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A realidade do mercado médico brasileiro

A realidade do mercado médico brasileiro
Fernando Carbonieri
mar. 28 - 9 min de leitura
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Quando estava no começo da faculdade, assisti a uma aula do Professor Jurnadir Marcondes Ribas, que falava sobre o mercado médico e os ganhos atualizados da profissão. Em vistas da minha formatura, reproduzo um editorial feito pelo Dr. Jurandir que foi publicado na Revista do Colégio Brasileiro dos Cirurgiões em 2009. O editorial pondera sobre ganhos gerais, jornadas múltiplas de trabalho, aposentadoria, aumento de vagas nos cursos de medicina, entre outros situações influentes no mercado.

Dei-me a liberdade de atualizar e introduzir alguns dados ao texto original que estarão marcados em cor diferente para estabelecer uma coerência e demonstrar o que foi alterado. Caso queira ver o artigo original, clique AQUI.

A realidade do mercado médico brasileiro

adaptado de Jurandir Marcondes Ribas Filho*

A OMS preconiza que para o equilíbrio e satisfação da assistência médica deva existir um médico para cada 1000 habitantes. O Brasil possui hoje aproximadamente 388 mil médicos ativos . A média atual, portanto, é de quase 2 médicos por 1000 habitantes.

[...]

A estrutura da assistência médica imposta e posteriormente ratificada pela Constituição Federal cavou um fosso tão abismante na política de saúde em nosso país que conseguiu separar os médicos em duas categorias: os de 1ª classe - cujo mercado promissor estará sempre fortalecido pelos poucos ricos e pelos quase ricos; e os de 2ª classe - destituída de mercado e recebendo honorários médicos aviltantes.

Conforme pesquisa elaborada pelo CFM em 2007, 95,5% dos médicos brasileiros encontravam-se em atividade, e apenas 4,5% não exerciam a profissão. Destes, 3,7% eram aposentados e 0,2% desempregados. Em relação à idade, um dado que chamou a atenção dentre os números apresentados nesta pesquisa é que somente 50,7% dos que estavam acima dos 70 anos eram aposentados, confirmando tendência no adiamento da aposentadoria, provavelmente devido ao receio de queda no padrão de vida ao parar de exercer a medicina, justamente na fase mais sensível da sua existência. Este fato repete os achados de pesquisa idêntica realizada também pelo CFM, em 2004.

Em relação ao campo de atuação do médico observa-se, também de forma clara, a queda de atividade em consultório que era de 67% na anterior, passando para 42,7% na última pesquisa. Soma-se a isto interessante dado: o trabalho em postos de saúde passou de 14,3% para 27%, muito provavelmente devido ao crescimento do Programa de Saúde da Família - PSF. Em conjunto, os dados levantados mostram perda da atividade privada com ampliação significativa da dependência do poder público no exercício da medicina em nosso País.

Outro dado também preocupante no cenário da prática médica, diz respeito ao número de atividades exercidas na jornada de trabalho de nossos colegas. Do total em exercício, somente 29% têm o privilégio de possuir apenas uma atividade. Os demais 71% trabalham em dois ou mais empregos - ainda pior - 19,7% destes dividem sua jornada de trabalho entre cidades diferentes ampliando, com o tempo perdido no deslocamento, o número diário de horas trabalhadas sem produtividade. Compromete-se assim, de maneira inequívoca e clara, a qualidade de vida pessoal e familiar de nossos colegas. No estudo "Demografia Médica no Brasil" de 2013 do CFM , cada médico possui 1,64 empregos em média. São 3,33 postos médicos ocupados para 1000 habitantes segundo o estudo "Assistência Médica Sanitária" de 2009 do IBGE 

Em relação aos níveis de remuneração, ocorre outra situação de grande preocupação. Hoje (2009) apenas 55,7% dos médicos apresentam renda mensal superior a R$ 7.000,00 e, dos restantes, 25,2% recebem mensalmente no máximo R$ 4.000,00, quantia esta que não é compatível com as necessidades mínimas para sustentar uma família em padrão razoável de vida e de crescimento intelectual.

Estes dados mostram de forma clara que o caráter liberal da profissão tem sido alterado significativamente, diminuindo cada vez mais o percentual de atividades autônomas em relação às empregatícias, fracionadas em três ou mais empregos.

Algumas entidades médicas lutam por um piso salarial para o profissional médico, como a FENAM. Vale lembrar que, de acordo com a Constituição Federal, o salário mínimo nacionalmente unificado deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e deve ser reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo.

Sejam quais forem as razões determinantes, todo e qualquer mercado de trabalho encontra sobrevivência no equilíbrio entre a oferta e a procura. Quando se amplia demais a oferta, ocorre degeneração perigosa no mercado e, aplicando-se esta lei no campo da medicina, prenunciam-se reflexos negativos diretos no campo ético.

Sem dúvida, as razões dos problemas relatados por nossas entidades máximas de classe - CFM e AMB - e publicados de formas diferentes em diferentes épocas, apontam sempre na mesma direção: o futuro do exercício da medicina é preocupante. O cerne da questão é a proliferação indiscriminada de escolas médicas. Nos anos 60 eram 29. No final dos anos 90 somavam-se 92. Hoje o Brasil tem 198 faculdades. Ao número geometricamente aumentado na formação de novos médicos em novas escolas, se soma a permitida ampliação de vagas nos cursos previamente existentes. Em 2008 foram mais 17 mil o total de alunos que ingressaram nos cursos médicos em nosso país. A análise matemática simples destes dados pode dar a dimensão dos problemas que surgirão no mercado de trabalho do médico em futuro muito próximo. Ainda de acordo com o estudo Demografia Médica no Brasil, no ano de 2011 foram emitidos 17388 registros profissionais no conselho federal de medicina. 

Todas as entidades médicas têm-se manifestado na necessidade de regulamentação rígida para abertura de novos cursos e monitoramento constante dos existentes. Os requisitos mínimos obrigatórios seriam a necessidade social do curso, existência na cidade de corpo docente qualificado sem dependência de outros centros para complementá-lo, infra-estrutura com hospital-escola próprio contando com vagas de residência médica em número crescente ao longo dos anos, ampliando com ela a formação profissional de melhor qualidade. Evitar-se-ia assim que grupos aventureiros, por interesses não dignos, procurem criar cursos de medicina achando que o tempo acomodará as falhas iniciais, pensando mentirosamente que criar hospital-escola é tarefa fácil e encontrável em qualquer esquina! Estes e outros critérios, aliás, fazem parte do PL 65/03, já aprovado na Comissão de Educação e Cultura e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, ainda não votado em caráter terminativo.

Esta preocupação não é corporativa, mas sim ela procura estar em defesa da qualidade do atendimento médico à população brasileira. Este também é o anseio da própria população que espera ter maior profissionalismo no atendimento e ver o melhor da tecnologia médica ser aplicado à sua doença. Da forma como o cenário está posto, as perspectivas futuras não são nada alvissareiras. Já no presente - e com piora do quadro em futuro bem próximo -, o Brasil possui número de médicos muito acima do necessário. Este fato negativo gera outros, também negativos: empobrecimento da classe; piora na qualidade de vida do médico; maiores dificuldades de atualização profissional; sobrecarga de trabalho para sobreviver com a dignidade que a profissão impõe; disputas não éticas na busca de espaço dentro da profissão. A resultante final, também negativa, atingirá a população brasileira que nada tem a ver com isso, pois não pode decidir pelas mudanças, e é a que mais sofrerá com este quadro. Não é justo!

Devemos todos nós médicos juntos erguer a voz, falarmos em uníssono e em bom tom e convencermos nossos legisladores do perigo que está sobre todos nós, se não mudarmos de rumo a estrada que está nos levando ao abismo!

*Jurandir Marcondes Ribas Filho é Professor Permanente Doutore do Programa de Pós-Graduação em Princípios da Cirurgia do Hospital Universitário de Curitiba / Faculdade Evangélica do Paraná

Fontes: Revista do Colégio Brasileiro dos Cirurgiões, Demografia Médica no Brasil - Volume 2, FENAM


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