O Conselho Federal de Medicina (CFM) define prontuário como documento único, constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registrados e gerados a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente. De caráter legal, sigiloso e científico, o prontuário possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo. Para simplificar, é o conjunto de documentos relativos à assistência prestada a um paciente.
Esse documento pertence ao paciente, já que ali estão contidas informações referentes à sua saúde e ao seu tratamento. Cabe ao médico e à instituição de saúde, no entanto, elaborá-lo e guardá-lo de forma segura, sendo obrigatório que, quando solicitado, produzam uma cópia do mesmo para o paciente, conforme determinação do (Art. 88 e 90) Novo Código de Ética Médica.
Como visto, o prontuário médico é um documento importantíssimo na relação médico-paciente. Weber, em “O prontuário médico e a responsabilidade civil” (2010), justifica essa importância: “Ao inscrever as informações do atendimento realizado a um determinado paciente, o médico está, de fato, produzindo, de forma perene a história dos acontecimentos desse atendimento (p. 88).”
Esse histórico dos fatos médicos torna-se essencial nas lides judiciais. O mesmo autor afirma que o prontuário
“É o documento formal e oficial da prestação de serviço médico e como tal pode vir a servir, como de fato vem acontecendo, de materialidade probatória nos casos em que uma lide se estabeleça envolvendo o paciente e o seu médico.” (WEBER, 2010, p. 90)
O prontuário constitui-se, portanto, no principal documento constituinte de provas judiciais. Nos processos contra médicos, é nele que se baseará toda a sua defesa, pois ali estará registrado todo o tratamento a que o paciente foi submetido. Nesse ponto, vale insistir que o prontuário é decisivo, pois é nele que constará tudo o que foi prescrito ao paciente.
Com o prontuário se pode provar que os cuidados médicos aplicados ao paciente foram adequados. Assim, em casos de registros omitidos ou irregulares, o médico pode perder a possibilidade de comprovação de seus atos; nesse caso, as alegações do paciente passam a ter mais validade judicial. A falta ou a insuficiência dos registros pode ser substituída por prova testemunhal ou pericial.
Contudo, há um grande problema nos prontuários médicos: a sua ilegibilidade. Quando ocorre, torna-se difícil a compreensão dos procedimentos médicos, as prescrições médicas, medicamentos e os cuidados com o paciente, por toda a equipe médica. Enfim, a ilegibilidade atrapalha e muito a defesa dos profissionais da saúde, pois o ônus da prova cabe a eles, tendo em vista que a sua responsabilidade é subjetiva, ou seja, o médico precisa provar que não agiu com negligência, imprudência e imperícia.
A resolução 1.638/2002 do Conselho Federal de Medicina, em seu artigo 5º, alínea d), diz que:
“Nos prontuários em suporte de papel é obrigatório a legibilidade da letra do profissional que atendeu o paciente, bem como a identificação dos profissionais prestadores do atendimento. São também obrigatórios a assinatura e o respectivo número do CRM.”
As anotações precisam ser legíveis, como prescreve o Código de Ética Médica que, ao tratar da produção de documentos médicos, afirma que é vedado ao médico “Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.” (Art. 87)
Diante disso, é importante que os profissionais da saúde tenham uma boa caligrafia e que sua escrita seja legível e compreensível, pois a ilegibilidade das prescrições ou das receitas, por exemplo, pode ensejar troca de medicamentos ou seu uso indevido, o que pode ser fatal para o paciente e motivar penalidades judiciais.
A classe médica deve sempre observar o que dispõe o Art. 87 do Código de Ética Médica, principalmente nos receituários, pois pode comprometer a dispensação correta do medicamento, podendo afetar ou piorar o quadro de saúde do paciente.
Em caso de o médico ter uma letra ilegível sugere-se que procure fazê-la legível ou que escreva em letras de forma. Recomenda-se, portanto, que a linguagem escrita nos documentos médicos seja clara, concisa, sem códigos pessoais, sem excesso de siglas e sem abreviaturas desconhecidas.
Mas, não basta fazer registro legível no prontuário médico. O mesmo Artigo 87 do Código de Ética Médica, em consonância com o Art. 5º da Resolução CFM nº 1.638/2002, inclui orientações sobre o conteúdo e a forma de apresentação do prontuário:
“§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.” (CÓDIGO DE ÉTICA. Art. 87)
Em outras palavras, é preciso que, além de ser legível, o prontuário médico contenha os dados clínicos do paciente necessários para uma adequada condução do caso e que esses dados sejam preenchidos de forma correta, isto é, as informações clínicas do paciente devem ser registradas em cada avaliação e em ordem cronológica – com data, hora e assinatura do médico – bem como com o seu número de registro no CRM.
Weber (2010) leciona abrangência e clareza no preenchimento que se defende aqui:
“[...] quanto mais completas forem as anotações, mais claramente poder-se-á alcançar, com inteligência e de modo real para o momento de intervenção realizada, quais foram as possíveis motivações para a procura pelo atendimento, quais foram as condições em que o paciente se apresentou no primeiro atendimento, como a presença de sinais e sintomas foram determinantes para o diagnóstico e avaliação da gravidade do quadro nosológico apresentado, quais foram os exames complementares de diagnóstico e acompanhamento solicitados, qual ou quais foram as terapêuticas propostas, como foram a evolução e o prognóstico e, por fim, quais foram os fatores concorrentes para o desfecho clinico esperado ou não, entre tantos outros aspectos.” (p. 88-89)
Recomenda-se, portanto, que o prontuário médico não seja apenas mais legível; recomenda-se que seja completo.
Portanto, a ilegibilidade e a inobservância da obrigação de registro dos dados clínicos do paciente, obedecendo o protocolo estabelecido no Artigo 87 do Código de Ética Médica, pode levar seu autor aos tribunais. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já julgou matéria sobre o assunto, como pode ser observado no REsp 232.623/GO[1].
Segundo sua ementa, trata-se de uma ação de indenização por danos morais, materiais e estéticos diante da ausência objetiva de informações e consequente falha do prontuário médico, o que levou à seguinte colocação e decisão do Relator, ministro Antônio Carlos Ferreira:
[...] verifica-se que o [prontuário] sequer foi detalhado quanto ao procedimento cirúrgico. realizado no dia 09/02/2006, a par de mera alusão à metodologia empregada, qual seja, ‘videolaparoscopia’. Outrossim, insta ressaltar que tal prontuário é falho e viciado no que concerne às determinações previstas pelo Código de Ética Médica, seja pela caligrafia ilegível dos médicos que torna inviável a compreensão sobre as anotações realizadas, bem como pela ausência de informações acerca do estado de saúde da paciente. Consoante bem consignado pelo magistrado singular, ‘não se pode imaginar que uma paciente submetida a um processo cirúrgico só tenha tido novo acompanhamento 13 (treze) dias depois. Na narrativa do prontuário (f.95), após aquela mísera anotação do dia da cirurgia, 09/02/2006, o novo apontamento médico no prontuário só deu-se em 22/02/2006 (...). Ao que consta a paciente estava internada durante todo este período, porque não houve. Nenhum registro de alta’ [sic].
Portanto, irregularidades como a falta de registro de dados clínicos do(a) paciente/seu estado de saúde e do correspondente detalhamento sobre os atos executados no exercício profissional/procedimentos diagnósticos e terapêuticos, de apontamento regular das avaliações médicas/acompanhamento e, inclusive, o registro ilegível/letra indecifrável de tudo isso, tornam a prova/o prontuário médico imprestável e tiram do profissional do Direito (seu advogado) a possibilidade de comprovar a licitude da conduta profissional do(a) médico(a) que busque sua defesa.
Em sentido contrário, um prontuário regular e bem preenchido segundo normatiza a legislação citada, pode ser a diferença entre o êxito ou o insucesso em uma ação judicial ou em um processo administrativo no âmbito do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Para reforçar a importância do prontuário médico bem preenchido, Weber (2010) insiste: “[...] o prontuário preenchido completamente pelo médico, mais do que afastá-lo de uma infração ética perante o Conselho Regional de Medicina, pode ser a única saída capaz de absolvê-lo de uma condenação pelo Tribunal de Justiça.” (p. 90)
Por conseguinte, o prontuário é um documento importantíssimo como meio de defesa ao médico. Disso decorre a imprescindibilidade de que o seu preenchimento seja feito da forma mais completa e cuidadosa, já que é nele que pode estar a diferença entre o sucesso ou insucesso de uma defesa nas dispendiosas ações judiciais, assim evitando um grande transtorno ao profissional da saúde.
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Resp nº 232623/GO Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA DJE 16/10/2018 Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2019]. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201201949348&aplicacao=processos.ea> Acesso em: 09 nov. 2019.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.638/2002, de 10 de julho de 2002. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 153, p. 184/185, de 09 de agosto de 2002.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. [Código de Ética Médica]. Resolução nº 1931/2009. Aprova o Código de Ética Médica. Disponível no site do Conselho Federal de Medicina, em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 06 nov. 2019.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. [Novo Código de Ética Médica]. Resolução nº 2.217/2018, de 27 de setembro de 2018. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 211, p. 179, de 01 de novembro de 2018.
WEBER, César Augusto Trinta. O prontuário médico e a responsabilidade civil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
[1] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 232.623 - GO (2012/0194934-8) RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA AGRAVANTE: ASSOCIAÇÃO DE COMBATE AO CANCÊR EM GOIÁS ADVOGADO : ELIANE OLIVEIRA DE PLATON AZEVEDO E OUTRO (S) - GO007772 AGRAVADO : EDINÉIA SOUZA DA CONCEIÇÃO ADVOGADO : SAMUEL MACEDO DE FARIA PACHECO E OUTRO (S) - GO024300. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=88376255&tipo_documento=documento&num_registro=201201949348&data=20181016&formato=PDF. Acesso em: 17 dez. 2019.
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