Um novo estudo de cientistas da África do Sul, ainda não revisado por pares, dá maior respaldo às evidências crescentes de que mutações compartilhadas pelas variantes do coronavírus detectadas no Brasil e na África do Sul podem não ser neutralizadas por anticorpos produzidos pelo organismo de quem já foi infectado pelo SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19. Estudos brasileiros indicam também que anticorpos de pessoas que já foram infectadas pelo vírus e se recuperaram da doença são menos eficientes em neutralizar a variante P.1
As origens da variante
Um estudo conduzido por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, publicado no final de fevereiro de 2021 e ainda não revisado por outros cientistas, mostrou que a P.1, identificada pela primeira em 4 de dezembro de 2020, passou a responder pela maioria dos casos de infecção em um mês e meio.
Os pesquisadores sequenciaram o genoma de 250 amostras do vírus colhidas em 25 municípios do Amazonas entre 16 de março de 2020 e 13 de janeiro de 2021. Em novembro, não havia nenhum caso da P.1. Em meados de dezembro, a mutação já respondia por 4% dos casos. No final do mês, era responsável por 45% dos casos, e por 73% até meados de janeiro, o que ilustra seu rápido crescimento.
Segundo o trabalho, a primeira onda de covid-19 no Amazonas foi causada pela variante B.1.195. Depois de um pico, sua presença foi caindo gradualmente até ser substituída em maio pela variante B.1.1.28, surgida no Sudeste do Brasil. Ramos dessas linhagens apareceram em municípios do interior, como Manacapuru, Iranduba e Manaquiri, no rio Solimões. A partir dessas cidades o vírus foi sendo disseminado para Manaus e outras localidades. Foi da linhagem B.1.1.28 que surgiu a P.1, na capital do estado. No Brasil, a variante P.1 já foi identificada em ao menos 17 estados. Especialistas acreditam que ela pode estar associada ao aumento de casos, mortes e internações que levaram o país a alcançar o pior momento da pandemia em fevereiro. Até o final do mês, metade dos estados brasileiros estava em situação crítica, com taxa de ocupação das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) superior a 80%.
Entendendo as variantes:
Qual a diferença entre mutações, variantes, cepas e linhagens?
O termo “variante” representaria qualquer mudança estrutural que o vírus possui, em comparação à sua versão original. Todos os organismos, micro-organismos e vírus passam por mutações que podem possibilitar melhores condições adaptativas e, consequentemente, maiores chances de sobrevivência às espécies. No caso do vírus, essas mudanças ocorrem de forma aleatória dentro de seu material genético. Durante a replicação de um agente infeccioso como o Sars-CoV-2, uma série de erros aleatórios podem acontecer, criando novas versões do vírus original a partir destas mutações. Caso estas mudanças sejam negativas para os “filhotes virais”, eles são eliminados. No entanto, se forem positivas ou não interferirem na sobrevivência da espécie, cada mutação se fixa em um “filhote viral”, que permanece vivo como uma variante do original e pode dar início a sua própria linhagem. Já o termo cepa pode caracterizar uma variante ou um grupo de variantes de uma linhagem diferente da original do vírus.
Por que mutações do vírus estão surgindo?
Em geral, os vírus sofrem mutações a todo momento e isto não é algo necessariamente bom ou ruim. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) avisou, em nota, que as mudanças em agentes infecciosos como o Sars-CoV-2 são comuns. As mutações acontecem porque, quando o vírus entra em uma célula, se replica para se espalhar. No entanto, a cada replicação, acontecem erros na cópia do material genético, originando outros vírus com algumas características diferentes – que podem impactar mais ou menos o comportamento dos novos agentes.
Quais são as principais:
Entre as mutações já descobertas do SARS-CoV-2 no mundo, a OMS volta a sua atenção para três específicas: a B.1.1.7 do Reino Unido; a P.1 do Brasil e a B.1.351 da África do Sul. Elas foram classificadas como “Variantes de Atenção no Mundo”.
A britânica teria como característica principal tornar o vírus mais transmissível e dominante, fato que facilitaria a disseminação da pandemia em maior quantidade. Já a sulafricana contaria com a capacidade de despistar o sistema imunológico humano, o que dificulta o combate ao vírus em uma infecção.
Por sua vez, a P1 desenvolvida em Manaus teria propriedades encontradas nas duas anteriores. Isso aumentaria ainda mais o seu perigo, ao dar mais vantagens ao vírus. O Brasil ainda teria uma variante P2, encontrada no Espírito Santo. Mas esta apenas seria mais transmissível, sem uma agressividade maior como a anterior.
Por que ela é mais contagiosa?
Sua maior capacidade de transmissão, segundo os pesquisadores, se deve às mutações na proteína S (ou Spike), que tem forma de espinhos e reveste o coronavírus. É essa proteína que faz o vírus grudar nas células humanas. As proteínas são formadas por aminoácidos, e as mutações fazem os aminoácidos trocarem de posição.
Na proteína S da P.1, dez aminoácidos sofreram mutações em comparação com a linhagem que lhe deu origem (B.1.1.28). Mas três dessas mutações são mais importantes, porque elas se ligam com mais força nos receptores presentes nas células humanas que facilitam a entrada do vírus. Essas três mutações também aparecem na variante B.1.351, surgida na África do Sul. Uma delas também foi identificada na variante britânica. Todas são mais transmissíveis.
Os pesquisadores da Fiocruz no Amazonas descobriram que uma pessoa infectada pela P.1 tem uma carga viral dez vezes maior do que doentes que tiveram contato com outras versões do coronavírus. A carga viral é a quantidade de vírus no organismo.
“Se a pessoa tem mais carga viral nas vias aéreas superiores, a tendência é que ela vai expelir mais vírus. E se ela está expelindo mais vírus, a chance de uma pessoa se infectar próxima a ela é maior”, afirmou o pesquisador Felipe Naveca, que liderou o estudo, ao site G1.
CONCLUSÃO:
Portanto, mesmo quem já foi infectado deve continuar se protegendo, já que a reinfecção pode acontecer. Quem já se contagiou com o novo coronavírus pode sim ser contaminado por uma variante. Inclusive, na literatura médica há relatos de pessoas que pegaram o Sars-CoV-2 originais e depois se contaminaram com uma variante em Manaus, que houve uma neutralização do vírus muito menor, tão menor que, em tese, são necessários cerca de 10 a 15 vezes mais anticorpos para neutralizar o mesmo vírus em comparação com a variante anterior. Apesar de não termos muitas informações, sabemos que algumas cepas carregam uma carga viral mais alta e possuem um maior poder de contágio. Por exemplo, por isso estão recomendando o uso de máscaras mais eficazes, o uso de álcool gel, e o mais importante, se manter em quarentena até que esteja vacinado com as duas doses das vacinas contra covid-19.
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Referencias
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3793486
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00183-5/fulltext
https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-55815168
https://jornal.usp.br/coronavirus/
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/cobertura-especial-covid-19-2/
https://www.researchsquare.com/article/rs-275494/v1