Câncer de Próstata – Rastrear ou não rastrear?
Muita polêmica tem surgido em torno da campanha de incentivo ao rastreamento de câncer de próstata no mês de Novembro, também conhecido como Novembro Azul.
O mês, e suas campanhas, pregam que todo homem acima de 50 anos de idade deva ser submetido ao rastreamento de câncer de próstata, que envolve dosagem do antígeno prostático específico (PSA) em associação ao toque retal ou ultrassonografia da próstata. Se os resultados forem positivos, o paciente é submetido a uma biópsia da próstata para avaliar a presença de câncer no microscópio.
O câncer de próstata é o tumor maligno mais frequentemente diagnosticado em homens, excluindo-se cânceres de pele. O risco de um homem desenvolver a doença é estimado em 15% e de morrer de câncer de próstata é estimado em 2.8%. O câncer de mama, em contrapartida, é estimado em acometer 12.5% das mulheres e a indicação de seu rastreamento é bem estabelecido. Por que, então, a controvérsia é tão grande para eles e não para elas?
O problema reside nas características do tumor de próstata, que geralmente é de crescimento bem lento e pouco agressivo. Raramente é diagnosticado antes dos 50 anos e 70% das mortes ocorre após os 75 anos. Existem evidências convincentes de que o rastreamento de câncer de próstata é efetivo em detectá-lo em pacientes assintomáticos, que é o objetivo de um exame de rastreamento, mas a grande maioria dos cânceres detectados não causariam problemas ao paciente em nenhum momento de sua vida. Quando isso ocorre, o termo “overdiagnosis” é empregado.
Os pacientes diagnosticados caem em uma das 3 seguintes categorias: pacientes que teriam bons resultados independentemente do diagnóstico pelo rastreamento; pacientes que morreriam da doença apesar de ter sido diagnosticada precocemente; e, a que nos importa, pacientes que deixariam de morrer pelo diagnóstico precoce. Estima-se que são necessários 1400 homens rastreados e 48 prostatectomias para se prevenir uma morte.
Aí residem dois problemas:
Por conta dessas razões, sociedades renomadas como o United States Preventive Services Task Force (USPSTF) recomendam contra o rastreamento de rotina para os pacientes.
Porém, não há um especialista em câncer de próstata sequer nesse painel. Especialistas de centros de referência em câncer americanos apontam que o principal problema não está no overdiagnosis, mas sim no overtreatment. 5 em cada 1000 cirurgias de próstata podem ser fatais, e 10 a 70 dessas podem ter complicações graves, porém sem letalidade. O desafio, dessa forma, reside em selecionar os casos que devem ser submetidos à cirurgia, e os que devem entrar para o programa de active surveillance. O que isso significa? Monitorar a doença ativamente pelos níveis de PSA e possivelmente repetir a biópsia no futuro para avaliar mudanças no comportamento do tumor. Uma vez que o tumor progredir ou se tornar agressivo, o tratamento definitivo seria indicado. Há a chance, contudo, de que o paciente ganhe alguns anos de qualidade de vida e ainda que esse momento nunca venha a acontecer. Vale se atentar ao fato de que essa estratégia difere do watchful waiting, que basicamente exclui o tratamento definitivo e foca em tratamento sintomático com terapia hormonal e/ou pequenos procedimentos. O watchful waiting é sabidamente pior comparado ao tratamento definitivo, em termos de sobrevida.
Hoje em dia, há escores para facilitar a escolha do tratamento inicial, que se baseiam no valor do PSA, estadiamento do tumor e escore de Gleason (combinação dos dois graus de tumor mais frequentes nas amostras). Os métodos ajudam, mas ainda são falhos. Por isso, outros métodos estão sendo discutidos e propostos recentemente.
Concluindo, o rastreamento de próstata é eficiente em detectar tumores assintomáticos, mas isso não necessariamente implica em redução na sua mortalidade. A recomendação mais pertinente seria expor os riscos e benefícios ao paciente e tomar uma decisão conjunta. Há casos evidentes onde o rastreamento é desnecessário, como pacientes com diversas comorbidades cardiovasculares/pulmonares e expectativa de vida baixa. A faixa etária onde se obteve maior impacto com o rastreamento foi entre 55 e 69 anos de idade. Caso o rastreamento tenha sido adotado e o diagnóstico precoce seja feito, deve-se encontrar a melhor forma de classificá-lo para decidir quanto à sua ressecção ou não. Pacientes elegíveis ao programa de active surveillance devem ser estimulados à conduta conservadora, evitando assim o overtreatment e seus riscos e sabidos efeitos colaterais.
Reomendações de acordo com as sociedades:
United States Preventive Services Task Force: rastreamento não recomendado
American Cancer Society: Discutir riscos e benefícios com qualquer paciente acima de 50 anos, pacientes negros ou com história familiar de primeiro grau com câncer de próstata após os 45 anos e pacientes com mais de um parente de primeiro grau acometido após 40 anos. Oferecer PSA+-toque retal.
American Urological Association: Decisão individualizada para homens entre 40 e 54 anos. Decisão compartilhada com o paciente entre 55-69 anos. Não rastrear rotineiramente homens com menos de 45 ou mais de 70 anos, a não ser que os últimos tenham expectativa de vida maior que 10 anos. Se o rastreamento for indicado, considerar intervalo de 2 anos entre dosagens de PSA.
European Society of Medical Oncology: Não rastrear rotineiramente. Decisão individualizada e compartilhada com o paciente entre 50 e 69 anos.
Sociedade Brasileira de Urologia: Rastrear pacientes acima de 50 anos.
Referências: