O filósofo alemão, Martin Heidegger, afirma que o homem é um ser para a morte, sendo a morte a única certeza que se tem dessa vida e ela deve ser compreendida de acordo com a forma que cada um se relaciona com o mundo.
A morte é um fenômeno universal, um ponto terminal e inevitável, porém, não é assim que a maioria dos indivíduos a encaram. É notório que o homem, ao longo do tempo, vem tentando e desafiando a morte, pois vencer a morte e alcançar a imortalidade sempre foi o anseio da humanidade.
Todos os seres vivos nascem e morrem. O que diferencia o homem dos demais seres vivos, contudo, é a consciência de sua finitude, consciência de ser mortal. Dessa forma, o homem tende a afastar-se de temas que lhe causem angústia. Dentre esses, a morte. Tudo que diz respeito a ela tende a ser evitado e é algo muito desconfortável de ser visto, pensado e falado.
Falar de luto e passar pelo luto é lembrar-se da sua própria mortalidade. É vislumbrar que poderia ser a própria pessoa a vítima. Talvez essa seja a resposta para tantos tabus e resistências ao tema luto e morte. As pessoas evitam falar do tema para não trazerem à consciência as suas impotências, fracassos e a própria finitude.
Portanto, haja vista o ponto de partida de um panorama minimizado de aspectos existenciais a um dos questionamentos expostos pelo existencialismo, a morte, a assertiva tem como objetivo abordar as percepções transcendentais de alguns filósofos da humanidade.
Platão e Epicuro
Ao contrário da ênfase exacerbada no mundo das ideias proposta por Platão, a filosofia epicurista tem como princípio básico a felicidade (eudaimonia), obtida pela prática da ataraxia, isto é, pela calma e apatia em relação aos apetites mundanos.
Para isso, suas doutrinas valorizam o prazer como algo natural, argumentando que a realização de nossos desejos espontâneos pode ser benéfica para a saúde - simultaneamente, do corpo e da alma - desde que equilibrados pelo uso ponderado da razão.
Diferente do pensamento socrático-platônico, a filosofia de Epicuro é marcada por seu caráter preponderantemente hedonista, ou seja, favorável aos prazeres moderados. Um dos grandes méritos de Epicuro foi ter contribuído para libertar as pessoas do medo, e sobretudo, da morte.
Ao considerar o ser humano como uma entidade coesa, formada por um conjunto de átomos em movimento, Epicuro concebe o fim da vida como um processo tão inevitável quanto natural, descrito como a simples dissolução dessas partículas elementares - que, mais tarde, se reunirão novamente, dando origem a outros seres. Razão pela qual o filósofo sustenta:
"A morte nada significa para nós".
Ao contrário do que acreditavam Sócrates e Platão, ele justifica sua convicção:
"A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo".
Arthur Schopenhauer
Schopenhauer apresenta a morte como pedra chave para a filosofia, como pode ser evidenciado em algumas passagens de seu livro "A metafísica da morte":
"No fundo, entretanto, somos uno com o mundo, muito mais do que estamos acostumados a pensar: sua essência íntima é nossa vontade; seu fenômeno é nossa representação. Para quem pudesse ter clara consciência desse ser-uno, desapareceria a diferença entre a persistência do mundo externo, depois que se está morto, e a própria persistência após a morte."
Enquanto a filosofia permanece desconhecida, o homem vive de forma tranquila e é o conhecimento de sua existência e a percepção de que se é finito que o torna temente à morte. Essa visão reitera a ideia de que um dia a matéria terá fim:
"O animal vive sem conhecimento verdadeiro da morte: por isso o indivíduo animal goza imediatamente de todo caráter imperecível da espécie, na medida em que só se conhece como infinito da espécie, na medida em que só se conhece como infinito. Com a razão apareceu, necessariamente entre os homens, a certeza assustadora da morte".
Sören Kierkegaard
Kierkegaard, pensador existencialista, defende a ideia de que "o morrer à própria morte significa viver". Esse pensamento se aplicaria tanto no âmbito individual quanto coletivo, pois a minha morte ou a morte de outrem representaria uma condição do viver, tanto pra mim, quanto para os espectadores do meu morrer.
Como o ser é sempre um "ser com outros", durante nossa existência percebemos diversos morrer, já que a morte do outro implicaria de alguma forma a morte de "certa" parte de mim que fazia parte do outro. A dor do "existir" consiste em ver a morte avassalar a existência do não-eu, percebendo que não consigo ensaiar o meu morrer com a morte do outro, já que é uma das experiências únicas e intransferíveis.
O "morrer" e o "não-morrer" não consiste apenas no tocar em um corpo anestesiado e sem sensibilidade, consiste em querer "sentir" e perceber uma subjetividade humana, que não mais está acessível, a não ser, através de relatos, escritos ou até mesmo memórias.
É interessante frisar que algumas pessoas, mesmo depois de morrerem, permanecem mais ativamente na vida de alguns que ficam, que muitos vivos. Essa "permanência" se dá no sentido de que, algumas pessoas ficam "presas" emocionalmente a existência dessa pessoa que se foi e acabam não percebendo os vivos que ficaram e que continuam existindo. Nessa direção o morto, não existe no mundo, mas em termos de ente, “aqueles que ficam podem ainda estar com ele”. Assim, ele alega:
Pelo fato de o ente ter seu lugar no Ser, ninguém precisa se afligir. Sabemos que, ente é aquilo que é. Se ente é aquilo que é, ao morrer o homem deixa de ser o que é, existe ou pode existir para "ser o que foi".
Friedrich Nietzsche
Para o filósofo, o homem vivencia a morte de duas formas, de forma covarde ou voluntária:
"A morte covarde pode ser definida, em poucas palavras, como a experiência da morte como um acaso, cujo efeito imediato é o desejo de morrer. Nesse caso, deseja-se morrer porque se morre. A falta de longevidade da vida basta para que se pregue o abandono da mesma. Aqueles que pensam assim, dirá Nietzsche, são os pregadores da morte".
Para fundamentar sobre as consequências da morte covarde, Nietzsche faz menção à lembrança inerente ao homem, considerado por ele como a causa de todo o sofrimento humano, sendo este submetido ao tempo que passa, perdendo a possibilidade de mudança da realidade. O homem não tem noção real de tempo, sendo acometido à morte que "parece ser um acidente que assalta". A morte surge, para essas pessoas, como uma fatalidade.
Por fim, a raiva da morte surge na esteira da raiva do tempo. O espírito de vingança, ao condenar o tempo que impede o homem de ser inteiramente aquilo que se é, condena a morte inevitável quando diz: "tudo perece, tudo, portanto, merece perecer". Nesse sentido, a raiva do homem dirigida à inescapável finitude causada pelo tempo reflete-se, como não poderia deixar de ser, na repulsa da morte, o acaso mais radical.
Martin Heidegger
Para Heidegger, o homem está especialmente mediado por seu passado: o ser do homem é um "ser que caminha para a morte" e sua relação com o mundo concretiza-se a partir dos conceitos de preocupação, angústia, conhecimento e complexo de culpa. O homem deve tentar "saltar", fugindo de sua condição cotidiana para atingir seu verdadeiro "eu". O panorama de sua teoria é o do sentido de "ser": os modos e as maneiras de enunciação e expressão de ser. Nesse sentido, o importante está em alcançar o melhor sentido de ser, para enfrentar a morte.
A morte constitui uma limitação da unidade originária do "ser-aí", significa que a transcendência humana, o "poder-ser" (Dasein), contém uma possibilidade de não-ser. Diz Heidegger:
"O 'fim' do ser-no-mundo é a morte. Esse fim, que pertence ao poder-ser, isto é, à existência, limita e determina a totalidade cada vez possível do Dasein".
Entretanto, o caráter aparentemente negativo da morte apenas se coloca quando a morte é tomada no sentido vulgar de ser o momento do término físico da vida. Mas há um lado positivo na morte, isso se o ser humano assume o seu "ser-para-a-morte", isto é, leva em conta que a morte é um fenômeno da própria existência e não do término dela.
A morte apenas tem sentido para quem existe e se põe como um dado fundamental da existência mesma. Assumir o ser para a morte, porém, não significa pensar constantemente na morte e sim encarar a morte como um problema que se manifesta na própria existência.
Depois de termos morrido não podemos mais sentir a morte. É um fato que a morte é algo que apenas podemos experimentar indiretamente, no outro que morre. A morte tem este aspecto paradoxal de apenas surgir quando não pode mais constituir um problema para o Dasein, a não ser que ele a assuma como a sua mais própria essência na própria existência. Na verdade, o conceito de morte é uma espécie de angústia ampliada e mais definida na direção de uma caracterização fundamental de nossa existência.
Há na morte um elemento de transcendência capaz de nos tirar das ocupações cotidianas. A tomada de consciência do "ser-para-a-morte" leva a um questionamento de todo o ser, no sentido de que o ser-humano se coloca radicalmente diante de seu ser. Assim como a angústia, "a antecipação da morte singulariza o ser-aí".
Em suma, o que a analítica da existência de Heidegger nos apresenta é a interdependência mútua dos conceitos de medo, angústia, nada e morte. O papel destes conceitos consiste, pois, em gerar no ser-humano, o ser-aí, uma possibilidade para assumir sua autenticidade.
Somente a partir destes fenômenos ocorre a virada na existência humana, quando o homem é tocado em seu ser pelo apelo do Ser. Seu despertar não se dá por meio do que costumeiramente se designa de alegria ou felicidade. Pelo contrário, para a ética heideggeriana, vale sobretudo a finitude humana dos momentos de negatividade.
Os cinco estágios do luto
A psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross foi convidada por estudantes para participar de um projeto de pesquisa do Seminário Teológico de Chicago. Por meio de discussões a respeito das crises humanas escolheram a morte como tema de estudo, por ser ela a experiência mais complexa e desafiadora.
Foram levantados dados sobre esse tema por meio de entrevistas com pacientes em fase terminal. Durante a realização do estudo surgiram muitas questões e ela observou nos relatos que apareciam algumas situações comuns aos pacientes, sendo elencados pela autora como os cinco estágios ou atitudes diante da morte e do morrer.
- O primeiro estágio é marcado pela negação e o isolamento, onde o paciente nega aquele diagnóstico e isola-se como forma de evitar as comunicações que poderiam acabar com sua negação.
- O segundo estágio é a raiva, quando não é mais possível manter a negação do diagnóstico. Diante da nova realidade o paciente pergunta indignado: “Por que isto foi acontecer comigo”?
- A autora segue relatando os estágios e o terceiro é a barganha. Após a revolta com Deus e com as pessoas, a nova tentativa é barganhar ou tentar adiar o inevitável. Na maioria das vezes as barganhas são feitas com Deus.
- O quarto estágio é a depressão. Nesse estágio já não se pode mais negar, e a revolta e a raiva cederão lugar a um sentimento de grandes perdas. A depressão é um instrumento na preparação da perda eminente para facilitar o estado de aceitação.
- O quinto e último estágio é a aceitação. Ele pode ser visto como uma fuga de sentimentos. Seria como se a luta tivesse cessado e fosse chegando o momento de repouso, preparação para o descanso final.
Esses estágios têm uma duração variável, podendo um substituir o outro ou encontrar-se. O único fator que acompanha na maioria das vezes todos os estágios é a esperança de encontrar alguma cura ou produto para estancar a morte em curso.
Referências:
1-"O ciclo da vida"- Lya Luft (VEJA,2014).
2-"A angústia, o nada e morte em Heidegger": https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732003000100004
3- "Os cinco estágios do luto para a Psicanálise": https://www.psicanaliseclinica.com/os-5-estagios-do-luto/
4- "O luto na clínica psicológica: um olhar fenomenológico": file:///C:/Users/figue/Downloads/1546-Texto%20do%20artigo-5159-1-10-20140209.pdf
5- "A morte e o luto na perspectiva humanista": file:///C:/Users/figue/Downloads/3181-Texto%20do%20artigo-14436-1-10-20180319.pdf