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10 Conselhos médicos que quase todo mundo sabe, mas ninguém diz. (Segundo este que vos fala)

10 Conselhos médicos que quase todo mundo sabe, mas ninguém diz. (Segundo este que vos fala)
Henri Hajime Sato
jul. 5 - 16 min de leitura
030

O que mais se ouve na medicina é conselho: Conselho de como agir, se portar, ser um médico rico, fazer marketing e principalmente ser um bom profissional.

Primeiro que esse negócio de profissional bom ou profissional ruim não existe. O que temos é profissional adequado às necessidades de alguém, seja o convênio, seja do SUS, seja do político ou seja do paciente.

Segundo que se conselho fosse bom era cobrado.

No caso, o meu honorário é espalhar a palavra e como visto no post sobre como me demiti na residência,  temos aqui o objetivo de cutucar muito médico e "chefe" sem capacidade moral e intelectual para sequer se exibir.

 

1.Grande serviço não significa que seja um bom trabalho

Criou-se uma mística de marketing:

 “Se um médico vem de um serviço topo de linha ou trabalha em tal lugar é um médico de sucesso.”

Para início de conversa, e eu tenho experiência de trabalhar desde o SUS de periferia até hospitais de excelência internacional, digo de boca cheia que essa citação é questionável.

Já trabalhei em serviços de periferia com recursos contados a dedo, porém a cultura corporativa, índice de satisfação e resolução de casos eram excelentes.

Hospitais ditos grandes (públicos ou não) podem ser cheios de políticas internas duvidosas, mau ambiente de trabalho, protocolos enrijecidos e que cortam a autonomia do médico em detrimento do lucro e da imagem.

E sinto informar que até financeiramente que o quanto um médico ganha nesses serviços, pode ser o mesmo que ganharia em um serviço mais simples ou até menos.

E isso não é somente à medicina, já ouvi de muitos profissionais da TI, autônomos e de outras áreas da saúde que trabalham em serviços grandes (da saúde ou não) serem tratados menos que descartáveis.

 

2.Médico ganha bem... mas nem tanto

Se você observar a renda média do brasileiro e do serviço mais ingrato da medicina brasileira (a meu ver) que é o pronto socorro médico ganha muito bem.

Um PS de clínica no estado de SP que não pede residência paga em média 1 mil reais líquido 12h, visto que a média do IBGE mensal é de 3 mil, então em 36h semanais(ou 3 dias de plantão de 12h) de expediente, um médico ganha mais que maioria dos brasileiros.

Mas se observamos a responsabilidade, stress, carga física e mental e quanto um gestor de hospital ganha e os riscos jurídicos, aí a balança fica menos equilibrada.

E sem contar aquela pergunta “quanto vale uma vida?”, em qualquer observação nessa pergunta sendo financeira ou puramente emocional, médico no Brasil ganha mal.

Só ver o desastre econômico que está o mundo por causa da pandemia e o que acontece quando principalmente pessoas de status como chefes de Estado ou CEO morre.

Mas isso vale um artigo próprio cheio de análises, observações e alfinetadas para todos os lados sobre a importância do ser humano e a subvalorização da vida que nos encontramos(inclusive de quanto vale a vida do médico nessa história toda).

Me recuso a entrar na velha prerrogativa que "médico gasta seu dinheiro muito mal", isso é óbvio de tão manjado.

Obs.:  Residência não conta em teoria, é uma pós e não um trabalho

 

3.Virar inimigo de chefe  não é o fim do mundo, é oportunidade.

Uma das frases que mais ouvi na medicina desde o 5º ano é:
“Não se indisponha com tal chefe, ele pode te ferrar, te boicotar de procedimentos, aulas e até mesmo te reprovar”.

Não é uma mentira, mas o que não dizem que esses chefes têm inimigos e já diziam os tratados de guerra mais antigos “inimigo de meu inimigo é meu amigo”.

E isso não sou eu falando, essas normas diplomáticas são usadas há milênios pelos chineses em "a arte da guerra" e Maquiavel usou como recurso em "o príncipe"

Quando você ganha a antipatia de um chefe, a tendência é ganhar o respeito de seus inimigos sejam outros chefes, dos funcionários ou de colegas.  

E acredite que em um período de crise ter um posicionamento é muito mais honroso que ser um puxa saco.

Porém, evitem entrar em briga de médico, mas se a guerra for inevitável escolha o lado que ao menos tenha caráter.

E um aviso principalmente quem for estudante e começar o internato:

Se você for medir seu sucesso ou sua carreira pela métrica de um “chefe” você vai destruir sua reputação, saúde física e mental para nada.

Você irá passar numa fase que você dificilmente vai aprender algo,  esses chefes têm o péssimo hábito de serem educadores questionáveis, boicotar os mais novos e até esconderem técnicas para se manter “um peixe grande num aquário pequeno”.
 

4.Usar Jaleco e mostrar credencial de serviço topo de linha não significa que você seja um profissional adequado às necessidades do paciente.

Muito médico posa com avental de serviços de excelência, postam fotos em redes sociais indo operar em hospitais de referência ou de luxo.

Por experiência como paciente, médico e acompanhante de paciente, as vezes um médico que não se exibe tanto e se esconde nas catacumbas do hospital é mais adequado ao paciente e mais capaz de resolver os verdadeiros problemas.

E um segredo meio oculto, geralmente esses médicos de luxo tem um “clínico escondido” ou um “residente/fellow prodígio” na equipe ou no mínimo o número de um em caso de emergência.

A semiótica é tudo, mas não é garantia de bons resultados ao bem-estar do paciente.

 

5. O mau do médico é não querer dar trabalho para os outros.


Isso vale principalmente para quem trabalha ou quer trabalhar na área administrativa, pericial e vai ter que lidar com o SUS e o convênio (ou seja, quase todo médico brasileiro).

Muito médico por insegurança com um instinto de paternalismo, acaba querendo abraçar o mundo.

Acabamos querendo assumir função de outros departamentos como, assistente social, psicólogo, enfermagem, RH, o administrativo e o jurídico.

Na medicina do trabalho existe a celebre frase:

 “o mau de médico do trabalho é de não querer dar trabalho ao RH e ao jurídico”.

O que aliás nos leva a parte acima da insegurança e do excesso de zelo. Não é porque você está fazendo tudo que signifique que está fazendo tudo certo.

Dar o seu paciente aos cuidados de um bom advogado, a um enfermeiro experiente ou um especialista atencioso vale mais a pena que querer dar conduta estilo Rambo com sérios riscos de prejudicar a si e ao paciente.
 

6. Assuma seus sentimentos, principalmente os negativos


Médico é um ser humano, ele ri, chora, sente-se feliz, deprimido, ansioso seja por causas pessoais ou profissionais.

Se ele se soltar demais ou até mesmo “guardar” esses sentimentos (o inconsciente nunca esconde) há o risco até de adoecimento mental.

Logicamente existe um jeito de se expressar e aí vem o mais importante de trabalhar com pessoas de confiança, fazer terapia e manter hábitos de saúde física e mental decentes.

Um médico que pensa assim dificilmente será um médico inadequado ao paciente.
 

7.Não é errado ter desdém pelo paciente ou pelo “superior que todo mundo ama”


No código de ética médica existe um princípio bem objetivo de:

“O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”

E esse princípio não existe somente para um médico conservador não querer fazer aborto ou um mais de esquerda diga “não atendo bolsominion, negacionista e bla bla bla”(sim, eu ja ouvi isso). É para proteção de todos.

O princípio de objeção de consciência existe porque se por algum motivo esse paciente atentar contra o médico ou houver algum motivo pessoal de não querer atender (certo ou errado), seu julgamento afetado não irá machucar o paciente (“primum non noncere”).

Todos nós temos histórias ruins que confundem nossa cabeça, criam preconceitos e conceitos que deturpam nosso discernimentos. Desde que não viole a lei e agrida ao próximo é algo super natural e como disse acima, assumir esse sentimento e supera-lo.

Porém, tem a parte 2, salvo em emergência que não haja outro profissional disponível, nesses casos você tem que deixar seu orgulho besta de lado, lembrar que na sua frente está uma pessoa que nem você, com uma adversidade, as vezes um ponto de vista absurdo porem com uma história por trás e que médico felizmente (e infelizmente para outros) não é advogado, juiz e nem júri, é só um médico.

Não preciso dizer que a civilidade, principalmente em tempos de pandemia é uma moeda rara e vale ouro se bem usada.

 

8. Fazer residência/pós e ter um RQE não é garantia de qualidade de vida

Fiz um post inteiro dedicado a isso procure. Como eu disse acima e como quase maioria dos médicos que se queixam.

“Médico não ganha bem o suficiente”

E maioria pensa e é ensinada: "vou fazer pós e residência, abandonar a vida de PS e PSF ruim, ganhar um a mais e ficar de boa em um consultório ou fazer interconsulta"

Essa lógica infelizmente não esta tão errada, porem não contam até a pagina 2. 

Se observamos as tabelas de pagamento de convênio, plantões de especialidade, exigência de trabalho, motivação, vemos que RQE não é igual a dinheiro muito menos conforto.

Fazer interconsulta em hospital não é as mil maravilhas, principalmente se o serviço não tiver uma boa cultura corporativa e os ganhos as vezes não são grandes.

Fazer cirurgia idem, tanto que quando se acaba a especialização ouço destes que sonho do médico especialista é "não atender mais convênio ou ganhar mal em um grande volume de pacientes(mesmo que menor que PS) no SUS"

E se colocarmos na ponta do lápis com impostos, custos de manutenção de equipamento, aluguel, marketing, funcionários e outros custos, um consultório particular (principalmente especialidade sem procedimento) tem uma margem de lucro pequena, principalmente se trabalhar com reembolso.

Existem sim vantagens de se trabalhar com algo mais específico com aquilo que se gosta(como pediatra que não trabalha diretamente com adulto e gosta mais de tratar criança e clínico que não gosta de operar).

Mas a tendência que com a saturação de residências e pós-graduações de qualidade questionável é que essas vantagens, principalmente conforto e financeira seja direcionado a exigência de mestrado, doutorado, 4 steps, ao puxa saco e no final que médico veja que vale mais “um subemprego nos EUA” do que fazer consultório de estética do hospital dos ricos e famosos.

 

9.Dizer “eu não sei” incomoda somente gente burra


Eu tinha um professor que encrencado comigo sempre dizia “Henri, aprenda dizer eu não sei”

De fato reconhecer a ignorância principalmente no meio médico é muito difícil.

Somos treinados para dizer sempre a resposta assertiva nos casos clínicos, de nunca deixar um dado escapar na hora, ter toda a papelada preenchida, saber o que não fomos no mínimo treinados para como saber e se por acaso passar dessa linha ser punido por isso.

Dizer “eu não sei, me ensina por favor?” é libertador, te abre oportunidades para aprender mais e ter mais conhecimento.

E sobre a parte de gente burra, esse mesmo professor que me disse. Saudades dele.

 

10.Não importa o quão “bom médico” você é considerado, você provavelmente vai errar e feio

Na faculdade de medicina e na residência lembro até hoje que só tive 3 aulas sobre “erro médico”:

-Uma realmente dada com os fundamentos da imperícia, negligência e imprudência (o que vale outro artigo)

-Uma que até hoje não entendi que foi o caso de um desfecho ruim que deu errado e até hoje me pergunto se isso foi educativo ou para expor colegas.

-Uma aula lastimável sobre médicos em redes sociais que nos proibia em postar fotos em redes sociais dentro do serviço, principalmente eventos sociais.

Parece até a primeira cena do primeiro episódio do seriado Scrubs onde a primeira coisa que os Residentes ouvem na aula inaugural do hospital:

"Não sejam processados"(Era o advogado do hospital porque o hospital não queria ser processado.)

De fato muitos “intelectuais”, que adoram meter regra em médico tem razão:

“Devemos humanizar o médico”

Excelente prerrogativa, então vamos a velha frase

“Errar é humano”.

Não acertar um diagnóstico (desde que tenha usado todos os recursos possíveis baseados em evidências científicas disponíveis), um RCP malsucedido, responder mal à um paciente/acompanhante, as vezes até uma falha de protocolo muitas vezes não são crimes federais, infrações éticas e nem erro de responsabilidade civil.

Uma vez no quinto ano num "plantão" que não vou dizer a especialidade, tive que fazer um  procedimento médico que exigia que eu colocasse um transdutor de batimento fetal sobre o tempo sem elástico(porque eles sumiam, tanto que eu comprei um do meu bolso na época e o costureiro me xingou até a alma porque fazer os furos destruiu a maquina de costura dele) e no 4º paciente eu dormi com a mão do transdutor em cima do paciente, até a paciente não me acordou com pena. 

Para muitos isso seria considerado "erro médico" e processo, porque onde já se viu dormir em serviço?

Existem diversas circunstâncias, ritos e defesas que nenhum médico sabe até ter que contratar um advogado decente para uma sindicância.

Essa prerrogativa é tão verdadeira que uma das carreiras com mais normas de segurança eficaz que é a aviação nunca leva em conta erro humano como fator único e exclusivo para um acidente aéreo.

Existe uma investigação desde avaliação de treinamento, condições de trabalho adequadas para todos os funcionários(não somente médicos), o trabalho antes e após o acidente e seguimento de todos os protocolos desde mecânicos até administrativos.

Por isso que os processos de “erro médico” levados a sério e seguindo todas as normas, principalmente na esfera jurídica podem demorar anos para um resultado e um relatório final apontando culpa e muitas vezes a culpa não é somente do médico.

 

Bônus: O SUS não é ruim... mas não é bom

O Brasil tem um sistema público de saúde que atende a todos, seja em vacinação, emergências, procedimentos e atendimentos on demand, ou seja, só ir numa unidade de saúde seguir os passos protocolares a custo zero no momento pré, durante e pós atendimento, coisa que muito país desenvolvido não tem.

Até hoje os EUA, a maior economia do mundo, não chegou num consenso de um sistema publico de saúde.

E o SUS não é gratuito, é muito bem pago com os nossos impostos, ele da acesso de saúde principalmente aos mais pobres que não tem acesso ao sistema suplementar de saúde sem custos, mas existe uma rede de financiamento social por tributação em todas as classes sociais.

Porém não é por isso que se deve gritar por aí que nem uma matraca “viva o SUS” e deixar um status quo do mesmo em mais de 30 anos rolar por ai.

O SUS tem muitas qualidades, mas tem defeitos de gestão terríveis, já visto em pronto socorro, demora de agendamento de consultas às vezes por má gestão de vagas, uma péssima promoção de educação de cultura em saúde, filas cheias, maus pagamentos, burocracias e uso político no lugar do bem estar social são exemplos de que devemos militar por uma saúde pública mas acessível e principalmente de qualidade.

 


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