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Antes médico, agora, paciente

Antes médico, agora, paciente
Medicina em Crônicas - Elomar R. Moura
fev. 6 - 4 min de leitura
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— Edward?

— Em que posso ajudar? Respondi ainda terminando de aprontar algumas prescrições.

— Já estou de saída, quer ficar com as chaves para fechar a sala?

Após tantas horas, as nádegas já haviam passado do estágio de estarem doloridas, coloquei-me de pé frente a mesa maciça de cherry. Fechei a porta e voltei a sentar já sobre analgesia das horas e horas de consultório. Então surge o sinal grave no sistema sonoro, interrompendo a música corrente,  indicando, assim, o fim do expediente no hospital.

A psiquiatria tem essa peculiar característica, não utilizamos estetoscópios, otoscópios ou qualquer outro acessório, o exame do paciente dependerá, quase que exclusivamente, da fala, do diálogo. Eu, Edward, nem sequer utilizo jaleco, sinto que isso afasta os pacientes de mim, sei que é contra a norma do hospital, porém, nem sempre a teoria corresponde a prática. Prefiro vestir-me todo de branco, dos sapatos à camisa.

Empurrei o interruptor para baixo, as luzes se apagaram. Saí da minha sala, caminhei até o corredor dos alojamentos dos pacientes e dei uma última olhada em cada quarto, todos dormiam profundamente com suas vestes também completamente brancas. O ambiente sempre era ritmado pela música clássica que acreditamos em um potencial tranquilizante sob os pacientes. Essa noite, a famosíssima ária da ópera Turandot, “Nessun dorma”. De fato, ouvir Luciano Pavarotti cantá-la é encantador.

Hora de descansar. Recentemente, a mente pede mais repouso que o corpo. Despedi-me dos funcionários noturnos da instituição e saí do corredor de quartos dos pacientes apagando as luzes. Aquela ala, e grande parte do hospital em verdade, estava um breu completo, em face da necessidade de economia de energia e terceirização de serviços, a fim de diminuir os custos.

Assim, continuei caminhando até a entrada principal do hospital, quando ouço um chamado.

Trata-se de um dos seguranças recém-contratados.

— Senhor, para onde está indo?

— Olá! Boa noite, sou o Dr. Edward, estendi meu expediente um pouco além do convencional, entretanto, já estou de saída.

— Muito engraçado, já fui avisado previamente sobre as artimanhas. Por que não volta ao seu quarto?

— Quarto? Estou indo para casa agora, sou o psiquiatra vespertino.

Vejo que ele toca em um dispositivo eletrônico no bolso e enquanto tento ainda argumentar percebo uma mão segurar de forma grosseira meu braço. Comecei a tentar retirá-la.

— Atenção equipe do setor de alojamento, um paciente idoso evadiu do seu quarto e está tentando realizar uma fuga.

— Eu sou o médico! Eu sou o médico! Me soltem, sou o Dr. Edward!

Três homens aproximaram-se e com feições seríssimas carregavam-me de volta ao corredor que eu estava anteriormente. Continuei em febre, debatendo, gritando, tentei chamar a atenção deles ao erro de forma enérgica.

De forma incisiva senti um beliscão, quando coloquei olhei atentamente, tratava-se de uma agulha.

A luz acendera-se no corredor, minha visão estava embaçada e meu corpo sem forças. Sabia que me arrastavam pelos braços de volta ao corredor dos pacientes.

A teoria sobrepôs-se a minha prática, não sei explicar o porquê, todavia, Pavarotti começou a mostrar-se mais belo do que qualquer outra ocasião.

Agora, deitado na cama, meu corpo relaxou, meus olhos fecharam-se contra minha vontade.

Escutei uma porta fechando-se e pela primeira vez a música clássica acalmou-me.

 


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