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Voltei a ser médico!

Voltei a ser médico!
Crônicas de Anestesia
out. 16 - 5 min de leitura
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Voltei a Ser Médico

por Crônicas de Anestesia

Hoje foi um dia comum. Eu estava fazendo as consultas de avaliação pré-anestésicas. Naquela rotina de sempre. Uma anamnese bem direcionada, nada daquela lista imensa de perguntas que aprendemos a fazer na graduação (impraticável). Então sem mais nem menos uma ideia me atingiu e eu voltei a ser médico!

Explico:

Há algum tempo eu estive muito desiludido com a carreira médica. Eu sou anestesiologista há 10 anos(terminei a residência no fim de 2006). Passados aqueles anos iniciais em que somos tomados por um deslumbramento, por termos caminhado tanto durante a formação, engolidos milhares de sapos e resistido, nos sentimos “super”. Mas a rotina vem e leva isso tudo embora. Bom, foi assim comigo pelo menos. Vamos, como disse um amigo meu, nos “desmedicalizando”. Não é desumanização, é “desmedicalização”.

Os ideais e a juventude nos escorrem pelas mãos. Somos uma classe usada como bode-expiatório e já faz tempo. A saúde precária e as péssimas condições sempre explodem nas costas dos médicos. Os soldados rasos que estão lá na ponta (ou seria na porta?). Que sofrem por não poderem oferecer o melhor aos seus pacientes. Posto ou PS cheios, culpa de quem? Médicos não atendem rápido. Pacientes jogados no chão como bichos! Os médicos não enxergam isso? Paciente morre por falta de exames! Mas nenhum médico sabia disso antes? Médicos são egoístas! Médicos não têm misericórdia! Médicos não têm coração!

Essa enxurrada de coisas nos carrega em seu turbilhão. Então chegamos onde eu cheguei. Pensei: “Vou desistir disso tudo! ” “Chega! ” “Era uma ilusão adolescente! ” Ser médico, usar jaleco, aliviar a dor! Tudo uma ideia abobalhada e pintada como linda nos seriados da tv. Passar um dia após o outro ouvindo pessoas se queixando, reclamando, chorando uma lamúria interminável.

É claro que muitos já fizeram isso. Não é novidade e eu não seria o primeiro, nem o último. Além do que o meu sustento depende disso. Não dá para simplesmente enfiar uma mochila nas costas e sair pelo mundo cantando “Maluco beleza”. Não, pelo menos para mim não.

Então aconteceu. Um raio me acertou. Algo me trouxe de volta. Não foi uma frase, nem um paciente em especial. Foram várias coisas, vários pacientes, várias frases. Como se tivesse chegado ao limite do meu hd de casos e pessoas que atendi. Quando isso aconteceu tudo pareceu fluir e fazer sentido. Eu não acredito no acaso e aceito isso como um sinal, um lembrete. Uma força que me empurrou para frente.

Então eu lembrei dos pacientes. De tantos que já vi e ouvi. Daqueles que eu ajudei e daqueles que eu não pude fazer nada. Corri no celular e escrevi isso para um grupo de acadêmicos que dou aula:

“Lição de hoje...

A mais importante delas...

Parece óbvio o que eu vou dizer...

Sejam legais com os seus pacientes. Eles estão doentes, com medo. Na maioria das situações eles não entendem bem o que está acontecendo. Claro que existem pessoas rudes e grosseiras, mas isso não é a maioria. Coloque-se na situação do seu paciente. Deitado na maca, esperando a cirurgia ou esperando ser atendido. Com dor, com febre, ansioso, sem saber se vai morrer ou não. Eles ficam calados e nos olham com reverência. Sentem vergonha de nos dirigir a palavra. Acham feio falar com o médico de qualquer jeito. Médicos são chiques!

Aprendam com os pacientes. Eles nos ensinam muito mais do que qualquer tratado de Medicina. Vão chamar você de "senhor" ou " senhora" mesmo que vc tenha a metade da idade deles ou muito menos. Nós temos ciência, estudo e somos privilegiados em poder ajudar mesmo que um pouquinho só. O médico só existe pq existe o paciente. Temos que servi-los bem e sempre tentar fazer o melhor que estiver ao nosso alcance. ”

Fico feliz por ter escrito isso e aproveitado o “fluxo”. Basta que isso fique registrado com alguns deles e tudo pode ser bem diferente. Não acredito em soluções mágicas e auto instaladas, mas eu acredito na força de vontade das pessoas. Na coragem e determinação de resolver uma coisa de cada vez, uma batalha por dia. Como algo tão simples como este trecho que eu escrevi pode revigorar os soldados e animá-los para o nobre combate.

Se eu tiver feito uma minúscula diferença com isso, para melhor, já me dou por satisfeito em ter voltado a ser médico.

Caê


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