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A doença de sofrer de doença: o que é o transtorno de sintomas somáticos?

A doença de sofrer de doença: o que é o transtorno de sintomas somáticos?
Maria Laura Rolim
dez. 5 - 8 min de leitura
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“Uma mulher de 25 anos procura o serviço de saúde com queixa principal de “dores na barriga”. Ela relata que as dores pioram quando fica ansiosa e estressada, principalmente nos dias em que o trabalho exige mais. Refere também dores no peito, nas costas e no abdome, sendo que essas iniciaram há 04 anos, período em que deixou a casa dos pais e foi morar em outra cidade. Já procurou diversos médicos e ninguém encontrou a causa dos seus problemas. A paciente está com humor deprimido, inquieta e ansiosa.”

Essa mulher pode estar com um Transtorno de Sintoma Somático. Você saberia conduzir e manejar? Se não tem certeza, confira abaixo nosso conteúdo sobre esse tema.

Pra começar..

Você sabe o que é um sintoma somático?

A definição de sintoma somático é qualquer sintoma físico que gere desconforto, não necessariamente ligado a uma alteração orgânica.

Mas como ele funciona?

Ainda não se sabe qual a causa de todos os sintomas somático, tornando o diagnóstico dificultoso. Porém, sabe-se que os sintomas podem ser passageiros ou podem durar a vida toda. Pessoas com dores crônicas, idade avançada, mulheres, baixo nível socioeconômico ou pacientes que passaram por traumas durante a infância têm maior probabilidade de desenvolver sintomas somáticos.

Quais são esses sintomas?

Os sintomas mais comuns são: gastrointestinais (vômitos, diarréia, dor abdominal, intolerância alimentar), dores (difusas, articulares, cefaleia), cardiopulmonar (palpitações, tontura), pseudoneurológicos (amnésia, dificuldade para engolir, dificuldade de andar, fraqueza muscular, visão dupla ou borrada).

Uma vez que os sintomas atrapalharem a vida diária do paciente, eles procuram ajuda médica diversas vezes em busca de um diagnóstico passível de tratamento medicamentoso. Os pacientes, então, se decepcionam quando o médico afirma que não há alterações no exame físico ou nos exames laboratoriais e de imagem.

Quando a situação se agrava, a pessoa pode desenvolver um transtorno de sintoma somático ou outros transtornos relacionados.

Mas, o que seria transtorno de sintoma somático?

Antigamente, esses transtornos faziam parte da classificação chamada Transtornos Somatoformes, incluída no DSM-IV. Por ser um termo confuso, o DSM-V trouxe uma nova classificação, dividindo-os em: Transtorno de Sintoma Somático e transtornos relacionados. Nos transtornos relacionados, os principais são: transtorno de ansiedade da doença, transtorno conversivo e transtorno factício. Todos eles têm um aspecto comum: existência de sintomas somáticos associados a sofrimento e prejuízo significativos.

O que vai caracterizar os sintomas como um transtorno de sintoma somático é a forma como eles se apresentam e como são interpretados. Por isso, é importante analisar com o paciente lida com os sintomas, pois geralmente eles possuem uma reação exacerbada incompatível com a intensidade dos sintomas, além de relatar um nível muito alto de preocupação, tempo e esforço prejudicando o dia a dia do paciente. Por exemplo:

Paciente relata ter intolerância à lactose, apresentando todos os sintomas da condição sendo que o exame laboratorial é negativo. Diz que isso atrapalha sua rotina e que pensa nisso “o dia todo”.

Critérios Diagnósticos

Segundo o DSM-V, os critérios diagnósticos são:

A. Um ou mais sintomas somáticos que causam aflição ou resultam em perturbação significativa da vida diária;

B. Pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos relacionados aos sintomas somáticos ou associados a preocupações com a saúde manifestados por pelo menos um dos seguintes:

  1. pensamentos desproporcionais e persistentes acerca da gravidade dos próprios sintomas;
  2. nível de ansiedade persistentemente elevado acerca da saúde e dos sintomas;
  3. tempo e energia excessivas dedicados a estes sintomas ou a preocupações a respeito da saúde.

C. Embora algum dos sintomas somáticos possa não estar continuamente presente, a condição de estar sintomático é persistente (em geral mais de seis meses).

Especificar se:

Com dor predominante (anteriormente transtorno doloroso): este especificador é para indivíduos cujos sintomas somáticos envolvem predominantemente dor.

Especificar se:

Persistente: um curso persistente é caracterizado por sintomas graves, prejuízo marcante e longa duração (mais de seis meses).

Especificar a gravidade atual:

Leve: apenas um dos sintomas especificados no critério B é satisfeito.

Moderada: dois ou mais sintomas especificados no critério B são satisfeitos.

Grave: dois ou mais sintomas especificados no critério B são satisfeitos, além da presença de múltiplas queixas somáticas (ou um sintoma somático muito grave).

Por se tratar de um transtorno psiquiátrico, é um desafio para os médicos generalistas realizarem o diagnóstico. Assim como é de difícil entendimento para o paciente, pois ele não apresenta uma doença física, mas sim, sintomas psicológicos.

Mas espera! O que fazer quando me deparo com um paciente com transtorno de sintoma somático?

Primeiramente, você deve conhecer o paciente e suas comorbidades, pois ele pode ter alguma doença que necessite de seguimento regular. No dia a dia, suspeita-se de que o paciente tenha Transtorno de Sintoma Somático quando: a HDA (história da doença atual) é vaga e inconsistente; os sintomas são de longa data e causam prejuízo psicossocial; pensamentos excessivos, preocupação e comportamentos condizentes com sintomas somáticos; apesar da conduta médica de orientação, o paciente não se tranquiliza em relação às suas condições de saúde; vários tratamentos padrão não surtem efeito; verifica o corpo repetidamente em busca de alterações; atribui sensações físicas normais a doenças médicas.

 

Além da avaliação e investigação de doenças orgânicas, deve-se realizar um atendimento de forma integral, respeitando a individualidade do paciente, contendo clínico e físico completo e detalhado.

 

 

Se o paciente não apresenta uma doença orgânica, como devo tratar esse transtorno?

A primeira linha de tratamento do Transtorno de Sintoma Somático é a psicoterapia, principalmente a terapia cognitivo-comportamental. Os pacientes costumam apresentar resistência ao tratamento, por isso torna-se fundamental uma relação de confiança entre médico e paciente. Deve-se focar na redução de estresse e ansiedade, melhora de hábitos de vida, retirada de fatores estressantes, uso de práticas alternativas, meditação, prática de exercício físico.

Além disso, exames físicos regulares ajudam a tranquilizar o paciente, reafirmando que os médicos levam suas queixas a sério. Porém é importante ressaltar que procedimentos invasivos devem ser realizados só quando houver real necessidade.

A farmacoterapia com antidepressivos e/ou ansiolíticos será útil quando o paciente apresentar concomitantemente uma condição associada e responsiva a medicamentos, como o transtorno de ansiedade ou transtorno depressivo. Quando o transtorno de sintoma somático é secundário a outro transtorno psiquiátrico, deve ser tratado.

Vamos nos deparar com esse tipo de transtorno independente da especialização médica. Torna-se importante, após avaliação e investigação de doenças orgânicas, realizar uma escuta empática e acolhedora, investigando então a possibilidade de um transtorno psiquiátrico.

 

CURIOSIDADE:

Você sabia que Freud, no século 20, já estudava os nos sintomas somáticos?

Quando Freud estudava a psicanálise, notou que algumas mulheres paravam de andar ou perdiam a visão sem apresentar doença orgânica. Freud denominou tal comportamento como histeria, e percebeu que estava relacionado a uma causa psicológica. Com o tempo, os transtornos psicológicos mudaram de forma e conceito, já que hoje em dia há mais pessoas com transtornos de ansiedade do que com as histerias.


ACADÊMICAS: Maria Laura Rolim de Moura e Natália Hoppen

REFERÊNCIAS

James L Levenson, M; Somatic symptom disorder: evaluation and diagnosis. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate, 2020.

DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª Edição. American Psychiatric Association (APA)

KAPLAN, H.I; Sadock, B.J. Compêndio de Psiquiatria- Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 11ª ed. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 2017.

Júlia. Histeria, transtornos somatoformes e sintomas somáticos: as múltiplas configurações do sofrimento psíquico no interior dos sistemas classificatórios. J. psicanal., São Paulo , v. 47, n. 86, p. 115-134, jun. 2014 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352014000100012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 nov. 2020.

 

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