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ABDOME AGUDO: Você sabe como diagnosticar?

ABDOME AGUDO: Você sabe como diagnosticar?
Ana Carolina Sena
dez. 8 - 13 min de leitura
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Texto revisado pelo Dr. Ricardo Hoppen-Cirurgião do Aparelho Digestivo e Professor do Centro Universitário de Pato Branco-UNIDEP

Cenário: Pronto socorro

Paciente chega com um quadro clínico de dor abdominal aguda e de início súbito.

Você sabe como proceder?

            Abdômen agudo é uma das principais causas de atendimentos em caráter de urgência na prática médica. É caracterizada pelo início súbito de dor abdominal a qual é responsável por trazer o paciente ao serviço de atendimento. O diagnóstico correto deste quadro, dentro do tempo adequado a cada situação, melhora muito o prognóstico do paciente reduzindo as complicações e a mortalidade.
            Didaticamente podemos classificar inicialmente o abdome agudo em 5 grupos etiológicos: inflamatório, perfurativo, vascular, hemorrágico e obstrutivo. Confira os principais exemplos no quadro abaixo:

        A anamnese minuciosa, mesmo o paciente apresentando dor aguda, constitui-se na primeira grande ferramenta orientadora das hipóteses diagnósticas. O exame físico fundamenta a anamnese e pode ajudar na quantificação inicial da gravidade do caso e da necessidade de medidas de tratamento mais urgentes.

      Essa primeira abordagem, anamnese e exame físico, já indicarão se teremos tempo hábil para a realização de exames diagnósticos complementares sem comprometer o paciente e sem retardar seu tratamento, se estamos diante de um quadro de abdome agudo de tratamento clínico, de tratamento cirúrgico de urgência ou de emergência. Afinal, o diagnóstico de abdome agudo nem sempre significa intervenção cirúrgica.

            Na anamnese existem aspectos importantes que não podemos deixar de investigar e de detalhar.

  • A dor abdominal é o componente principal do quadro. É preciso caracterizar a dor em todos os aspectos:  
  1. Qual o local dessa dor: “Poderia me mostrar/apontar onde é essa dor?”
  2. Tipo da dor: “É uma dor que aperta e solta? É uma dor que parece que corta?”
  3.  Intensidade: “De 0 a 10, sendo 0 nenhuma dor e 10 a maior dor que você já sentiu na sua vida, você consegue definir um número para essa dor?”
  4. Irradiação: “Dói apenas nesse lugar ou sente que essa dor ‘anda’? Para onde essa dor ‘caminha’?”
  5. Início e duração: “Há quanto tempo começou? Essa dor é continua ou ela passa?”
  6. Como começou/existe algum fator desencadeante: “Como começou? O senhor estava fazendo algo quando sentiu isso pela primeira vez? Começou rápida/súbita?”
  7. Fatores de melhora e/ou de piora: “Existe alguma posição em que o senhor sente alívio dessa dor (posição antálgica)? Comer melhora ou piora ou não interfere?”
  8. Existe algum sintoma associado: “Sente alguma coisa junto/além dessa dor?” Se sim: o que? Qual sintoma começou primeiro?
  9. Evolução da dor: “Essa dor sempre foi desse jeito ou o senhor sente que ela piorou com o passar do tempo? Ela melhorou com o passar do tempo? Sempre teve essas características?”
  • Antecedentes de náuseas e vômitos: no abdome agudo deve-se investigar sobre esses sintomas, pois é comum seu aparecimento. Investigar se surgiram junto com a dor ou quanto tempo após o início da a dor. Questionar ao paciente sobre as características do vômito (alimentares ou biliosos) como seu aspecto, conteúdo, quantidade, consistência, coloração e frequência na qual ocorrem.
  • Parada de eliminação de gazes e fezes: pode ocorrer por obstrução mecânica ou por falta de funcionalidade orgânica. Deve-se questionar sobre quando o paciente evacuou pela última vez, e quando foi a última eliminação de flatos.
  • Doenças abdominais e/ou cirurgias prévias: Investigar situações prévias em que a doença pode evoluir para quadro inflamatório, obstrutivo ou perfurativo assim como intervenções cirúrgicas que tragam complicações. Por exemplo: doença diverticular do cólon, hérnias abdominais, doença péptica ulcerosa, doenças inflamatórias intestinais, aneurismas vasculares, doença inflamatória pélvica, calculose renal, entre outras.
  • Doenças sistêmicas associadas: diabetes, doenças neurológicas, hipertensão arterial, doenças autoimunes entre outras. Algumas destas comorbidades podem, em um quadro de abdome agudo, trazer alterações de sensibilidade e sensação dolorosa dificultando a caracterização do início da dor e postergando o tempo para que o paciente procure atendimento pela primeira vez.
  • Uso de medicamentos: Uso prolongado e/ou inadequado de certos medicamentos pode acarretar a um quadro de abdome agudo. Não esquecer de questionar o uso de anticoagulantes, de ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios não esteroidais (AINE’s).
  • Antecedentes ginecológicos e obstétricos: Investigar histórico ginecológico de doenças e seus tratamentos, histórico obstétrico, ciclo menstrual. Paciente pode, por exemplo, ter um cisto rompido ou uma gravidez ectópica.

            O exame físico deve ser minucioso, focado e realizado em tempo hábil para não atrasar a instituição de medidas terapêuticas clínicas ou cirúrgicas.

            A alteração de sinais como frequência cardíaca, pressão arterial, presença ou não de pulsos periféricos, assim como presença de palidez cutânea ou cianose na chegada do paciente podem indicar a presença de um quadro com maior gravidade e pior prognóstico.

            O exame físico abdominal deve ser completo!

  • Inspeção buscando abaulamentos locais (p.ex. hérnias), distensão abdominal, cicatrizes cirúrgicas.
  • À percussão dos quadrantes podemos ter indícios de situações como pneumoperitôneo (timpanismo na área hepática ou sinal de Joubert).
  • Auscultar todos os quadrantes abdominais a procura de ruídos hidroaéreos (o ambiente de pronto socorro ou sala de emergência nem sempre favorecem essa prática).
  • Além disso, deve-se palpar delicadamente todo o abdome, avaliando o local mais doloroso, a presença ou não de massa abdominal palpável e suas características, a irradiação da dor pela palpação. Avaliar sempre se existem sinais de irritação peritoneal localizada ou difusa em todo abdome. Essa avaliação faz-se pela palpação e descompressão brusca da parede abdominal o que causará dor e desconforto ao paciente.

            O exame de toque retal dever ser parte integrante do exame físico principalmente no paciente em que há suspeita de sangramento do trato gastrointestinal. O exame da bolsa escrotal pode ajudar na detecção de quadros herniários ou torções de testículo. Nas pacientes do sexo feminino o toque vaginal deve ser realizado também.      

            Realiza-se também a pesquisa de dor nas lojas renais através da percussão da região lombar (sinal de Giordano).

            É de extrema importância o médico ter conhecimento de causas extra-abdominais que podem simular um abdome agudo como: infarto agudo do miocárdio, pneumonias, cetoacidose diabética, herpes zoster, fibromialgia, entre outras.

           Ao ter conhecimento dessas patologias é possível suspeitar delas ou descartá-las durante a realização de uma boa anamnese e exame físico.
            Cada um dos tipos de abdome agudo citados anteriormente possui sinais e sintomas característicos, além de exames que podem auxiliar tanto no diagnostico como na conduta. Observe no esquema abaixo:  

             A realização de exames complementares laboratoriais ou de imagem depende da suspeita clínica levantada durante a história e o exame físico. Além dos exames de laboratório e de imagem muitos casos de abdome agudo têm seu diagnostico confirmado apenas na realização de uma videolaparoscopia ou de uma laparotomia exploradora.

Mas o que cada exame pode indicar ou elucidar?

            Através da análise do hemograma é possível identificar a presença de anemias e infecções bacterianas que quando presentes no início do quadro podem indicar indício de mau prognóstico.

            No exame comum de urina podemos identificar a presença de leucocitúria ou hematúria sugerindo quadros infecciosos da via urinária ou obstrutivos (litíase) como causas do abdome agudo.

            A alteração na dosagem da amilase e da lipase auxilia na suspeita do diagnóstico das pancreatites agudas.

            Outros exames laboratoriais como coagulograma, provas de função hepática, teste de gravidez, sorologias específicas, dosagem de ureia e creatinina sérica, gasometria, podem ser úteis de acordo com a suspeita diagnostica do médico.

            Nos exames de imagem podemos dispor das radiografas simples convencionais de tórax e abdome, a ultrassonografia abdominal, a tomografia computadorizada, e os estudos angiográficos convencionais ou por angiotomografia que podem auxiliar ou definir o diagnóstico de abdome agudo.

            O exame radiográfico simples do abdome é fácil e simples de ser realizados e deve ser solicitado na maioria os casos de abdômen agudo. Esse exame traz informações úteis para o diagnóstico de quadros de abdome agudo perfurativo, inflamatório e obstrutivo. Como, por exemplo, em quadros de pneumoperitônio, tumorações inflamatórias, íleo paralitico e distensão de alças a montante da oclusão. É possível observar outras alterações como elevação da cúpula frênica, líquido intra-abdominal, opacidade ou velamentos, distensão de intestino delgado ou dos cólons, edema de alças intestinais, íleo regional, dilatação colônica, níveis líquidos hidroaéreos, aerobilia, corpos estranhos, imagens de abscesso e cálculos vesiculares, renais e ureterais.

            A ultrassonografia é um exame barato, não invasivo, realizado na beira do leito não exigindo a remoção do paciente, e que pode auxiliar no diagnóstico de algumas causas de abdome agudo como colecistite, apendicite aguda, sinais de diverticulite aguda, ruptura de uma gravidez ectópica e torção ovariana. É útil também na identificação de líquido livre na cavidade abdominal e de complicações como abcessos, empiema e perfurações.

            A tomografia permite identificar lesões infamatórias, perfurações, oclusões (mecânicas ou funcionais), abscessos, oclusões vasculares, neoplasias e doenças associadas. É particularmente útil para a avaliação de causas retroperitoniais de abdome agudo.

   Para facilitar, o diagnóstico é realizado de acordo com o algoritmo abaixo:

Fonte: ZATERKA, Shlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia: da graduação a pós-graduação. São Paulo: Atheneu, 2011.

COMO É O TRATAMENTO?

O tratamento depende da etiopatogenia do abdome agudo.

            Se o paciente está instável hemodinamicamente, com sinais de perdas sanguíneas ou sinais de sepse é necessário primeiramente realizar a ressuscitação com fluidos e/ou drogas vasoativas buscando a estabilização. Ainda na presença de infecção generalizada é necessário administrar antibióticos de amplo espectro em tempo hábil. Na suspeita de emergência cirúrgica com base na apresentação ou achados físicos, o cirurgião deve ser chamado e participar da continuidade da avaliação.

            Em resumo o tratamento do abdome agudo consiste em:

  • Abdome agudo inflamatório: o objetivo do tratamento é o controle da causa inflamatória, da infecção e da fonte de contaminação, com exérese do órgão ou da víscera comprometida se necessário, além de realizar drenagens amplas e suturas. O uso de antibioticoterapia de amplo espectro deve ser avaliado de acordo com as condições clínicas de cada paciente.
  • Abdome agudo perfurativo: o tratamento irá depender do órgão perfurado, do tempo de evolução, da contaminação ou não da cavidade peritoneal e do estado geral do paciente. Na maioria dos casos é realizado tratamento cirúrgico com a sutura simples da perfuração, sendo necessária a lavagem exaustiva da cavidade peritoneal e a drenagem adequada dela. Em outros casos também está indicada a ressecção do segmento perfurado. Se houver contaminação da cavidade peritoneal ao invés de anastomoses deve-se optar pela ileostomia ou colostomia.
  • Abdome agudo vascular ou isquêmico: geralmente quando o diagnostico é realizado já existe necrose de diversos segmentos das vísceras acometidas e então o tratamento cirúrgico consiste em realizar a ressecção da área isquêmica e efetuar a reconstrução do trânsito intestinal. Se houver obstrução arterial deve-se realizar a desobstrução ou a revascularização.
  • Abdome agudo hemorrágico: o tratamento irá depender da víscera lesada. Podendo ser realizado suturas e hemostasias do órgão lesado ou a sua retirada parcial ou total. Em casos traumáticos deve-se lembrar que pode haver lesão de fígado e baço, sendo que em pacientes estáveis com lesões não extensas pode ser realizado o tratamento clínico conservador, mantendo o paciente sob observação.

O abdome agudo requer rápida intervenção tanto no diagnostico quanto no tratamento.  

        É um quadro clínico que pode se apresentar de maneira sutil ou obvia, por isso é necessário ter conhecimento, experiência e alto grau de suspeição para realizar seu reconhecimento. Além disso, conseguir avaliar se existe tempo hábil para a realização dos exames diagnósticos complementares ou se deve ser feita uma intervenção imediata com a realização da ressuscitação. E por fim, saber se existe a indicação cirúrgica ou não e qual o melhor tempo para sua indicação.

            Espero que tenha ficado claro, e que agora você saiba como proceder no pronto socorro se chegar um paciente com um quadro clínico de dor abdominal aguda e de início súbito.

 

Referências:

PATTERSON, J. W.; SARANG KASHYAP; DOMINIQUE, E. Acute Abdomen. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459328/>. Acesso em: 4 dez. 2020.

‌ZATERKA, Shlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia: da graduação a pós-graduação. São Paulo: Atheneu, 2011.

             

 


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