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A Justiça como virtude do médico

A Justiça como virtude do médico
Hélio Angotti Neto
mar. 19 - 4 min de leitura
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JUSTIÇA SEJA FEITA! PORÉM SEMPRE COM AMOR...

[Texto publicado pela primeira vez na Academia Médica em janeiro de 2015.]

A virtude da Justiça busca dar a cada um o que lhe é devido. Não é muito necessário enfatizar como hoje a discussão do que é o justo a fazer se alastra pela sociedade causando debates intensos e agressivos como um incêndio subindo o morro sob forte ventania.

Fala-se do bem comum, do bem para o indivíduo e do bem para a profissão médica. Mediando essas tensões como horizonte orientador está a Justiça, mesmo que fragmentada e quase eclipsada pelo relativismo nosso de cada dia.

Na civilização cristã, um precioso adendo foi ressaltado no contexto da busca pela Justiça: a Caridade. Em si, a Caridade é uma virtude cristã aliada à compaixão e, ocasionalmente, ao perdão. Na profissão médica também funciona como a moduladora da Justiça: não cabe ao médico julgar seu paciente quanto ao merecimento de algum bem, parte-se do princípio que o médico faz o bem de forma indiscriminada a todos os que o procuram.

Manteve-se uma prática de caridade na profissão médica ao longo dos séculos e, inclusive, de crítica à falta de caridade por parte de médicos que traíram seus juramentos e compromissos. Espera-se do médico uma prática concreta de Justiça temperada pelo amor que a transmuta e faz com que seja transcendido o mero sentimento legalista[1].

É muito triste e decadente observar a profissão médica entrar na fase de degeneração conhecida como fase burocrática de uma profissão[2], na qual o médico cumpre apenas uma obrigação contratual, um papel social, um protocolo ou uma peça na engrenagem impessoal que lida com o ser humano de forma mecânica e fria[3].

Frente à sociedade, a virtude da Justiça leva o médico a pensar no próximo e em seu dever como membro de uma sociedade e da comunidade moral terapêutica.

É a Justiça, inegavelmente ligada ao princípio de não-maleficência, que permite ao médico quebrar o sigilo profissional se estiver diante de um caso no qual a vida de um terceiro está sob risco, como no caso de um indivíduo HIV positivo que se nega a informar e proteger o(a) cônjuge. Há uma certa “intromissão” do bem coletivo dentro da prática do bem individual, atestando que as divisões entre as duas modalidades são, por fim, abstrações. Úteis mas, ainda, abstrações.

É a Justiça que nos coloca diante de problemas que chocam nossa prática ou os anseios da sociedade com os valores que sustentam toda a profissão ou com as exigências de autoridades seculares que nos sãos superioras hierarquicamente; como é o caso da legalização do abortamento voluntário.

É o sentimento de Justiça que permite ao médico alegar objeção de consciência, acusado pela Justiça que transcende o aspecto legalista de regras mortas no papel, tantas vezes incapazes de traduzir a riqueza de experiências e dilemas que é a vida humana, inspiradora de tantas poesias e tragédias.

É a Justiça aliada à Prudência que equilibrará na melhor forma possível o infindável conflito entre o bem para o indivíduo e o bem para a sociedade. E o médico só poderá utilizar essas duas virtudes, e todas as outras por fim, se entregar-se realmente à sua vocação de amigo e bom samaritano: auxiliar o próximo.

 

Referências:

  • [1] PELLEGRINO, Edmund D.; THOMASMA, David C. The Virtues in Medical Practice. Oxford: Oxford University Press, 1993, p. 94-95.
  • [2] Diego Gracia, em seu livro que é referência obrigatória em Ética Médica e Bioética – Fundamentos de Bioética – divide as profissões clássicas em três fases: carismática, tradicional e burocrática. Alguém tem alguma dúvida sobre em qual fase nos encontramos? Cf. GRACIA-GUILLÉN, Diego. Fundamentos de Bioética. Madrid, Espanha: Editorial Triacastela, 2008.
  • [3][3] Talvez uma das grandes tentações do funcionarismo público.

 


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