O novo coronavírus e a Covid-19 são as palavras que mais ouvimos nos últimos meses. Todos estão falando sobre as consequências que a doença tem causado. Todos tem opiniões. Eu também.
Quarentena e isolamento social são as medidas recomendadas para que a pandemia não intensifique a crise e as mortes que já tem causado.
No Brasil, essas medidas também tem sido adotadas. Especificamente, no Estado de São Paulo, onde moro, desde o dia 24 de março de 2020. Enquanto uns são a totalmente a favor, outros são contra e tentam influenciar a volta das atividades, muitas vezes fundamentados na crise econômica e social que a situação pode e tem causado no nosso país.
Aqueles que são a favor afirmam que a economia a gente trabalha e recupera, as vidas não.
Nesse contexto, disse o jornalista Guilherme Augusto (acesse a matéria aqui) que a Dra. Adriana de Oliveira Melo, médica especialista em medicina fetal sugeriu "que favoráveis ao fim do isolamento abdiquem de tratamento contra a COVID-19".
Não estou aqui para impor qualquer juízo de valor à afirmação dela, mas sim para analisar pelos olhos da bioética e do direito as situações diante da mencionada afirmação.
Ao visualizar o perfil da médica fica claro que ela se enquadra nas pessoas que pensam que as vidas que possivelmente se perderão com o retorno normal das atividades tem valor superior à economia.
Lembro aqui que muitas pessoas, durante esse período, já foram demitidas, tiveram suas cargas de trabalho reduzidas (e também seus salários) e pequenos e médios empreendedores que não possuíam reserva de emergência financeira, e muitas vezes com patrimônio da pessoa jurídica confundido com o da pessoa física já estão vendo suas contas vencerem e pensando sobre como serão seus próximos dias, se poderão pagar suas contas e ter casa e comida.
Pois bem. A primeira pergunta que me vem à mente quando falamos sobre isso é:
Por que as pessoas prefeririam apoiar o isolamento social se sabem que isso pode gerar diminuição no patrimônio coletivo e individual, fazendo ainda muitos ficarem endividados pelo não recebimento de valores?
Na minha opinião, a resposta está na análise dos demais países que já enfrentam essa crise a mais tempo que nós. Medo. Medo real. Medo de que aconteça aqui o que aconteceu na Europa. Quando o médico afirma "temos que decidir quem salvar", ele está dizendo "temos que decidir quem vai morrer".
E se o médico teve que escolher, então antes dele os governantes e cada um individualmente fez essa escolha por meio de suas atitudes ou pela ausência delas.
Quanto vale a vida de um idoso, de alguém com câncer (jovem ou não), de qualquer um do grupo de risco para seu cônjuge, sua família, seus amigos?
Quanto vale a vida de um jovem saudável?
O valor econômico que cada um tem para a sociedade talvez seja possível mensurar, mas e o valor sentimental, da vida, da dignidade dessas pessoas para si mesmas, suas famílias, amantes e amigos?
O que é melhor (menos pior)? Perder patrimônio ou perder vidas?
Empatia. Essa é a palavra que deveríamos estar ouvindo mais neste tempo.
Onde está a dignidade dessas pessoas, daqueles que perdem seus amados para a doença e sequer podem se despedir? Onde estão o direito à saúde, à preservação da vida, à convivência familiar, ao bem estar?
Se "todos os cidadãos nascem livres e iguais em dignidade e direitos", então porque terceiros podem decidir sobre tratar ou não tratar pessoas, considerando a chance de vida delas, destinando aqueles que não são tratados à morte?
Não é isso que a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) propõe. Acontece que estamos vivendo uma situação excepcional: se isso não for feito, então até os que tem maiores chance poderão morrer, por ausência de disponibilidade de leitos e maquinário hospitalar que estão sendo "desperdiçados" com aqueles que tem menos chances.
Não existe solução perfeita. Temos que ponderar quais das situações propostas trará menos danos pessoais e coletivos.
Seria dever do Estado e de cada um de nós promover o possível para que tais escolhas não sejam necessárias? Isolamento social, doação de dinheiro em espécie para o setor da saúde, doação de insumos, maquinários, tempo... Cada um de nós pode ajudar de alguma forma.
Outra questão que vem à mente é:
Considerando a adesão ao retorno das atividades normais, poderia haver abdicação ao tratamento da COVID-19?
Essa resposta é, em tese, mais simples. Em tese a resposta é sim, pautada pelos direitos humanos, pela autonomia de vontade e pelos direitos da personalidade.
Se falarmos especificamente no Brasil, o nosso ordenamento jurídico afirma: "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica." (cf. art. 15, situado no capitulo dos direitos da personalidade do Código Civil).
Ora, mais claro não poderia ser: o paciente tem direito sobre seu próprio corpo e pode negar tratamento por quaisquer doenças. Em tese, nem mesmo o médico tem direito de impor o tratamento, mas a prática levanta outras questões: o médico possui segurança jurídica para não tratar um paciente que manifesta sua vontade, sabendo que pode causar sua morte? Seria omissão de socorro?
Além disso, o paciente pode tomar decisões sem ser adequadamente informado sobre as consequências?
Para tomar uma decisão sobre os tratamentos aos quais o paciente será ou não submetido, ele precisa ser adequadamente informado sobre os riscos e alternativas dessa decisão.
Como informar adequadamente, se o paciente, na maioria das vezes, não possui capacidade técnica para compreender certos aspectos das doenças e tratamentos? É dever do médico transmitir mencionada informação?
Ainda por outro lado, se alguém adere ao retorno das atividades econômicas e abdica do tratamento, seria a solução? Quantas pessoas não influenciaria por essa atitude? Quantas pessoas não contaminaria, a começar pelos de sua casa e expandindo até que soubesse que estava contaminado, já que entre o período de contaminação e aparecimento de sintomas pode levar mais de uma semana e às vezes nem aparecer?
Esses questionamentos levam, ainda, à outra reflexão: o que vale mais? A saúde coletiva ou a individual?
Todos temos direito à saúde, isso é inegável. É um direito previsto na DUDH, na Constituição Federal e em leis infraconstitucionais. Eu posso abrir mão da minha saúde, mas e quando minha atitude atinge a saúde de outros?
Como o título desse artigo sugere, essas são reflexões sobre o assunto. Não tenho resposta.
Meu desejo é que faça você pensar com empatia, altruisticamente e não a pensar somente em si próprio.
Obrigada.
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