A obesidade é uma doença de abrangência mundial que afeta homens e mulheres de várias faixas etárias e níveis socioeconômicos.
Recentemente temos visto diversas notícias e estudos que abordam a obesidade como um fator de risco para o desenvolvimento de quadros mais graves da COVID-19.
De fato sabe-se que a obesidade, como também quadros de desnutrição grave, prejudicam a imunidade. No entanto, o acúmulo demasiado de gordura corporal, proveniente principalmente da ingestão excessiva de calorias e do sedentarismo da vida moderna, leva a um estado crônico de inflamação subclínica.
Digo subclínica pois apesar da obesidade desencadear uma resistência à ação da insulina, que é verificada pelo médico e tratada conforme protocolo de síndrome metabólica para prevenir o DM2, por exemplo, muitos profissionais esquecem que não é somente nessa via que o excesso de peso está atuando.
A resposta inflamatória crônica tem sua origem nos elos existentes entre o tecido adiposo e o sistema imunológico e entender como esses mecanismos funcionam pode ajudar a elucidar o porquê da adiposidade ser um fator de risco para infecções mais graves.
Uma peça chave para entender como todo esse fenômeno se processa é evidenciada pelo aumento de marcadores inflamatórios circulantes em indivíduos obesos.
O tecido adiposo é capaz de secretar moléculas denominadas adipocinas, muitas das quais apresentam ações imunomoduladoras. É o caso da leptina e da adiponectina.
A maior produção de leptina, considerado uma molécula pró-inflamatória, concomitante com a redução da adiponectina, contrarregulador anti-inflamatório, pode afetar a ativação de células imunes.
A leptina é capaz de estimular a proliferação e diferenciação de monócitos em macrófagos, modulando a ativação de células NK (importantes na defesa contra vírus) e induzindo a produção de citocinas pró-inflamatórias como TNFα e IL-6.
Os macrófagos acabam infiltrando-se demasiadamente no tecido adiposo obeso e também são responsáveis por aumentar a produção de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias locais. A princípio o objetivo dessa reação é eliminar do tecido adiposo as células disfuncionais e necróticas, como os fagócitos normalmente fazem num contexto de inflamação pontual. Contudo, o problema surge quando, como resultado da obesidade sustentada, a resposta inflamatória não atinge seu objetivo e não é resolvida, passando de uma reação local para um estado crônico sistêmico.
O excesso de nutrientes e expansão de adipócitos também desencadeia um mecanismo de estresse no retículo endoplasmático conhecido como resposta a proteínas mal enoveladas (UPR, do inglês: Unfolded Protein Response)
A UPR está ligada a produção de espécies reativas de oxigênio e, portanto, maior estresse oxidativo e a ativação de vias inflamatórias, que culminam com o aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias, novamente aumentando a disposição de IL-6 e TNFa no organismo.
Os níveis séricos de proteína-C-reativa(PCR) e de frações do complemente C3 e C4 também estão aumentados em indivíduos obesos, principalmente com obesidade centrípeta e tem uma relação diretamente proporcional com a piora da condição cardio-respiratória, reduzindo a complacência pulmonar e da parede do tórax, induzindo o estreitamento das vias aéreas no pulmão e a cefalização diafragmática.
Além disso, indivíduos obesos têm maior suscetibilidade a contrair infecções virais, bacterianas e fúngicas e apresentam produção de anticorpos reduzidas após a vacinação.
Algumas vertentes acreditam que o aumento de citocinas pró-inflamatórias poderiam ajudar na defesa desses indivíduos. Porém, novos estudos apontam que apesar da demanda aumentada de mediadores inflamatórios a imunidade fica deficitária propiciando resposta imune baixa.
A inflamação crônica de baixo grau e à desregulação imunológica, leva ao estresse oxidativo e à função defeituosa da imunidade inata e adaptativa, ao mesmo tempo que propicia uma disfunção endotelial e cardiovascular como um todo. Podendo ser essa a questão mais relevante relacionada ao SARS-CoV-2 e aumento de eventos cardiovasculares graves nesses pacientes.
De fato, a presença de citocinas, com alta expressão de IL-6, aceleram a inflamação e afetam a imunopatologia pulmonar principalmente diante de infecção COVID-19. Porém é evidente que mais dados devem ser publicados para elucidar a interação entre o aumento do peso corporal e a propensão a piores desfechos infecciosos causados pelo novo coronavírus.
Referências:
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- Korakas E, Ikonomidis I, Kousathana F, et al. Obesity and COVID-19: immune and metabolic derangement as a possible link to adverse clinical outcomes. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2020;319(1):E105-E109.
- Frasca, D., & McElhaney, J. (2019). Influence of Obesity on Pneumococcus Infection Risk in the Elderly. Frontiers in endocrinology, 10, 71.
- Milner, J. J., & Beck, M. A. (2012). The impact of obesity on the immune response to infection. The Proceedings of the Nutrition Society, 71(2), 298–306.
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