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A Busca do Médico pela Filosofia

A Busca do Médico pela Filosofia
Hélio Angotti Neto
abr. 13 - 8 min de leitura
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*Nota do editor:  publicado em 24/02/2016

Escutei que “humanizar” a medicina era um desafio, pois haveriam de oferecer formação filosófica adequada aos médicos. Mas onde achar a Filosofia na formação médica? Lembro um antigo ditado:

"Médico, cura-te a ti mesmo!"

Médicos Filósofos e Filósofos da Medicina ou Doutrinadores e Manipuladores Ideológicos?

Vou aos termos primeiro.

"Humanizar" parece-me pretensioso, porém utilizo o termo com a consciência de que o faço para tornar-me comunicável.

Termos mais adequados seriam "qualificar", "tornar abrangente" ou "completar a medicina previamente enviesada com o cientificismo iluminista e otimista do fim do século XIX".

Mas, tolerante, utilizo o termo humanizar, sabendo que se deve à referência teórica ao estudo conhecido como humanidades, isto é, ao estudo que busca a capacitação do ser humano como eficaz ator e analisador da sociedade.

Formação filosófica é outra expressão problemática. Poucos até mesmo conseguem definir filosofia.[1] Como definir formação filosófica? E que tipo de filosofia? Racionalista? Existencialista? Fenomenológica? Analítica? E dessas vertentes, qual estilo? Fenomenológico Husserliano? Realismo Radical Zubiriano? Intuicionismo radical de Olavo de Carvalho?

E outro problema: há filósofos? Aliás, há filósofos médicos a ponto de nutrir a esperança de que ensinem os jovens médicos? E, por que não, que ensinem também os médicos já experientes?

Que não se enganem, há reflexões filosóficas presentes em nossa cultura, apesar das tentativas do governo atual em destruir tudo o que resta de bom neste país sofrido; mas o Brasil carece de esforços contínuos, rigorosos e vigorosos vindos de um grupo de médicos interessados.

Não há em nosso país uma elite viva e numerosa, formada por elementos como Diego Gracia, Edmund Pellegrino, Pedro Laín Entralgo, Thomas Percival, William Osler, Carlos Alberto da Costa Nunes, José Ingenieros, Gregório Marañón etc. Nosso céu ainda precisa de muitas estrelas para montar a plêiade.

E, ao falar de Bioética, há que se falar antes da sólida formação humanística, sob o risco de discutir Bioética e Ética Médica somente em bases frágeis, móveis e escorregadias. E falar em formação humanística é falar em treinar a mente e o coração. Tirando o currículo oculto, onde se treina – ou destreina - essa dupla?

Se, por um lado, nos falta uma plêiade de médicos filósofos, sobra-nos um grêmio de ideólogos e manipuladores, que enxergam em cada cadeira de departamento universitário um foco potencial de militância política e manipulação revolucionária da juventude incauta. Sobra-nos a multidão de capachos da elite que governa o Brasil, prontos a vender a alma e a Medicina em troca de um cargo comissionado ou de uma benesse estatal.

Reproduzo um entre muitos comentários que dá voz a numerosos formandos de medicina do Brasil:

“Esse negócio de reescrever o currículo parece ser uma tara de comunista. Na medicina também sofremos. Na faculdade em que me formei, reformularam o currículo em 1994 (X é uma cidade muito famosa pelo seu socialismo de boutique) tentando ter uma formação mais humanista. O resultado prático: horrível, alunos precisam cada vez mais de cursinhos pré-residência para aprender e têm pouca experiência clínica. Resultado político: formam centenas de militantes políticos. ”

Não acredito ser possível, por decreto governamental, ainda mais vindo da nossa elite política amante das nulidades, estabelecer que se ensine Humanidades (com H maiúsculo mesmo). Ninguém pode dar ou obrigar a dar aquilo que não é, nem nunca foi e que, pelo andar da carruagem, nunca será!

Um grupo de médicos e professores idealistas[2] faz-se necessário. Médicos dedicados e capazes de abrir mão do conforto e de uma boa dose de lucro, pelo menos de forma temporária, e que busquem com afinco e sinceridade a filosofia em acordo com o projeto socrático como estilo de vida.[3] E, após décadas, tal grupo terá condições de oferecer algo melhor que alcance mais pessoas. Qualquer coisa maior que isso me cheira a pura demagogia barata e a improvisação de baixa qualidade que nunca combinou com a boa medicina.

É claro que não precisa ser um grupo, melhor ainda se fossem vários, com diferentes aportes, diferentes contribuições. É claro, também, que existem diversos filósofos médicos por aí, crescendo como resistentes plantas em meio ao cimento. Mas para alcançarmos uma cultura filosófica médica, o alvo está muito além de nossas possibilidades atuais. Uma verdadeira rede de interações deveria ser construída unindo focos de estudo e pesquisa, fugindo do discurso único e simplificado da ideologia hegemônica deste ou daquele espectro político.

Filosofia não é um simples título de bacharelado assim como a Medicina também não o é. Filosofia é vocação de uma vida inteira, de décadas de estudo e aprofundamento coroados pelo esforço pedagógico. Misturar ambas, Medicina e Filosofia, é uma ambição nobilíssima, porém beira à utopia. É coisa grande!

Falsos médicos e falsos filósofos (filodoxos e sofistas) sempre existiram. A literatura hipocrática já denunciava a existência de tais figurantes.

“A Medicina é a mais nobre de todas as artes, mas no presente está muito abaixo de outras artes graças à ignorância daqueles que a praticam e àqueles que os julgam de forma leviana. A mim parece que seu erro deriva principalmente do fato de que nas cidades não há punição ligada à prática da Medicina exceto a desgraça, e isso não fere aqueles que se tornaram acostumados a tal estado de coisas. Tais pessoas são como figurantes nas tragédias, pois assim como têm forma, se vestem e se parecem com atores, mas não são atores, assim também são muitos os médicos em título, porém poucos o são em realidade”. [4]

Antes de cobrarmos resoluções ou orientações das pessoas incapazes que lotam as cadeiras ministeriais e suas parvas e numerosas assessorias - estupidificadas pela atitude de bajulação dos poderosos -, por que não compramos nós mesmos uns bons quinhentos livros de clássicos da literatura e da filosofia cada um e dedicamos uns dez anos de estudo para nos qualificarmos?

Não espere um professor mágico que cairá do céu por força de um papel carimbado por analfabetos funcionais do governo brasileiro. Canso de ouvir pessoas que têm planos maravilhosos para o próximo. Utopia nas costas do próximo é fácil. Cada um faça sua parte. Mãos à obra!

 


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Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor Editorial da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Médico Oftalmologista pela Secretaria de Saúde do ES, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).

 

Referências Bibliográficas

[1] Recomendo a leitura do livro: CARVALHO, Olavo de. A Filosofia e seu Inverso. Campinas, SP: Vide Editorial, 2012.

[2] Com o termo idealistas, peço que não entendam ideólogos socialistas. Esse tipo de idealismo que carrega nas mãos sujas de sangue mais de uma centena de milhões de vidas em tempos de paz internacional não merece o termo atribuído a si. COURTOUIS, Stephane; et. al. O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror e Repressão. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. Internet, http://www.mises.org.br/files/literature/O%20LIVRO%20NEGRO%20DO%20COMUNISMO%20-%20Crimes%20Terror%20E%20Repress%C3%A3o.pdf

[3] Cf. CARVALHO, Olavo. Coleção História Essencial da Filosofia (aula 02) - O Projeto Socrático. São Paulo: É Realizações, 2002.

[4] HIPPOCRATES. Prognostic. Regimen in Acute Diseases. The Sacred Disease. The Art. Breaths. Law. Decorum. Physician (Chap. I). Dentition. Volume II (tradutor: JONES, WHS). Cambridge: Loeb Classical Library, 1923.

 

*Nota do editor: a data original de publicação desse texto é 24/02/2016


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