Este artigo faz parte da série "Virtudes Médicas" publicado pela primeira vez na Academia Médica em janeiro de 2015.
Edmund Pellegrino lembra em seu livro sobre virtudes médicas que muitos criticam o médico contemporâneo justamente por sua falta de compaixão, por sua insensibilidade[1].
Diariamente, ao tratar um paciente com cordialidade (de cordis – coração), escuto algumas exclamações de surpresa. Hoje mesmo escutei algo que me deixou triste ao cumprimentar um paciente da rede pública: “Doutor, você dá a mão?”
Acredito sinceramente que a maioria dos médicos brasileiros trata bem seus pacientes, mas os maus exemplos gritam enquanto os bons exemplos sussurram. Além dessa característica típica em se julgar assimetricamente bons e maus exemplos, há o fato de que existe uma campanha maciça de difamação profissional movida pelo governo brasileiro, sempre à busca do bode expiatório da hora[2 - texto publicado em 2015].
Mas voltemos à compaixão, palavra que significa “sofrer junto”. Para compreender melhor, podemos também apelar para as definições de palavras que não são sinônimas de compaixão.
Misericórdia e Piedade, por exemplo, denotam atos de caridade e graça de alguém em posição superior a alguém de posição inferior. Compaixão denota uma simetria maior entre o que sofre e o que acompanha o sofrimento. Há uma assimetria óbvia na relação médico-paciente, mas cabe ao médico trabalhar também para que a integridade de seu paciente seja preservada ou restituída o quanto antes. Na reconstrução dessa integridade, o médico precisa “sentir” o que o paciente sente.
Simpatia é mais abrangente, denotando participação em sentimentos positivos ou negativos, sem a especificidade da compaixão, muito mais característica do médico que vive uma situação de sofrimento ao lado do paciente.
Já a empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, imaginando como seria uma determinada resposta frente a uma determinada situação. Também é mais abrangente que a compaixão, que é a compreensão participativa do sofrimento alheio. A empatia seria uma habilidade que possibilitaria uma compaixão adequada à prática médica.
A compaixão não é somente uma necessidade moral, mas também é uma necessidade intelectual da atividade médica.
Sem a adequada compreensão do sofrimento alheio, o diagnóstico pode ser comprometido, assim como o plano terapêutico. O médico pode “sofrer” de forma ineficaz, e julgar mal a situação de seu paciente.
O médico precisa sentir como o paciente sente, porém não pode ser emocionalmente envolvido a ponto de nublar sua capacidade de raciocínio clínico e sua objetividade, denotando a qualidade que Sir William Osler exaltava como Aequanimitas (autocontrole e constante “presença de espírito”)[3].
Também não há necessidade de que o médico sofra “na carne” o mal de seu paciente, ou teríamos uma inescapável falta de oncologistas! E nenhum homem poderia ser ginecologista. Viver de fato a doença oferece uma perspectiva única e proveitosa para o médico sábio o suficiente, mas não é pré-requisito.
Há sim a necessidade de que o médico exerça sua compaixão com a verdadeira postura de um amigo, compreendendo o sofrimento do paciente e comprometendo-se com a sua cura, com o alívio do mal que o acomete e com o tratamento respeitoso devido à pessoa querida.
Referências:
- [1] PELLEGRINO, Edmund D.; THOMASMA, David. The Virtues in Medical Practice. New York, Oxford: Oxford University Press, 1993.
- [2] É pública e notória a difamação que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados movem contra os médicos, rotulados de inimigos convenientemente no momento em que o governo é cobrado em relação à qualidade da saúde.
- [3] OSLER, William. AEQUANIMITAS: With Other Addresses to Medical Students, Nurses and Practioners of Medicine. Philadelphia: P. Blakiston’s Son & Co., 1910.
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