Academia Médica
Academia Médica
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
loading
VOLTAR

A desprescrição medicamentosa de pacientes em cuidados paliativos

A desprescrição medicamentosa de pacientes em cuidados paliativos
Academia Médica
set. 19 - 15 min de leitura
000


Publicada no periódico suíço MDPI, uma revisão sistemática analisou os principais achados sobre a desprescrição em pacientes oncológicos no fim da vida e demais pacientes em cuidados paliativos. 

 

Segundo a revisão, medicamentos preventivos, como estatinas ou anti-hipertensivos, muitas vezes podem ser descontinuados, pois a razão para querer reduzir o colesterol e a pressão arterial é reduzir o risco de eventos cardiovasculares em uma perspectiva mais longa. Em pacientes com apenas alguns meses de vida, esses fatores importam menos e geralmente não afetam o risco de eventos cardiovasculares em curto prazo. No entanto, os medicamentos podem causar efeitos colaterais incômodos, especialmente quando o a capacidade de metabolização e excreção medicamentosa pelo paciente está prejudicada. 

 

O artigo ressalta que é importante explicar para o paciente e seus familiares sobre o objetivo da desprescrição, para que não percebam essa ação como ameaçadora ou que os médicos “desistiram” do paciente. Dessa forma, para tornar o processo de desprescrição o mais seguro e otimizado possível, sem afetar negativamente a qualidade de vida do paciente, o processo deve ser realizado preferencialmente em acordo com o paciente e/ou familiares.

 

Para facilitar a desprescrição de medicamentos, várias diretrizes foram desenvolvidas. A Ferramenta de Triagem de Prescrições Potencialmente Inapropriadas para Idosos e os “critérios STOPP Frail” são diretrizes projetadas para pacientes idosos frágeis com uma expectativa de vida curta. As recomendações gerais da ferramenta STOPP Frail são para descrever medicamentos que:

1.     O  paciente deixa de ingerir ou tolerar persistentemente o medicamento

2.     Prescrição sem uma indicação clínica clara. 

Além disso, a maioria dos medicamentos para prevenção primária deve ser considerada para desprescrição se o paciente tiver uma expectativa de vida curta. Outras ferramentas possíveis de serem utilizadas são as diretrizes do OncPa, que foram desenvolvidas para ajudar os médicos a limitar o número de medicamentos inapropriados em pacientes oncológicos em cuidados paliativos. A ferramenta inclui medicamentos com efeitos benéficos limitados ou inexistentes na doença do câncer em estágio avançado, mas apenas lista os medicamentos em que há evidências sólidas de desprescrição.

 

Abaixo, confira as recomendações de desprescrição notadas pela revisão após a análise dos artigos selecionados.

Anti-hipertensivos

Se a indicação do medicamento for insuficiência cardíaca, é melhor desescalar para evitar o aumento de sintomas como dispneia ou edema. Como alternativa aos comprimidos, os diuréticos de alça como administração intravenosa podem ser úteis para pacientes sintomáticos com dispneia devido a insuficiência cardíaca em estágio final, no final da vida. Os diuréticos de alça para administração parenteral (iv ou sc) também são drogas importantes para o controle dos sintomas no paciente em caso de hiperidratação ou desconforto respiratório devido a edema pulmonar.

 

Se o motivo para a prescrição foi hipertensão, a grande maioria dos medicamentos pode ser descontinuada imediatamente. Entretanto, os betabloqueadores são exceção. Os betabloqueadores devem, se possível, ser cuidadosamente desprescritos para neutralizar os efeitos rebote, uma vez que geralmente há um aumento da sensibilidade às catecolaminas após tratamentos de longo prazo. Uma descontinuação muito rápida pode causar taquicardias, ansiedade, tremores e sudorese. Assim, recomenda-se diminuir a dose em 50% por 1 semana e, em seguida, uma redução adicional de 50% por mais uma semana até que a dose mais baixa possível seja alcançada. Após o tratamento com a menor dose por uma semana, o medicamento pode ser interrompido.

 
Em relação à prevenção de doenças cardiovasculares, como hipertensão, com inibidores da ECA não há indicação de prescrição adicional quando você tem uma expectativa de vida curta devido a outra doença incurável. O tratamento geralmente pode ser interrompido imediatamente sem riscos logo em seguida. No entanto, você pode ter um aumento lento da pressão arterial ao longo de algumas semanas e, portanto, pode ser importante em alguns casos monitorar a pressão arterial de 2 a 4 semanas após o término do tratamento.

 
Para outras indicações, como insuficiência cardíaca, os inibidores da ECA devem ser reduzidos com uma supervisão cuidadosa do quadro clínico. Em caso de uma mudança nos sintomas do paciente, é importante interromper a desprescrição. Pacientes com insuficiência cardíaca grave e que conseguem deglutir devem continuar com os inibidores da ECA pelo maior tempo possível com a menor dose possível para alívio ideal dos sintomas.

 

Estatinas

 

Não há diretrizes claras para apoiar quando as estatinas devem ser interrompidas em pacientes em fim de vida. No entanto, as estatinas podem ser interrompidas imediatamente e não precisam ser reduzidas, pois o risco de efeitos rebote é pequeno.

 

Alguns estudos de cuidados paliativos mostram que as estatinas geralmente são seguras para descontinuar em pacientes com câncer com tempo de sobrevida esperado de um ano ou menos. Além disso, pacientes geriátricos com doenças limitantes da vida parecem ser mais suscetíveis à mialgia e dor induzidas por estatinas, o que ressalta a importância da desprescrição desse medicamento. 

 

Também, um artigo mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa no tempo de vida até a morte entre os pacientes que continuaram ou aqueles que terminaram o tratamento, e não houve diferença nos eventos cardiovasculares entre os grupos. Notavelmente, os pacientes randomizados para a descontinuação das estatinas avaliaram sua qualidade de vida mais elevada do que aqueles que continuaram. Esses resultados vão de encontro a dois estudos observacionais em cuidados paliativos de câncer, onde a descontinuação precoce das estatinas não foi associada ao aumento do risco de eventos cardiovasculares.

Anticoagulação

Durante os cuidados de fim de vida, os pacientes têm risco aumentado de doenças tromboembólicas, devido, por exemplo, à imobilização e doença metastática do câncer. No entanto, um estudo encontrou que aproximadamente 10% dos pacientes com câncer internados em unidades de cuidados paliativos apresentavam trombose venosa profunda (TVP).

 

A decisão da desprescrição da terapia anticoagulante deve ser baseada no motivo da prescrição, ou seja, profilaxia ou tratamento e deve ser equilibrada com o risco de sangramento e a expectativa de vida estimada. Com base nas diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence, a profilaxia de tromboembolismo venoso com heparina de baixo peso molecular pode ser considerada para pacientes durante cuidados paliativos, mas não é recomendada nos últimos dias de vida. 

 
A profilaxia de acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial e doença valvar mecânica não é recomendada em cuidados de fim de vida devido ao risco aumentado de sangramento e risco relativamente baixo de acidente vascular cerebral. No entanto, não há estudos disponíveis sobre a desprescrição.

 
Por outro lado, naqueles com doença tromboembólica recente, a anticoagulação, preferencialmente com  heparina de baixo peso molecular, deve ser continuada por mais tempo e pode ser desprescrita nas últimas semanas a dias. Apenas aqueles com um evento tromboembólico recente e importante, como uma embolia pulmonar, devem ter heparina de baixo peso molecular até os últimos dias de vida.

 

Aspirina

Na doença cardíaca estável, a aspirina geralmente pode ser esprescrita no último mês de vida e para prevenção primária ainda mais cedo. Como o efeito sobre as plaquetas é permanente, o efeito permanece durante todo o ciclo de vida da plaqueta, que é de 7 a 10 dias. Assim, o tratamento pode ser interrompido imediatamente e ainda ter efeito por pelo menos uma semana.

Antidiabéticos

Manter um controle estrito da glicose não é tão necessário em pacientes em fim de vida, uma vez que o efeito a longo prazo da hiperglicemia não é mais um problema e os níveis de glicose levemente elevados geralmente não causam sintomas angustiantes. Em contraste, a hipoglicemia deve sempre ser evitada, pois causa sintomas preocupantes e pode até encurtar a vida. No entanto, não há diretrizes baseadas em evidências disponíveis para o tratamento do diabetes mellitus em cuidados de fim de vida.

 

Os antidiabéticos orais muitas vezes podem ser descontinuados quando o paciente está em fase paliativa tardia para evitar o risco de efeitos colaterais, e mudar para apenas insulina é uma boa opção quando os antidiabéticos ainda são necessários. Muitas vezes, a necessidade de insulina no final da vida também diminui devido à diminuição do peso e à medida que o paciente come menos e, eventualmente, não recebe nutrição alguma. Em caso de hiperglicemia sintomática, a insulina pode ser administrada. Em pacientes com diabetes tipo 1, a insulina pode ser necessária no final da trajetória da doença.

Inibidores da bomba de prótons (IBP)

Esses medicamentos devem ser reduzidos se o tratamento tiver durado mais de um mês para evitar efeitos rebote. O uso a longo prazo de IBPs resulta em um aumento da produção de ácido gástrico quando o tratamento é interrompido. Assim, deve-se reduzir a dose para metade da dose original por duas semanas antes da interrupção para reduzir o risco de sintomas de abstinência. Na dose de 20 mg de omeprazol/dia, 10 mg/dia ou 20 mg podem ser administrados em dias alternados.

 

Bloqueadores de Histamina-2

 

Também possuem o risco de efeitos rebote quando o tratamento é interrompido devido à hipersecreção de ácido gástrico. Para evitar isso, recomenda-se reduzir a dose para metade da dose original por duas semanas e, em seguida, interromper a medicação. Se o tempo de tratamento for inferior a um mês, geralmente pode ser desprescrita imediatamente.

 Bisfosfonatos e Denosumabe

Pacientes com expectativa de sobrevida inferior a um ano, ou que estejam acamados, não precisam tomar bifosfonatos se a indicação for osteoporose. Entretanto, os bisfosfonatos também são usados para tratamento sintomático de metástases ósseas e podem reduzir a dor e prevenir fraturas patológicas.

 

Para esta indicação, os bisfosfonatos podem ser continuados até mais tarde na trajetória da doença, mas geralmente são descontinuados se o tempo de sobrevida esperado for inferior a um mês. Os bisfosfonatos também podem ser usados para o tratamento da hipercalcemia em pacientes em cuidados paliativos e podem, com essa indicação, ser administrados também em uma fase tardia da trajetória da doença para aliviar os sintomas.


O denosumab, quandodescontinuado, apresenta risco de um efeito rebote que pode durar até dois anos, levando à perda óssea e aumento do risco de fraturas. Para pacientes com câncer com metástases ósseas, há também um risco de aumento da dor após a descontinuação. Para evitar isso, recomenda-se administrar uma dose única de ácido zoledrônico, se tolerada, seis meses após a última dose de denosumabe ou continuar com denosumabe até um estágio tardio da doença.

Urológicos

No final da vida, os anticolinérgicos devem ser evitados, principalmente em idosos, devido ao risco de comprometimento cognitivo, retenção de urina, secura da boca e obstipação. A duloxetina tem um efeito questionável sobre os sintomas do trato urinário baixo e aumenta o risco de efeitos adversos em pacientes com insuficiência renal. A desmopressina tem apenas efeitos fracos em sintomas do trato urinário baixo e apresenta risco de hiponatremia. Ambos os medicamentos devem, portanto, ser considerados para desprescrição em pacientes de cuidados paliativos em estágio avançado.

 

Bloqueadores alfa-1 periféricos podem ser desprescritos devido a efeitos clínicos limitadose um risco aumentado de hipotensão ortostática com riscos subsequentes de lesões por queda. Além disso, causam aumento da incontinência urinária em mulheres e, portanto, devem ser evitados no final da vida. Os inibidores da 5-alfa-redutase são frequentemente prescritos com indicação questionável e devem ser considerados para desprescrição. Em pacientes com cateteres urinários, a desprescrição de medicamentos urológicos deve ser realizada devido a efeitos questionáveis. 

 

Antidepressivos

 

Segundo a revisão, estudos anteriores mostraram que os medicamentos antidepressivos têm efeitos benéficos também em pacientes paliativos em estágio avançado. No entanto, a maioria dos antidepressivos não existe para administração parenteral, portanto, se e quando o paciente manter sua função de deglutição, deve ser descontinuado.

 

Quando os antidepressivos são descontinuados, especialmente os inibidores da captação de serotonina (ISRSs), eles precisam ser cuidadosamente dimensionados para evitar sintomas de abstinência. Os sintomas de abstinência de ISRSs incluem tontura, ansiedade, náusea, visão turva, problemas de sono, dores de cabeça e parestesia. Esses sintomas podem ser evitados se a dose for cuidadosamente reduzida antes do término.

Como os ISRSs não existem para administração parenteral, é ideal que os ISRSs possam ser reduzidos à menor dose eficaz no final da vida. Também pode ser necessário substituí-los por ansiolíticos, de preferência benzodiazepínicos, para neutralizar a ansiedade e os sintomas de abstinência.

Corticosteróides

Se o paciente estiver em uso prolongado de cortisona, deve, se possível, reduzir para a menor dose eficaz e cuidadosamente reduzida no final da vida para evitar sintomas de abstinência. O tratamento que durou duas semanas ou menos geralmente pode ser descontinuado imediatamente sem descalonamento.

 

O tratamento com cortisona pode ser mantido até o final da vida se houver uma forte indicação de alívio dos sintomas, como neutralizar o edema cerebral em tumores cerebrais primários ou metástases cerebrais, alívio da dor onde outro alívio da dor não surtiu efeito e como tratamento da náusea onde outros antieméticos não tiveram efeito (por exemplo, no íleo maligno).

Levotiroxina

A levotiroxina é um dos medicamentos mais comuns em pacientes gravemente enfermos e, portanto, a desprescrição é uma questão importante. Recomenda-se continuar com levotiroxina pelo maior tempo possível, especialmente naqueles com altas doses de evotiroxina e naqueles sem produção de hormônios tireoidianos. 

Vitaminas e Minerais

Na maioria das vezes, as vitaminas podem ser interrompidas nos últimos meses de vida. Em alguns tratamentos oncológicos, como pemetrexed, B12 e folacina são necessários durante o tratamento para reduzir os efeitos colaterais e, portanto, não devem ser interrompidos. A suplementação de minerais geralmente pode ser descrita durante os últimos meses de vida. O cálcio, especialmente, pode ser considerado para desprescrição precoce, uma vez que há um risco aumentado de hipercalcemia em pacientes com câncer em estágio avançado.

 

Referência:

 

Hedman, C.; Frisk, G.; Björkhem-Bergman, L. Deprescribing in Palliative Cancer Care. Life 2022, 12, 613. https://doi.org/10.3390/life12050613

 




Denunciar publicação
    000

    Indicados para você