Automedicação é a prática de ingerir medicamentos sem a indicação ou acompanhamento de um profissional de saúde qualificado, visando solucionar uma manifestação patológica ou dolorosa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determina duas classificações para o uso indevido de medicamentos: o seu uso indiscriminado, quando o paciente o utiliza de maneira exagerada e constante, com ou sem receita médica, e a automedicação quando existe consumo de medicamentos sem a avaliação de um profissional. O desrespeito às regras de comercialização da ANVISA estimula o uso irresponsável de medicamentos, em que os consumidores não sabem a ação farmacológica do princípio ativo, as incompatibilidades que podem existir entre o mesmo e seu organismo e a importância de seguir a posologia e os horários corretos (BERNARDES, 2020).
O Brasil é um dos países engajados na campanha Janeiro Branco, dedicada a colocar os temas da saúde mental em evidência no mundo, em nome da prevenção ao adoecimento emocional. A principal estratégia é sensibilizar a mídia, o governo e o setor privado sobre a importância do investimento em políticas públicas no setor. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em escala global, o número de pessoas com depressão aumentou 18,4% nos últimos 10 anos. São 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. Na América Latina, o Brasil é o país mais ansioso e estressado. Cerca de 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, e 9,3%, de ansiedade (OMS, 2020).
A depressão é um transtorno de humor crônico e recorrente, que ocasiona forte impacto na qualidade de vida do paciente e de seus familiares, e considerando o aumento no número de casos e suas consequências sociais, constitui sério problema de saúde pública. É um transtorno caracterizado por sentimentos de tristeza, culpa, pessimismo, perda de apetite, dificuldade de concentração, diminuição da libido e aumento da irritabilidade. O aumento do consumo de antidepressivos, nesta década, possivelmente está relacionado com o surgimento de novas medicações, com a ampliação das indicações terapêuticas, bem como com o crescimento do diagnóstico das doenças depressivas na população em geral, em especial nas mais jovens (ROSA, 2019).
Depressão e ansiedade são sintomas frequentemente observados entre estudantes da área da saúde, mais especificamente medicina. A presença destes sintomas, bem como a não identificação precoce dos mesmos pode levar a um impacto muito grande no desenvolver da carreira médica do aluno, com queda de rendimento, aumento do risco de abandono/desistência do curso e aumento do risco de suicídio. A vida acadêmica é uma fase que possibilita inúmeras conquistas, profissionais, amizades e o desejo de destaque no mercado de trabalho. Em contrapartida, corresponde a uma fase de profundas mudanças e adaptações a um novo estilo de vida, os quais tendem a gerar estresse e frustrações, tornando esse período vulnerável à automedicação. Diversos fatores motivam os universitários a se automedicarem: elevada carga horária, maior acesso à informação, convívio com outros acadêmicos, influência familiar, fatores psicossociais ou a mudança e adaptações a um novo estilo de vida (ROSA, 2019).
O vestibular extremamente competitivo, a metodologia de ensino que é diferente da usada no colegial, o curso básico longo que adia o contato com a profissão propriamente dita e pode ocasionar frustração ao aluno e a escolha da especialidade destacam-se como fatores de estresse. Acrescentam-se a isso as situações em que o aluno reside sozinho e distante de casa, o período longo e em tempo integral dos cursos, a grande quantidade de informações que precisa adquirir, a qualidade da relação professor-aluno e a influência da atividade acadêmica sobre suas atividades de lazer e relacionamentos sociais. (AGUIAR, 2009).
Alguns estudantes universitários recorrem a drogas, como álcool, tabaco e até psicotrópicos, em busca de alívio do estresse e da ansiedade. Como o estresse é um dos fatores predisponentes para o aparecimento das síndromes somáticas funcionais, esses estudantes estão mais propensos ao vício. É notório que os estudantes de medicina que apresentam maior desempenho acadêmico, são aqueles que mais se cobram e por isso, estão mais sujeitos a desenvolver sintomas depressivos e a sofrer as pressões impostas quando houver alguma falha. Além disso, a falta de apoio emocional pode estar envolvida na gênese do transtorno depressivo, o que deixa o indivíduo mais vulnerável a doenças associadas (AGUIAR, 2009).
Além disso, a internet, que se tornou uma ferramenta extremamente necessária na vida atual, com acesso rico à informação, comunicação instantânea e entretenimento, fez crescer exponencialmente o número de usuários da web nos últimos anos, tendo como grupo majoritário adolescentes e adultos jovens. Paralelamente aos benefícios, emergem os efeitos prejudiciais do uso de forma desadaptativa e a adicção por internet (AI), considerada uma epidemia do século XXI, digna de preocupação como um problema mundial de saúde mental. Em muitos casos se percebe somente o uso excessivo da internet, que consiste no gasto de tempo exagerado, de forma descontrolada e consumindo o tempo necessário para outras atividades do indivíduo. A AI é caracterizada pelo uso com padrão desadaptativo, levando a danos clinicamente significativos ou sofrimento emocional (MOROMIZATO, 2017).
RESULTADOS ESTUDADOS
Os dados dos estudos aqui referenciados indicam que aproximadamente 70% dos discentes já compraram medicamentos sem prescrição médica, não apresentando diferenças significativas entre os ciclos básico, clínico e internato. A porcentagem de discentes que se sentem mais aptos à automedicação por estudarem medicina aumentou, gradativamente, nos ciclos básico, clínico e internato, respectivamente. O acesso à informação foi o principal benefício atrelado ao uso da internet, seguido da facilidade de comunicação, lazer e conhecer novas pessoas.
Além desses, vários benefícios secundários foram apontados como associados ao uso da internet, como, por exemplo, relacionados ao estudo ou trabalho, maior sociabilidade, criar e manter contatos, acesso à cultura, a autoestima elevada, e não viram as opções anteriores como benefícios. Por outro lado, os respondentes também apontaram interferências negativas do uso da internet nos seguintes quesitos: família, lazer, estudos, atividade física, alimentação, relacionamentos amorosos e relacionamentos entre amigos.
Por fim, foram encontradas associações entre sintomas ansiosos e depressivos com efeitos prejudiciais e desadaptativos do uso da web. Entre aqueles que afirmaram que o uso do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp prejudicava o rendimento acadêmico, foi encontrada relação significativa com o escore: Escala de Ansiedade de Beck (BAI) (p = 0,029). Entre aqueles que costumam perder o sono ou dormir menos por conta do uso excessivo da internet, foi encontrada associação com valores do BAI (p = 0,008).
Enfermidades comuns como dores de cabeça e cólicas menstruais ou abdominais são muitas vezes solucionadas pelos próprios doentes. Os fármacos utilizados são subestimados ao serem considerados menos potentes e, assim, não causariam danos ao usuário e a consulta com o médico seria dispensável. Esse tipo de atitude, aliado à falta de fiscalização em relação a venda de remédios, são considerados fatores facilitadores e contribuem para a execução da automedicação. Para prevenir tal atitude, são necessárias ações de conscientização com apoio de familiares, médicos, funcionários dos centros de saúde, amigos e o aumento da disponibilidade de tratamentos de baixo custo (ROSA, 2019).
CONCLUSÕES
A expressão de sentimentos negativos, apoio psicológico, atividades de lazer, apoio espiritual são algumas estratégias adaptativas desenvolvidas por acadêmicos para enfrentamento do estresse. Valorização dos relacionamentos interpessoais, equilíbrio entre estudo e lazer, organização do tempo, cuidados com a saúde, alimentação e sono, prática de atividade física e aprender a lidar com situações adversas também são estratégias de enfrentamento que podem contribuir para melhorar a qualidade de vida do estudante (BERNARDES, 2020).
Para tratamento dos quadros ansiosos e depressivos entre os estudantes de medicina existem diversas barreiras, iniciando pelo estigma da doença mental. Pensamentos de que o fato de sentir deprimido(a) ou ansioso(a) está associado a “fraqueza”, “imaturidade”, “falta do que fazer”, “falta de ocupação”, “pouca espiritualidade”, entre outros, leva a uma demora no reconhecimento destes sintomas. Além disso, mudanças no curso médico, associado a intervenções curriculares podem ter impacto na prevalência e gravidade destes sintomas. A identificação precoce e o encaminhamento para tratamento farmacológico e/ou psicoterápico têm impacto no desenvolvimento destes sintomas minimizando o risco de suicídio (BERNARDES, 2020).
Em relação à ansiedade, estudos com terapia cognitivo comportamental com foco em gerenciamento de estresse tem se mostrado eficazes na prevenção de quadros ansiosos entre populações de risco, assim como estratégias não farmacológicas como atividade física e meditação. Medicações em casos mais graves podem ser usadas, com foco na redução dos sintomas ansiosos. Dentre as medicações disponíveis, os antidepressivos têm papel importante na terapêutica na ansiedade. Nos quadros depressivos, o uso de medicação em casos moderados e graves se associa a melhor prognóstico e menor chance de recaída e cronificação. As medicações disponíveis são anti-depressivos com foco principal nos grupos de pouco efeito colateral, tais como inibidores seletivos da recaptura de serotonina e duais (BERNARDES, 2020).
É interessante notar que quadros depressivos podem levar a impactos sobre a cognição, especificamente sobre a atenção e consequentemente sobre a memória, levando ao estudante um prejuízo funcional e dificuldade de aprendizado. Os estudos mostraram que após o tratamento adequado, atingindo a remissão do quadro de humor observa-se uma reversão destes prejuízos. Assim, mudanças curriculares que levem a diminuição do estresse e de eventos vitais estressantes, e estimulem o gerenciamento do mesmo possam ter efeito benéfico sobre a prevalência e gravidade de depressão e ansiedade entre estudantes da área médica (ROSA, 2019).
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REFERÊNCIAS
AGUIAR, S. M.; et al. Prevalência de sintomas de estresse nos estudantes de medicina. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Rio de Janeiro, vol. 58, n. 1, p. 35-38, jan. 2009
ALVES, T. C. T. F. Depressão e ansiedade entre os estudantes da área da saúde. Revista de Medicina. São Paulo, vol. 9, n. 3. P. 101-105, set. 2014.
BERNARDES, H. C.; et al. Epidemiological profile of self-medication among medical academics of a brazilian public university. Brazilian Journal of health Review. Goiás: Jataí, v. 3, n. 4. P. 8631- 8643, jul. 2020.
MOROMIZATO, M. S.; et al. O uso de internet e redes sociais e a relação com indícios de ansiedade e depressão em estudantes de medicina. Revista Brasileira de Educação Médica. Sergipe: Aracaju, v. 41, n. 4, p. 497-504, abr. 2017.
ROSA, A. L. N.; et al. Eventos produtores de estresse emocional mais comuns na população de estudantes do curso de medicina. Revista Interdisciplinar do Pensamento Científico. Rio de Janeiro: Itaperuna, v. 5, n. 5, 26 p.; dez. 2019.