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CAR-T In Vivo: O Futuro da Imunoterapia Pode Estar no Próprio Organismo

CAR-T In Vivo: O Futuro da Imunoterapia Pode Estar no Próprio Organismo
Comunidade Academia Médica
mai. 28 - 5 min de leitura
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As terapias com células CAR-T, consideradas uma das maiores inovações no tratamento de cânceres hematológicos, estão prestes a entrar em uma nova era. Pesquisadores e empresas de biotecnologia estão desenvolvendo tecnologias capazes de engenheirar células imunes diretamente dentro do corpo dos pacientes, o que pode revolucionar o acesso, custo e eficácia desses tratamentos.

O modelo atual

Hoje, a produção das células CAR-T exige um processo laborioso e caro. As células T do paciente são extraídas, enviadas para um laboratório, modificadas geneticamente para expressar receptores quiméricos de antígenos (CARs), multiplicadas em larga escala e, então, reintroduzidas no corpo. Este processo pode levar semanas e custar cerca de US$ 500 mil por tratamento. Além disso, está disponível apenas em centros altamente especializados — cerca de 200 nos Estados Unidos.

O tempo de espera é crítico. O Dr. Joseph McGuirk, do Centro Médico da Universidade do Kansas, relatou que mais da metade dos pacientes em lista de espera para o CAR-T Carvykti morreram antes de conseguirem realizar o tratamento.

A proposta: CAR-T in vivo

Conforme divulgado num artigo da Nature, de 27 de maio de 2025, empresas como Capstan Therapeutics, Orna Therapeutics, Interius BioTherapeutics, Umoja Biopharma, EsoBiotec e Myeloid Therapeutics estão apostando em uma abordagem radical: inserir diretamente no corpo o material genético necessário para transformar células T do próprio paciente em células CAR-T.

A proposta é utilizar vetores virais modificados ou nanopartículas de RNA para levar o gene do CAR diretamente às células T circulantes. Em vez de um tratamento personalizado, feito sob demanda, o CAR-T in vivo poderia ser produzido em massa, aplicado como uma medicação comum, com custo potencialmente 10 vezes menor.

Como isso está sendo feito?

1. Vetores virais

Empresas como a Interius e Umoja utilizam vetores lentivirais modificados que se ligam especificamente a receptores encontrados apenas em células T (como o CD7). A Umoja vai além, desenvolvendo vetores que se ligam a três receptores simultaneamente, tentando imitar a ativação natural das células T.

2. Nanopartículas de RNA

Outras empresas como Orna e Capstan optam por entregar RNA mensageiro (mRNA) que permanece apenas temporariamente nas células. Isso oferece maior segurança, pois em caso de reações adversas, o RNA se degrada naturalmente em poucos dias. Isso contrasta com os vetores virais, que integram o gene no DNA da célula, podendo resultar em efeitos duradouros — e, em raros casos, levar a cânceres secundários.

Potenciais benefícios do CAR-T in vivo

  • Produção simplificada e barata.

  • Início mais rápido do tratamento.

  • Dispensa da quimioterapia preparatória, que costuma ser necessária nos tratamentos ex vivo para eliminar células T não editadas.

  • Possibilidade de aplicação em pacientes que não toleram quimioterapia.

  • Menor risco de tempestade de citocinas, pela interação com o sistema imune completo durante a ativação.

Os primeiros estudos em humanos estão em fase inicial, mas os resultados são promissores:

  • A Interius reportou que, entre três pacientes com linfoma não-Hodgkin, aquele que recebeu a maior dose apresentou eliminação quase completa dos linfócitos B em seis dias, e esse efeito se manteve por três meses.

  • A EsoBiotec reportou desaparecimento total das células cancerosas em um paciente com mieloma múltiplo, um mês após a aplicação.

  • A Umoja está conduzindo dois ensaios clínicos — nos EUA e na China — com dados previstos para o fim de 2025.

Aplicações em doenças autoimunes

CAR-Ts já mostraram sucesso em lúpus e outras doenças autoimunes. Uma pesquisa publicada no New England Journal of Medicine (2024) demonstrou a remissão de sintomas em 15 pacientes. Agora, a expectativa é que o CAR-T in vivo permita tratar essas condições com mais segurança e menor toxicidade, principalmente com as versões baseadas em RNA.

Apesar do entusiasmo, algumas questões ainda preocupam a comunidade científica:

  • Precisão do alvo: como garantir que apenas células T sejam modificadas?

  • Segurança a longo prazo: vetores virais ainda apresentam riscos de integração gênica em locais indesejados.

  • Eficiência do RNA: será que uma abordagem temporária será suficiente para eliminar tumores de forma duradoura?

Em 2025 e 2026, dezenas de ensaios clínicos com diferentes plataformas in vivo devem avançar em todo o mundo. Segundo Joe Bolen, CEO da Orna Therapeutics, “esses dois anos serão decisivos para transformar o paradigma das terapias celulares”.

E há ainda outras iniciativas paralelas para acelerar e baratear o CAR-T, como o uso de células T de doadores saudáveis ou o desenvolvimento de processos ex vivo ultrarrápidos (com fabricação em menos de 24 horas, como já realiza uma empresa chinesa adquirida pela AstraZeneca).

Trinta anos após os primeiros ensaios de engenharia genética de células T, os pesquisadores que antes eram ignorados agora lideram um campo em plena transformação. Como resume Bruce Levine, um dos pioneiros da área: “Todo mundo quer entrar nesse campo agora — e todo mundo quer torná-lo mais acessível”.


Referência:

Willyard, C. (2025, May 27). Cancer-fighting immune cells could soon be engineered inside our bodies. Nature. https://www.nature.com/articles/d41586-025-01570-6


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