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As necessidades da Sociedade Covidiana

As necessidades da Sociedade Covidiana
Renata Campos Cadidé
mai. 9 - 11 min de leitura
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Devido à evolução acelerada da Pandemia COVID-19 e às mudanças impostas ao cotidiano de todos, uma série de teorias e análises sobre o futuro do trabalho, da educação, da alimentação,  de moradia, convivência social, lazer, e por aí vai, têm surgido.

O foco tem sido mantido em questões econômicas (claro!), e por insistência nas questões de saúde (apesar da falta de abnegação de uma crescente maioria, incluindo Vossa Excelência e seus Ilustríssimos), com pouco ou nenhum aprofundamento em questões que abordam os danos sociais à longo prazo e a instabilidade emocional.

Em abril integrantes da International Covid-19 Suicide Prevention Research Collaboration emitiram um parecer no periódico Lancet Psychiatry intitulado Suicide risk and prevention during the COVID-19 pandemic

Iniciam seus dizeres com a seguinte colocação:

"Os efeitos da pandemia da COVID-19 na saúde mental podem ser profundos e e é provável que as taxas de suicídio aumentem, e infelizmente isso não é evitável."

International Covid-19 Suicide Prevention Research Collaboration

Com base nesse paper e fazendo uso da licença poética que a Academia Médica oferece neste espaço, resolvi explorar as minúcias das necessidades da nova sociedade: A SOCIEDADE COVIDIANA.

 

Nesta sociedade em construção, as mudanças de estilo de vida estão subordinadas ao cenário pandêmico dinâmico, complexo e muitas vezes instável, própria expressão do mundo V.U.C.A (Volatility, uncertainty, complexity, ambiguity).

Por necessidade, adotou-se uma postura de distanciamento social que impossibilitou a manutenção dos relacionamentos nos moldes tradicionais.

O diálogo - ou a ausência de diálogo - para algumas pessoas influencia diretamente no seu modo de encarar a nova realidade.

Apesar da acessibilidade proporcionada pela tecnologia que hoje dispomos, diferentes elementos constitutivos fazem parte do conceito de necessidade que a nova sociedade covidiana requer. 

De modo divergente, aquilo que antes constituía a essência da Pirâmide de Maslow,  deve ser abordado numa rediscussão pertinente nessa nova etapa da história. 

 

A Pirâmide de Maslow

Abranam Maslow (1908-1970) foi um psicólogo norte-americano que fundamentou a teoria conhecida como “Hierarquia das Necessidades de Maslow”.

Nesta teoria, Maslow propôs que as necessidades humanas estão dispostas em hierarquias, em níveis de importância, desde a fisiologia humana até as necessidades mais elevadas, como a autorrealização.

De maneira simplista, caminhamos por níveis de necessidade tentando preencher nossas lacunas. De início, necessitamos do básico para nossa sobrevivência e, à medida que vamos progredindo, vamos tentando suprir carências no âmbito social e pessoal, nos tornando indivíduos saudáveis em todo nosso potencial.

Maslow nos dá um direcionamento, traça o caminho dos tijolos amarelos para autorrealização, mas não dispõe sobre as ações e comportamentos humanos que devem ser mantidos para segui-lo.

Aqui vemos a representação mais famosa dessa teoria através da "Pirâmide de Maslow", da necessidade mais simples à mais complexa: Fisiologia, Segurança, Amor, Pertencimento Autorrealização.

  • FISIOLOGIA: As necessidades básicas de sobrevivência como comida, bebida,  sono, respiração, relação sexual;
  • SEGURANÇA: Necessidade de proteção contra perigos, doenças, instabilidade financeira;
  • RELACIONAMENTOS: Relações interpessoais e relacionamentos afetivos;
  • ESTIMA: Desenvolvimento de autoconfiança, autonomia e autoestima;
  • AUTORREALIZAÇÃO: Realização pessoal e propósito.

Notem o pequeno coração que sinaliza o centro dessa pirâmide: Os relacionamentos.

Acredito que os relacionamentos tenham sido os primeiros à sofrerem as mazelas da Pandemia COVID-19. 

Num primeiro momento os relacionamentos comerciais foram os mais afetados, que culminaram no início da queda de desempenho econômico: fronteiras, empresas e aeroportos fechados.

Em seguida, as medidas de contenção da propagação do vírus: distanciamento, lockdown, quarentena, provocando o estreitamento das relações sociais.

O mundo se tornou PRIVADO DE LIBERDADE. Um mundo em LUTO. No qual o poder de um vírus é maior e mais importante que as relações interpessoais e pessoais.

Esse é o mundo da Sociedade Covidiana.

 

É claro que esse mundo pode ter diferentes e singulares significados para cada indivíduo. Mas, num todo, interrompemos nossa caminhada para a tal autorrealização. E neste momento regredimos...

Como fica nossa segurança?

Para um ser humano que não tenha relacionamentos (de maneira extrema) é muito provável que sua principal motivação seja a necessidade de segurança, afinal "com quem poderia contar além de mim"?

Nesse âmbito muitas, pessoas sentem-se inseguras, com medo quanto ao presente, quanto ao futuro, quanto ao trabalho e a economia, quanto aos estudos, quanto ao namoro e às amizades, quanto à família, quanto a quem vem, quanto a quem foi.

O luto tem sido sem despedida, etapa tão crucial para aceitação da falta de alguém. Você passa pela negação, pela raiva, pela barganha e parece ficar estagnado na pior de todas as não reações: a depressão.

A economia, em crescente queda, não tem previsão de alívio para as restrições de bloqueio. Pequenos negócios, que empreendem localmente, em cidades com lockdown também se enlutam quanto às boas perspectivas.

As operações de assistência em todo o país socorrem a poucos e não possuem capacidade de serem mantidas à longo prazo: ansiedade e desespero.

Os bancos anunciam programas de crédito para empresas e microempresas, salvo em casos de clientes com alguma forma de dívida em aberto ou com baixa movimentação. Mas caso eles não tenham notado, nossa economia já não vinha bem, não?  

"Os prováveis ​​efeitos adversos da pandemia em pessoas que já possuam uma doença mental e na saúde mental da população em geral podem ser exacerbados pelo medo, auto-isolamento e distanciamento físico."

International Covid-19 Suicide Prevention Research Collaboration.

Essa crescente onda de incertezas também afeta aqueles que são responsáveis pela manutenção da vida.

No momento de maior fragilidade emocional, médicos, enfermeiros, técnicos e equipes de saúde enfrentam a sua própria insegurança para evitar a exacerbação da insegurança alheia.

Se isolam dos entes queridos, buscando proteger os entes queridos dos outros. Criam seu mundo interno pandêmico dentro dos hospitais e das unidades de tratamento. Cresce a sensação de melancolia na anedonia, cresce o sentindo de impotência diante da situação.

E mais uma vez descemos na Hierarquia das Necessidades de Maslow.

Da falta de segurança retornamos a base fisiológica e percebemos doenças sendo desenvolvidas: depressão, ansiedade, estresse, doenças autoimunes, agudização de doenças preexistentes, competem com os pródromos da própria COVID-19, na dúvida se são sintomas compatíveis com quadros positivos da doença.

"Aqueles com distúrbios psiquiátricos diagnosticados podem experimentar agravamento dos sintomas e outros podem desenvolver novos problemas de saúde mental, principalmente depressão, ansiedade e estresse pós-traumático (todos associados ao aumento do risco de suicídio)."

International Covid-19 Suicide Prevention Research Collaboration.

O luto e a depressão, os estressores financeiros e a ansiedade, a fragilidade emocional e a impotência, são exemplos de fatores de risco para o SUICÍDIO.  

Neste tempo contabilizado por grãos de areia de uma ampulheta que ninguém sabe o tamanho, a corrida contra o vírus não tem um ponto final. E para algumas pessoas a incerteza é um peso cuja a medida é muito maior do que se pode suportar.

Agora com a chegada do inverno,  e o aumento dos “resfriados comuns”, entre aqueles que temem o vírus, essa sensação de insegurança tende a piorar.

A Teoria ERG

Um releitura feita por Clayton Alderfer,  também psicólogo norte americano, abordou a teoria ERG.

Nesta teoria aborda 3 categorias: Existência , Relacionamento e Crescimento (Growth). 

Essa teoria agrupa os cinco níveis hierárquicos de Maslow dentro de uma dessas categorias. Todavia a interpretação intuitiva é a mesma, de que existe uma relação sequencial dos níveis hierárquicos e o progresso é plausível pela integralidade do nível anterior.

Entretanto, diferente do que é aplicado na Teoria de Maslow, alguns estudiosos creem que não existe rigidez nos níveis da teoria ERG e que indivíduos imersos em ambientes diferentes priorizam as necessidades conforme maior demanda.

No entanto, faço valer aqui toda essa reflexão tendo o relacionamento como base para os demais níveis.

A existência, apesar de ter uma ameaça alarmante com a presença do vírus SARS-CoV-2, está subordinada às necessidades de relacionamento, ao desejo que as pessoas mostram de ter contato umas com as outras pessoas, de ter o prazer da companhia, de ter a retomada de suas relações laborais, do seu dia-a-dia de população, somente assim, vale a pena a existência, a vida no mundo não solitário.

Não sou apta a dizer o que se deve ou não fazer para se ter controle de uma situação tão crítica quanto esta. Mas, como pessoa e indivíduo que sente, acredito que diminuir a dor do outro não é a abordagem adequada. 

Inverta a pirâmide

Comece pela autorrealização, comece pelo propósito e chegue ao nível do seu maior potencial.

É evidente que a humanidade está fragilizada e é exatamente por isso que é preciso abordar uma mensagem sem o humanitarismo vago do "vai ficar tudo bem" e "tudo vai dar certo". A motivação tem que ser esclarecida para, então, emergir de dentro de cada um.

É preciso atribuir sentido à dor, ao sofrimento, às perdas, ao luto. 

Fazer essa escolha de crescimento pessoal, neste momento de tanta fragilidade emocional, é priorizar a saúde mental sobre escolhas de medo, ansiedade e doença. 

Faça o exercício de presença. Com tantas tecnologias é possível se fazer presente no cotidiano daqueles que estão mais fragilizados nesse momento. 

LIGUE - FALE - ESCUTE - E SEJA OUVIDO - O telefone foi criado para fazer ligações. E a voz tem excelente influência sobre a memória afetiva: ela traz aconchego e dá prazer.

Não se compare com webcelebridades que sugerem parâmetros de bem-estar. Cada um é INDIVÍDUO e por isso ÚNICO EM SI

Troque a comparação pela admiração daqueles que merecem reconhecimento e se disponha a ser melhor.

A psicologia positiva disserta sobre a conexão que existe entre o interior do indivíduo e à influência externa, e como desenvolver uma inteligência emocional pode nos proporcionar um desenvolvimento de imunidade afetiva.

Essa imunidade infelizmente não nos protege do novo coronavírus mas pode nos blindar para entender, aceitar, ressignificar e agir diante das repercussões que esse vírus tem na sociedade mundial. E é essa a esperança que vejo para a SOCIEDADE COVIDIANA. 

À quem compete os processos deliberativos sugiro compreender esses riscos psicológicos advindos com o caos, para que haja esforço em elaborar políticas públicas que priorizem os fins evitáveis e não a areia e a empilhadeira.

Se tem algo que já aprendemos com a COVID-19 é sempre PREVENIR.

Como ainda não temos o domínio sobre o adoecimento, busquemos criar domínio sobre a nossa felicidade, sobre o nosso corpo e na nossa vida.

 


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Referências Bibliográficas

  1. Gunnell, D., Appleby, L., Arensman, E., Hawton, K., John, A., Kapur, N., Khan, M., O'Connor, R. C., Pirkis, J., & COVID-19 Suicide Prevention Research Collaboration (2020). Suicide risk and prevention during the COVID-19 pandemic. The lancet. Psychiatry, S2215-0366(20)30171-1. 
  2. Maslow, A. H. (1943) A Theory of Human Motivation
  3. Sampaio, J. R. (2009) O Maslow desconhecido: uma revisão de seus principais trabalhos sobre motivação. Revista de Administração da USP. São Paulo, 44(1)5-16.
  4. Ferreira, A. et al. (2006). Teorias de motivação: uma análise da percepção das lideranças sobre suas preferências e possibilidade de complementaridade. XIII SIMPEP - Bauru, SP.

 


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