já filtrado e posteriormente empregados em suas vidas.

O tablado foi um grande mal, pois sempre se imaginou que o educador era o detentor unívoco de todo o conhecimento, por isso deveria exercer essa soberania, inclusive tomando um patamar acima dos seus educandos. Trata-se de um saber limitado, cercado pelos limites de conhecimento daqueles que os detêm, que efetivamente perde por também obstar ao aprender. O cercadinho do saber do educador simplesmente se opunha a amplitude subjacente, tornando-o inabalável na hegemonia do seu saber.

O ensinar é uma arte que se traduz em uma via de mão dupla, sem tablados, sem hegemonias de saberes, mas um consenso de compartilhamentos de informações que fortalece o coletivo e cria vínculos afetivos fortes, talvez o mais importante no processo de ensino-aprendizagem. A pactuação dessas pluralidades de aprendizagens favorece o educador e os educandos, mantendo-os intactos na forma de pensar e de sentir. As bibliografias devem ser vastas e a critério do leitor. A maiêutica deve ser desenvolvida sempre e os saberes conduzidos pelo professor, que simploriamente funciona como um instrumento dos consensos dessa coletividade. Um verdadeiro modelador. Ele passa a desenvolver uma modelagem desses saberes, mas sem imposição, inspirando seus pupilos a refletir sobre aquele assunto, que será fruto de uma construção e reconstrução de saberes. A educação não deve ser conspiratória e deflagradora de verticalização, posto que nada floresce sobre o propósito de compulsoriedade: o indivíduo sempre quebrará regras quando perceber a subtração do seu livre arbítrio.

O papel do professor é outro, o de construtor de indivíduos capacitados e corresponsáveis nesse processo de educação estabelecido pelo consenso. O professor é apenas um instrumento que possibilita o acúmulo de saberes no indivíduo e este sabendo usá-los no momento oportuno. Essa flexibilização determina o encontro do indivíduo com o seu talento, para desenvolvimento de um ofício, conduzindo-o a plenitude, que pode ser traduzido em bem-estar.

A Escola Médica caminha na contramão desses assentimentos, adotando, na maioria das vezes, políticas de austeridade desqualificadora, a hostilidade, no processo de ensino-aprendizagem produzindo discentes doentes e ineficientes. Observando que o bem jurídico de maior valor é a vida, sem dúvidas o ensino dessas academias deve ter parâmetros qualificativos bem desenvolvidos e satisfatórios. Todavia, a qualificação da docência deve ser a prima face de todo esse processo, iniciando pela própria organização da escola, do currículo e principalmente na forma como se desenvolve a pedagogia, as aulas em composição com o ambiente de vida do aluno. Tudo deve ser conduzido de forma incipiente ao indivíduo.

Os critérios pedagógicos devem apresentar um ensino abrangente e que atendam as diversas formas de aprendizagens: verbal, auditiva, visual etc. O construto pedagógico exige do docente, uma especialização no ensino de academias médicas, que obviamente difere de outras ciências. A incorporação e a utilização de novas tecnologias devem ser prioritárias, assim como a vedação do docente de inclinação por apenas uma bibliografia, com escopo de evitar o referido cercadinho do saber. O storyboard no início da aula é um fator fundamental que permite ao aluno coadunar o conjunto de saberes no processo de aprendizagem sobre determinada disciplina. Favorece e condiciona o aluno a realizar uma busca na sua mente sobre as aulas anteriores, propiciando uma integralidade e interligação entre cada aula. A avaliação deve propiciar o momento de enlace dessa modelagem de saberes que se tornou filtrado nos consensos do professor-alunos, que passou por uma discussão ampla e irrestrita. O processo avaliativo nada mais é que um resultado desses consensos. O que não foi discutido, não sofreu consensos e tão pouco modelagem, não deve ser objeto de avaliação. Isso é condição perniciosa no processo de aprendizagem e que gera incerteza. A incerteza gera dúvida e que necessariamente não faz parte positivamente da educação.

O processo de horizontalização do ensino tem como esteio o consenso e a isonomia. O alvitre se estabelece pela confiança e a certeza dessas pluralidades, evitando tantas incoerências que permeiam, ainda, pelo debulho dos milhos com os joelhos. A educação habilita o indivíduo a aprimorar a sua condição de humano. É um exercício pleno da capacidade cognitiva individual e que se fortalece através do coletivo. Nada mais justo que os educadores compreendam e percebam que são apenas atores coadjuvantes em todo esse processo. São facilitadores e não complicadores. Prestam-se como instrumentos de capacitação emancipatória dos indivíduos: ampliam a liberdade de sentir e de pensar. Que sejam plenas as liberdades de educar e de se aprender!

 


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