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Mãos que cuidam e que salvam

Mãos que cuidam e que salvam
Lara Gandolfo
mai. 27 - 10 min de leitura
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            A nossa vida é marcada por cuidado. Ele faz parte das nossas necessidades mais básicas e primitivas. Desde o nascimento, em que somos indefesos e totalmente dependentes de nossos pais ou responsáveis, até quando nos tornamos idosos, que precisamos de cuidados, atenção e valorização.

            A arte de cuidar é um dom que deveria fazer parte da vida e da edificação pessoal de todos nós. Porém algumas pessoas se destacam, e se destacam vigorosamente com esse dom. São eles, os enfermeiros e enfermeiras. Ah! E QUE DOM! Cuidam incondicionalmente. Pacientes que ficam internados por dias, acabam ficando tão próximos, que em muitas das vezes, são considerados amigos ou ate mesmo da família.

            Essa arte de cuidar da enfermagem é pintada com traços de amor e ternura. O zelo, a paciência, a garra e a sabedoria, fazem toda a diferença na evolução clínica do paciente.

            O mundo assiste hoje, o quão importante essa profissão é. Milhares de pacientes, vítimas de uma doença tão cruel, que rapidamente pode tirá-los desse mundo, deixando lágrimas e saudades para quem fica. “O paciente não é só um paciente, ele também é o amor de alguém”, essa frase nunca fez tanto sentido.

            Todos os dias nos deparamos com taxas absurdas de mortes e que, infelizmente, acabam gerando números, e não a empatia que devíamos sentir pela família e conhecidos desse paciente, que é o amor de alguém.

            Mas também, devemos saber que a equipe de saúde, também é o amor de alguém! E o vínculo que principalmente, a equipe de enfermagem, cria com esse paciente, acaba tornando-o o amor dessa família também, que acompanhou todo o esforço e dedicação. E quando esse paciente morre, é nesse profissional que, na maioria das vezes, são criadas marcas, sob a forma de agradecimento, palavras de carinho e gratidão, por tudo que fizeram.

            Batalhas assim fazem parte da história dessa belíssima profissão. O ano era 1854, Guerra da Crimeia [1], uma mulher, que superou os mais diversos obstáculos para conquistar seu sonho e pôr em prática seu dom, lutou pelos seus direitos. Na época, as mulheres que realizavam os cuidados eram pobres ou faziam parte de igrejas, portanto era visto como vocação religiosa e não como efetiva profissão. Sua família não a apoiava, e os costumes da época eram totalmente desfavoráveis à atuação feminina. Mesmo assim, Florence Nithtingale, mostrou ao mundo seus pensamentos influentes sobre a construção multidimensional [2], do que hoje é conhecido como Enfermagem moderna [1].

            Por sua notória participação na guerra da Crimeia, ela alcançou reputação mundial. Neste momento, era conhecida como “a dama da lâmpada”. Sendo a lâmpada, um símbolo do curso atualmente.  

            A enfermagem fora personificada sob Florence Nightingale, e seu belíssimo trabalho na guerra convergiu para que os ideais dela criassem a primeira revolução científica disciplinar da Enfermagem, modificando o que outrora, era um paradigma [2]. Ela pintou sua história com traços de doçura, eficiência e heroísmo, e assim, seu nome passou a ser sinônimo destas qualidades [1].

            Com certeza, uma mulher a frente de seu tempo, disposta a conquistar seu espaço, rompendo os preconceitos da participação da mulher no Exército [1]. Em relação à enfermagem, transformou a visão para ser uma nova profissão para as mulheres [3].

            Mesmo que ela não tenha produzido de fato uma teoria de enfermagem, ela contribuiu na distinção dos papeis entre médicos e enfermeiros e estabeleceu um modelo de treinamento e produção de escritas teóricas.

            Valorizava a dimensão empírica, estatística, observação e registro, porém, sabia que isso tudo não era suficiente, pois era necessário, características pessoais, disposição ética e moral, habilidade artística e preocupação sócio-política [2].

            A lição prática mais importante que pode  ser  dada  aos  enfermeiros é: ensiná-los  o  que  observar -como  observar -, quais  sintomas  indicam melhora –o  que em  contrário -quais  são  importantes -quais  são inexistentes -quais  são  evidências  de  negligência -e  que  tipo  de negligência. Tudo isso é o que deve fazer parte, e uma parte essencial, do treinamento de toda  enfermeira.  Atualmente, são poucas as pessoas, profissionais ou não profissionais, que realmente sabem se uma pessoa está doente, se  está  ou  não  melhor  ou  pior.  Posso  registrar  apenas  algumas amostras  das  respostas  que  ouvi  de  amigos  e  enfermeiras,  e  que  foram aceitas por médicos e cirurgiões ao lado da cama do paciente, que poderiam ter  contraditado  todas  as  palavras,  mas  não  o  fizeram -às  vezes  por amabilidade,  ou  às  vezes  por  timidez,  muitas  vezes  por  conveniência! (NIGHTINGALE, 1886, p.29)

            Para Nightingale, a enfermagem era uma arte que requeria um treinamento prático e científico e a (o) enfermeira (o), deveria ser capaz de servir à medicina, à cirurgia e à higiene, e não servir aos profissionais dessas áreas [3].

            Algo que mesmo nos dias de hoje faz com que possamos refletir a injustiça aplicada a essa profissão tão bela e que precisa tanto ser valorizada! Todas as profissões possuem seu valor, mas sabe-se que, infelizmente, a remuneração e as condições de trabalho, não condizem com o belíssimo e essencial trabalho realizado por esses profissionais.

            Trazendo para a nossa realidade, 98 é o número de enfermeiros mortos no começo deste mês, aqui no Brasil. Aproximadamente 9 mil profissionais já foram afastados por suspeita ou confirmação de COVID-19. Falta de valorização! É repugnante ver essas notícias. A falta de EPI, por pura corrupção e maldade de governantes, tem “resolvido” essa situação, enterrando corpos de artistas do cuidado. Uma arte tão bela e apagada de uma forma tão cruel.

            Após a guerra, Florence destinou seu tempo em influenciar e promover campanhas educativas e criou a primeira escola de enfermagem. Nightingale, teve a oportunidade de estudar e ter acesso a diversos idiomas, matemática, religiosidade, filosofia e disciplina na enfermagem- que dita regras, horários rígidos a serem cumpridos, religiosidade e divisão do ensino. Ela influenciou as mais diversas práticas em saúde, como: reforma sanitária na Índia, controle de infecções, epidemiologia hospitalar e lições para a enfermagem moderna.

            Defendia o ensino, lutava pelo registro nacional de enfermeiras (os) e pela criação de um órgão que fiscalizasse e organizasse a profissão. O que de fato caracterizava Florence era sua constante preocupação e envolvimento com o sofrimento de seus semelhantes. Responsável por criar as prescrições médicas por escrito, exigia que sua equipe de enfermagem acompanhasse os médicos para prevenir erros e evitar esquecer instruções.

            Florence foi pioneira em utilizar gráficos e diagramas pra explicar as taxas de mortalidade. Consolidou os fundamentos básicos para o ensino. Sua vida foi destinada a cuidar do outro. A dama da lâmpada fora uma incansável missionária, marcada pela honestidade, devoção, habilidosa na observação e delicadeza. É considerada uma modelo de enfermagem no mundo!

            No dia 12 de maio, comemoramos o Dia do (a) Enfermeiro (a), essa data faz menção ao dia de nascimento [3] de Florence Nightingale. Nada mais justo comemorar e enaltecer essa belíssima profissão no dia em que nasceu a fundadora da Enfermagem Moderna.

            Porém, a realidade nos mostra que há muitos obstáculos a serem vencidos. Ainda sobre o último dia 12, a homenagem prestada aos profissionais, em frente ao Museu Nacional de Brasília, vítimas dessa pandemia, gera um sentimento muito grande de tristeza e indignação, pois mesmo com um sistema de saúde, que em teoria, tem uma excelência ímpar, nos deparamos com a falta de materiais de equipamento de proteção individual (EPI), o que acaba colocando em risco a vida de pessoas que estão dando seu melhor, na linha de frente do combate ao COVID-19. Não somente a falta de EPI, mas também a falta de diversos substratos essenciais para um trabalho com segurança.

            Que possa surgir nova (os) “Florence Nihtingale”, que a partir de uma “guerra”, consigam mobilizar o mundo e conquistar sua valorização. O profissional de enfermagem e toda a equipe (técnicos e auxiliares), merecem serem cuidados e respeitados.

            As mesmas mãos que cuidam e que salvam, precisam ser cuidadas e salvas também!

            Fica nesse texto, toda a minha gratidão pelo belíssimo trabalho. Sei que é pouco diante de tudo que vocês passam e fazem por nós, mas mesmo assim, muito obrigada! Sem vocês não teríamos como passar por essa pandemia.

Que vocês possam ter força, quando houver cansaço.

Que tenham fé, quando tudo parecer perdido.

Que tenham amor, quando tudo parecer obscuro e sem ter mais o que fazer.

Que tenham cuidado, quando diante à insegurança.

            Mantenham a esperança de que um dia as coisas serão bem diferentes, pois vocês merecem todo o cuidado e valorização.

Muito obrigada enfermeiros e enfermeiras, vocês são heróis!

 

REFERÊNCIAS

1- COSTA, Roberta et al. El legado de Florence Nightingale: un viaje en el tiempo. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 18, n. 4, p. 661-669, 2009.

2- BRANDÃO, Ana Paula da Costa Lacerda; GALLUZZI, Maria Letícia. Aspectos epistemo-cognitivo-filosóficos no ideário de Florence Nightingale (1890-1910). 2019.

3- LOPES, Lúcia Marlene Macário; SANTOS, Sandra Maria Pereira dos. Florence Nightingale: apontamentos sobre a fundadora da enfermagem moderna. Revista de Enfermagem Referência, n. 2, p. 181-189, 2010.

 


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