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As vantagens para os médicos da autonomia do paciente

As vantagens para os médicos da autonomia do paciente
Thiago Mundim Brito
mai. 25 - 6 min de leitura
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Nos primórdios, o modelo paternalista da relação médico-paciente significava que, ao adentrar o consultório médico, o paciente abdicava, na prática, da sua plena autonomia e capacidade, conferindo ao profissional da saúde o poder de escolha sobre a intervenção no seu corpo e na sua saúde.

A grande mudança veio com o Código de Nuremberg, a primeira grande resposta ético-jurídica às intervenções médicas não autorizadas pelo paciente. Surgiu do contexto do julgamento dos médicos nazistas pelas práticas realizadas nos prisioneiros de guerra. Desde então, seus princípios e valores foram incorporados na maioria dos ordenamentos jurídicos, o principal deles é a autonomia do paciente.

Apesar de estreitamente ligados, a autonomia do paciente não se confunde com o dever de informação do médico, o termo de consentimento informado e as diretivas antecipadas de vontade, os quais são reflexos daquela.

No ordenamento jurídico brasileiro, a sua previsão parte da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, II), passando pelo importante art. 15 do Código Civil e alcançando, por fim, o art. 31 do Código de Ética Médica. O seu desrespeito pode caracterizar o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal).

Muito embora seja um termo muito falado por todos, mas qual o significado de autonomia? É a autodeterminação que implica a possibilidade da tomada de atitudes de acordo com as próprias convicções, livre de vícios na vontade (por exemplo, coação ou indução a uma falsa percepção da realidade), sempre com plena capacidade de compreensão.

Conjugada com o princípio da beneficência, a autonomia permite densificar o conceito vago do melhor interesse do paciente, o qual, em última análise, somente pode ser conhecido pelo próprio paciente com os seus valores e suas crenças.

A inserção da autonomia do paciente na relação médico-paciente promoveu grande transformação, conferindo ao próprio paciente importante parcela de responsabilidade quanto às decisões e consequências do seu tratamento.

É claro que existem exceções à autonomia do paciente, permitindo o profissional médico atuar conforme sua própria escolha. No entanto, resumem-se àquelas situações em que não é possível obter a manifestação de vontade do paciente, representante legal ou da família.

Os Tribunais brasileiros firmaram entendimento no sentido da proteção obstinada da manifestação de vontade do paciente plenamente capaz, sendo vedada qualquer intervenção não autorizada pelo enfermo ainda que sob o argumento de salvar-lhe a vida.

De um lado houve a necessidade de ser fortalecer o diálogo e o entendimento na relação médico-paciente, por outro, o paciente tornou-se senhor do seu destino e, por conseguinte, responsável por suas escolhas.

Desse modo, houve significativa transferência da responsabilidade jurídica que pairava sobre o médico para o próprio paciente em razão de questões aleatórias previsíveis.

A primeira vantagem para o médico em razão da autonomia do paciente é a excludente de ilicitude chamada fato da técnica, a qual se refere aos riscos inerentes ao procedimento médico ou técnica. Em outras palavras, são aqueles riscos que, muito embora previsíveis, caso se concretizem, a capacidade do profissional impedir a concretização do mau resultado é muito limitada ou nula. Nessa situação, não há qualquer erro de execução do profissional.

Assim, se devidamente informado do risco pelo médico, o paciente opta por realizar o tratamento ou procedimento, o médico não responderá futuramente caso o risco inerente à técnica se concretize, sem qualquer erro na execução. É um mau resultado decorrente de um risco que o paciente concordou expressamente em assumir.

Outra importante vantagem para o médico da autonomia do paciente que se pode mencionar é quanto a escolha entre as alternativas de tratamento e os respectivos efeitos colaterais.

Muitos efeitos colaterais de tratamentos podem causar prejuízos profissionais aos pacientes que podem se ver em uma situação de impossibilidade de realizar suas atividades.

Havendo várias alternativas de tratamento ou procedimentos razoáveis para o quadro clínico, o médico deve esclarecer muito bem sobre todos os efeitos colaterais de cada um deles, permitindo ao paciente escolher qual deles está disposto a suportar ou melhor se adapta à sua rotina de vida ou profissional.

Caso o paciente não seja informado das alternativas de tratamento e respectivos efeitos colaterais, o médico poderá ser responsabilizado por eventuais prejuízos decorrentes de oportunidades perdidas pelo paciente (profissionais, viagens contratadas, etc.) em razão de não lhe ser possibilitado escolher a outra alternativa que não lhe privaria da oportunidade.

Como se nota, a autonomia do paciente conferiu-lhe poder de direção e escolha no âmbito da sua saúde, mas trouxe em contrapartida a responsabilidade por suas próprias escolhas, aliviando o profissional médico desse encargo.

Caso tenha interesse em aprofundar sobre o tema desse artigo, é abordado com maior profundidade e mais detalhes no seguinte vídeo do próprio autor, link:

 

Referência bibliográfica:

- DANTAS, Eduardo. Direito médico. 4. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

- DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

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- FONSECA, Pedro Henrique Carneiro da. Manual da responsabilidade do médico. 2. ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.

- FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.

- KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Editora Thomson Reuters Brasil, 2019.

- POLICASTRO, Décio. Erro médico e suas consequências jurídicas. 5.ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2019.

- ROSENVALD, Nelson et al. Responsabilidade civil e medicina. 9. Ed., Indaiatuba: Editora Foco, 2020.

- SÁ, Maria de Fátima Freire de et al. Direito e medicina: autonomia e vulnerabilidade em ambiente hospitalar. 1ª ed., Indaiatuba: Editora Foco, 2018.


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