As pesquisas clínicas com psicodélicos, como MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) e psilocibina, têm despertado crescente interesse da comunidade médica e científica, especialmente diante do seu potencial terapêutico em transtornos mentais resistentes ao tratamento convencional, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). No entanto, um obstáculo persistente impedia o avanço regulatório e a reprodutibilidade dos estudos: a ausência de critérios padronizados para relatar os fatores psicossociais que influenciam os efeitos dessas substâncias.
Um estudo da Nature Medicine representa um divisor de águas nesse cenário. Liderado por pesquisadores da McGill University (Canadá), do Imperial College London (Reino Unido) e da University of Exeter (Reino Unido), o trabalho resultou nas primeiras diretrizes globais para a condução de ensaios clínicos com psicodélicos, batizadas de ReSPCT – Reporting of Setting in Psychedelic Clinical Trials.
O ReSPCT é um checklist de 30 itens desenvolvido com base em um estudo de consenso do tipo Delphi, envolvendo 89 especialistas de 17 países. O objetivo foi identificar e padronizar os principais fatores contextuais que afetam a experiência com psicodélicos em ambiente terapêutico — tais como o estado emocional do paciente, o ambiente físico da sessão, o tipo de acompanhamento terapêutico e até mesmo a música utilizada.
Segundo a coautora Chloé Pronovost-Morgan (McGill e Imperial College), “dois ensaios clínicos com o mesmo psicodélico e na mesma dose podem gerar resultados totalmente distintos dependendo do ambiente”. Essa afirmação reforça a importância do conceito de "set and setting", amplamente discutido desde os primórdios das pesquisas com substâncias psicodélicas nos anos 1950 e 60, mas raramente formalizado em protocolos clínicos.
Ao contrário da abordagem tradicional da farmacologia, que busca eliminar variáveis externas para isolar o efeito da droga, os pesquisadores do ReSPCT argumentam que o contexto é parte intrínseca da ação dos psicodélicos. Isso significa que variáveis como o vínculo com o terapeuta, a expectativa do paciente e a ambientação não devem ser "controladas" no sentido tradicional, mas documentadas e compreendidas como fatores ativos da intervenção terapêutica.
Esse novo padrão poderá:
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Melhorar a reprodutibilidade dos estudos clínicos, facilitando comparações entre ensaios realizados em diferentes instituições;
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Aumentar a confiabilidade dos dados enviados a agências reguladoras como o FDA;
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Evitar a rejeição de tratamentos promissores, como ocorreu recentemente com a terapia assistida por MDMA para TEPT, rejeitada pela FDA em parte pela inconsistência no relato do contexto nos ensaios clínicos;
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Acelerar a aprovação de tratamentos com evidência robusta, especialmente para pacientes com doenças mentais graves e refratárias.
Como parte da implementação dessas diretrizes, os autores organizarão, em outubro de 2025, um workshop internacional de três dias com apoio do programa Healthy Brains, Healthy Lives, da McGill University. O evento reunirá neurocientistas, clínicos e pesquisadores para discutir como incorporar o ReSPCT tanto em estudos clínicos quanto na prática terapêutica com psicodélicos.
Segundo Kyle Greenway, psiquiatra e coautor do estudo, “nossas diretrizes oferecem um novo padrão de excelência na pesquisa com psicodélicos, ajudando a levar esses tratamentos a quem mais precisa”.
Com o crescente interesse por terapias psicodélicas no Brasil — especialmente em centros universitários, programas de psiquiatria e espaços terapêuticos experimentais — a adoção do ReSPCT pode representar um importante passo para validar cientificamente essas abordagens e assegurar ética, segurança e eficácia nas intervenções.
Referência:
McGill University. "Clinical research on psychedelics gets a boost from new study." ScienceDaily. ScienceDaily, 3 June 2025. <www.sciencedaily.com/releases/2025/06/250603114816.htm>.