Já aconteceu de você formar uma opinião sobre alguém baseada em apenas uma única observação? E se pensarmos numa forma de avaliar as pessoas que vai além do que aparece à primeira vista?
Este artigo, traz a abordagem "olhar duas vezes, perdoar uma", desafiando noções tradicionais de reputação e cooperação.
A cooperação entre indivíduos sempre intrigou cientistas e pesquisadores, especialmente em uma sociedade moderna inundada por informações nas redes sociais. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, e de Princeton, trazem novas perspectivas sobre o conceito de reciprocidade indireta e a construção da reputação. Este trabalho além de enfatizar a complexidade das interações humanas, também propõe uma maneira revolucionária de fomentar a cooperação em larga escala, reexaminando como percebemos e respondemos às ações dos outros em nosso cotidiano conectado.
Segundo o estudo, a cooperação em larga escala depende da forma como as reputações são formadas e percebidas em sociedade. Tradicionalmente, as reputações eram vistas de maneira binária: boa ou má, baseadas em informações limitadas. No entanto, a disponibilidade de informações detalhadas sobre o comportamento das pessoas, especialmente através das redes sociais, sugere que essa visão pode ser expandida.
Sebastián Michel-Mata, doutorando no laboratório de Tarnita, propôs uma ideia simples, porém revolucionária: as reputações são resumos de múltiplas ações. Mari Kawakatsu, pesquisadora pós-doutorado no laboratório de Plotkin, adiciona que "em vez de uma única ação definir a reputação de alguém, olhamos para várias ações dessa pessoa para ver se elas são predominantemente boas ou ruins".
A pesquisa utilizou modelagem matemática para demonstrar que observar múltiplas ações e perdoar algumas más ações é uma maneira eficaz de julgar comportamentos, sustentando a cooperação social através de uma metodologia que eles chamaram de "olhar duas vezes, perdoar uma". Este método provou gerar um consenso suficiente para promover a cooperação sem a necessidade de recorrer a mecanismos formais ou sistemas de controle social para regular e impor a concordância sobre as reputações.
O modelo teórico utilizado foi o do jogo de doação única, uma forma simplificada do dilema do prisioneiro, onde cada jogador decide ajudar ou não o parceiro com base na observação das interações deste com outros jogadores. "Não é que eu seja gentil com Mari porque ela foi gentil comigo; sou gentil porque ela foi gentil com Josh, e eu tenho uma boa opinião sobre Josh", explica Taylor A. Kessinger, outro pesquisador pós-doutorado envolvido no estudo.
Surpreendentemente, a equipe descobriu que a estratégia de "olhar duas vezes, perdoar uma" não pode ser substituída por outras estratégias, como sempre cooperar ou sempre trair. Olhar mais de duas vezes também não trouxe benefícios adicionais, o que sugere que, mesmo com acesso livre à informação, os indivíduos não evoluíram para usar todo o volume de dados disponíveis, o que se mostrou ser uma espada de dois gumes.
Os resultados desse estudo desafiam os modelos teóricos existentes sobre cooperação e reputação, e oferece insights para antropólogos e cientistas comportamentais que buscam compreender as bases da cooperação humana. As implicações são vastas, abrangendo desde a interação em múltiplos contextos, como trabalho e vida pessoal, até as complexidades de comportamentos privados que se tornam públicos.
Este estudo continua a colaboração entre os laboratórios de Plotkin e Tarnita, explorando como as pessoas interagem em diversos contextos e tocando em uma gama de problemas sociais contemporâneos. A pesquisa deixa claro que, mesmo em um mundo saturado de informações, simples estratégias comportamentais podem ser incrivelmente eficazes para manter a cooperação social.
Referência:
- University of Pennsylvania. "A method of 'look twice, forgive once' can sustain social cooperation." ScienceDaily. ScienceDaily, 26 September 2024. <www.sciencedaily.com/releases/2024/09/240926132048.htm>.
- Michel-Mata, S., Kawakatsu, M., Sartini, J. et al. The evolution of private reputations in information-abundant landscapes. Nature (2024). https://doi.org/10.1038/s41586-024-07977-x