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Como fabricar #MaisMédicos

Como fabricar #MaisMédicos
Millena Catharino
set. 4 - 9 min de leitura
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por Millena Carvalho Catharino

Em nosso país temos problemas muito maiores do que a falta de médicos. Falta saneamento básico, falta educação, falta transporte, faltam condições de trabalho pra médicos, profissionais de saúde e demais trabalhadores, falta habitação, faltam programas de incentivo à cultura, entre outras coisas que influenciam no processo saúde-doença do indivíduo. E a solução mágica do Governo para todos os problemas de saúde no Brasil é “fabricar Mais Médicos”.

Através da Politica Nacional de expansão de Escolas Médicas em Instituições  Federais de Educação Superior , e do programa “Mais Médicos”, o Mistério da Educação quer abrir 11.447 novas vagas na graduação de medicina  e 12.376 novas vagas para a residência médica (especialização).

Pense em uma fábrica. Primeiro compramos a matéria prima, processamos, fabricamos, montamos e embalamos e depois distribuímos a preços baixos. Quando precisamos produzir mais, há a necessidade de mais matéria prima (não importa a qualidade) e aumentamos o ritmo de produção principalmente com terceirizações. Algumas vezes sem se preocupar com a segurança dos funcionários ou com a qualidade dos produtos.

Agora pense, como “fabricar Mais Médicos”? Como abrir tantas vagas de medicina neste país? Com que estrutura? Com que investimento? Apenas “Mais Médicos” ou mais qualidade de ensino, mais preparo na atenção básica, mais formação generalista e menos superespecialização precoce? Será importante a segurança dos professores e funcionários e a qualidade de ensino desses novos “produtos”?

O processo produtivo de um médico é simples. Primeiro você seleciona a matéria prima em vestibulares rigorosos e altamente concorridos. Para entrar no “sonho brasileiro da medicina” você precisa estudar muito! Se você vêm de uma família com condições, pode estudar em colégios e cursinhos caros o que pode facilitar o acesso. Porém, se você é o filho da Dona Joana, que é doméstica, fica um pouco mais complicado, não é mesmo? (Alguns poucos sortudos filhos de empregadas domésticas e de pedreiros entram na medicina através de cotas ou de bolsas como o ProUni, como é meu caso).

1238191_410682039032070_1296841926_nQuando esses sortudos e felizes calouros passam por esse processo e são selecionados, aprendem como o corpo funciona no cicio básico (1°e 2° ano) em disciplinas como anatomia, fisiologia, bioquímica. Para isso são necessários bons professores, salas de aula,  laboratórios, cadáveres, reagentes químicos e alguns campos de estágio. Por incrível que pareça, não é tão complicado colocar mais 50 novas “matérias-primas” nesta parte do processo. E mais impressionante ainda é a falta de itens básicos, mesmo em escolas privadas.

Os problemas aparecem mais claramente no ciclo clínico (3° e 4° ano) onde é necessário, além do que já foi citado, de campos de prática como ambulatórios, hospitais-escola, unidades básicas de saúde... Mais do que isso, é preciso Professores Médicos com Mestrado/Doutorado para guiar esses acadêmicos no aprendizado das diversas especialidades médicas. Para isso, os mestres necessitam disponibilizar muito tempo pois as aulas práticas devem ser em poucas pessoas. Imagine passar visita em um leito com 15 a 20 pessoas seguindo o professor? Conseguir uma infraestrutura dessas é complicado até mesmo nas capitais mais ricas do País.

Os problemas só pioram no ciclo profissionalizante (internato ou 5° e 6°anos) quando o acadêmico passa por seu estágio obrigatório (3.100 horas de estágio em 2 anos na FEPAR), que deve ser realizado 80% dentro do Hospital Escola ( os estágios em clínica médica, clínica cirúrgica, ginecologia/obstetrícia e Pediatria não podem ser em outro local)  e 20% em Unidades Básicas de Saúde (saúde coletiva). É nesta fase, que todo o conhecimento adquirido anterior é posto em prática; é o auge do aprendizado. Precisamos então de mais professores, de mais pacientes, de mais campos de estágio, e mais do que nunca precisamos fazer tudo isso em grupos pequenos, pois de outra forma, não é possível aprender medicina.

Lembro que medicina não se aprende apenas em sala de aula. Existem, como eu já disse, inúmeros fatores que influenciam no processo saúde-doença de um indivíduo, e compreender essa complexidade vai além dos muros da faculdade.

No fim, para valorizar o seu “produto” pode-se colocar em uma “embalagem bonita” chamada residência médica. Onde, para especializar-se em cirurgia ou ginecologia, há um novo funil ainda mais estreito para entrar no “sonho brasileiro da Residência Médica” (não, não é o minha casa minha vida!). Ao passar na RM o médico ainda tem que dedicar mais 60 horas semanais por pelo menos 2 anos. Ou seja, mais 5200 horas em 2 anos, supervisionado por um outro médico ultra especializado.

Além da estrutura da “fábrica”, os estudantes “matéria-prima” precisam de mais. Precisam de Restaurantes Universitários, bibliotecas, casas de estudantes, vagas no estacionamento, espaço adequado nas salas de aula, para garantir a permanência deles no “processo produtivo”.

Os “supervisores de produção” os professores não podem ser sobrecarregados com muita “matéria-prima” (se não, é muito estresse e muita prova para corrigir), precisam de condições adequadas de trabalho, como: laboratórios, equipamentos, salas de aula e leitos hospitalares.

O problema não é cubano. O problema não é a abertura de novas vagas. É como e onde estas vagas estão sendo abertas. As faculdades já existentes em capitais estão sendo incentivadas a aumentar o número de vagas. No interior pouco vem sendo feito, mesmo sendo este um dos chamarizes do programa para fixar o médico. E, diferentemente das reconhecidas marcas, nada me garante o rigor do controle de qualidade do governo dessa expansão. Afinal de contas é interesse deles, ter mais médicos, não importando o custo.

Não somos “playboys” que não querem clinicar no interior. Ou você acha que Seu João, que é pedreiro, trabalharia sem cimento, ou Dona Maria que é motorista de ônibus trabalharia com um veículo que não funciona? Queremos condições de trabalho e qualidade de ensino. Será que é pedir muito?

Um caso específico e um tanto pessoal é o da Faculdade Evangélica do Paraná(FEPAR), onde eu estudo, que já sinalizou ao mistério da educação que pretende aderir ao programa “Mais Médicos” do Governo Federal e, assim, abrir mais 50 vagas por semestre no curso de medicina.

O Centro Acadêmico de Medicina Daniel Egg(CAMDE) deliberou em Assembleia Geral dos estudantes de medicina da FEPAR sobre a expansão no dia 29/08/2013

  • Os Estudantes de Medicina reforçam seu posicionamento contrário à possível expansão de vagas de medicina na FEPAR.
  • Lutaremos contra a adesão ao “Programa Mais Médicos” para aumento de vagas.
  • Buscaremos inserção imediata no processo decisório da FEPAR: A Comunidade Acadêmica tem o direito de participar das decisões de nossa instituição!
  • Lutaremos por melhorias imediatas em nosso curso.
  • Buscaremos apoio e o esclarecimento de Docentes e Funcionários.
  • AÇÕES:

  • Solicitação de declaração pública sobre a possibilidade de expansão de vagas, com o objetivo de esclarecer dúvidas e ouvir Acadêmicos, Discentes e Funcionários.
  • Solicitação do balanço financeiro dos últimos três anos: é preciso entender o destino da arrecadação de nossa instituição.
  • Realização de um Relatório Completo sobre a situação da Medicina: Ciclo Básico, Ciclo Clínico, Internato, Estrutura, Avaliação Docente.
  • Formação de uma comissão de análise e acompanhamento dos pontos listados no relatório com definição de soluções e prazos de resolução. Essa comissão deve contar com discentes, docentes, Coordenação de Curso e Coordenação Pedagógica.
  • Proposta de ato público condicionado às respostas apresentadas pela Instituição nos próximos dias.
  • Aproximação e esclarecimento imediato dos professores sobre a possível Expansão.”
  • O CAMDE também já marcou um ato público no dia 4 de setembro ao meio-dia no gramado em frente à faculdade. Acredito que a faculdade não tem condições atualmente para abrigar mais alunos. Precisamos de melhorias imediatas no nosso ensino antes de cogitar qualquer hipótese de expansão. Não é pedir muito melhores condições de ensino e no futuro, melhores condições de trabalho. Esta acadêmica conta com o apoio dos caros leitores nesta causa: pelo país, pelo SUS, pela medicina, pela FEPAR.

    Millena Carvalho Catharino  é graduanda em medicina pela Faculdade Evangélica do Paraná e acredita que aprender medicina é mais do que decorar anatomia e posologias. É compreender a complexidade do ser humano.


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